A produção independente se organiza e envia propostas ao MinC, que sinaliza com investimentos em cineclubes na rede de ensino. Fátima Fonseca
O 3ª Fepa, realizada em Vitória (ES).
O que não falta no Brasil são experiências bem-sucedidas de projetos que
usam o audiovisual como ferramenta de cidadania e emancipação social.
São iniciativas do movimento social, do terceiro setor, da academia e
de produtores independentes que retratam, em documentários e nos
curtas-metragens, o cotidiano e as histórias das periferias, muitas
vezes, com o próprio olhar de quem vive nelas. Muitas dessas
iniciativas já se consolidaram, começam a fazer história e a circular
em mostras e festivais de cinema. Esse amadurecimento levou
organizações envolvidas com o audiovisual, não só na periferia, a
pensar num projeto nacional para o setor, o que culminou com a criação
do Fórum Nacional de Experiências Populares em Audiovisual (Fepa). E,
como resultado da mobilização, o Fepa passou a integrar, em setembro, o
Conselho da Secretaria do Audiovisual (SAV), do Ministério da Cultura.
A idéia do Fepa surgiu, inicialmente, no Festival Visões Periféricas,
em junho, no Rio de Janeiro, quando se lançou a Carta da Maré — agenda
de reivindicações e propostas dos realizadores —, e ganhou corpo
durante as discussões promovidas no 18º Festival Internacional de
Curtas-Metragens de São Paulo, em agosto. “Existem muitas experiências
em todo o Brasil e era preciso juntar um pouco isso, dar uma unidade”,
comenta Márcio Blanco, da ONG Observatório de Favelas do Rio de Janeiro
e um dos organizadores do Festival Visões Periféricas. O primeiro
encontro do Fepa reuniu 73 vídeos criados a partir de projetos sociais.
Edital e escolas
Márcio Blanco, da Escola
Popular de Comunicação
Qualquer entidade envolvida com audiovisual pode participar da lista de
discussões do fórum, que pretende ser um espaço para reflexão e
articulação regional, cooperação e troca de informações. “A organização
do setor é importante não apenas para a articulação dos movimentos
sociais, mas também para discutir a inserção no mercado dos jovens
envolvidos com produção de audiovisual, para estabelecer as regras e
assegurar espaço para a produção independente na grade da TV pública”,
diz Blanco.
O Fepa representa as ONGs, Pontos de Cultura, Coletivos Populares que
desenvolvem atividades na área de formação, produção e exibição
audiovisual. Tem como missão: refletir sobre a atividade dessas
experiências e contribuir para a criação de políticas públicas e
privadas com o objetivo de ampliar o seu potencial transformador e
democratizante. Atua em três frentes: fomento à produção e exibição da
produção popular; profissionalização e geração de renda para jovens
formados em oficinas e cursos populares de audiovisual; e educação
audiovisual. Desses, a formatação do edital está mais avançada: será
dirigido a alunos e ex-alunos de oficinas do Terceiro Setor, Pontos de
Cultura, coletivos e outros produtores. A proposta do Fepa ao Minc é
que o modelo de edital contemple três etapas: na primeira, serão
selecionados 40 trabalhos de todo o Brasil; na segunda fase, todos os
selecionados participam de uma oficina de formatação de projetos e uma
oficina de audiovisual. Na terceira etapa, serão escolhidos 20 projetos
(quatro por região), e um receberá R$ 30 mil do MinC para sua execução.
No eixo TV pública, o fórum pretende acompanhar a regulamentação e
buscar a participação da sociedade civil na gestão e na grade da TV
aberta.
Jornal da Rede Jovem de
Cidadania, projeto da Associação
Imagem Comunitária (AIC).
Os debates também caminham para levar o audiovisual para a escola
pública, idéia bem-recebida no MinC. “Estamos discutindo com o
Ministério da Educação uma parceria, e uma das ações é a instalação de
cineclubes nas escolas da rede pública de ensino”, antecipa Ana
Elizabete Freitas Jaguaribe, da Secretaria do Audiovisual. Da mesma
forma, diz ela, a Secretaria entende que, com a tecnologia digital, a
produção de vídeo ganhou impulso no movimento popular e é preciso
pensar políticas para atender as demandas do setor. Por isso, lembra
ela, foi criada a assessoria especial de cidadania audiovisual, que vai
lançar o edital direcionado para os realizadores que integram projetos
sociais, de modo a fomentar a produção de vídeos digitais, como
reivindica o Fepa.
Outra iniciativa do MinC voltada à educação é a instalação de cem
núcleos de exibição digital, alguns em escolas, outros em sedes de
ONGs, mas que manterão relação estreita com alunos da escola pública.
“A idéia central é incorporar a linguagem audiovisual na rotina da
escola pública”, informa Elizabete. Para esses cem pontos serão
exibidos DVDs da Programadora Brasil (iniciativa da Secretaria do
Audiovisual, através da Cinemateca Brasileira e do Centro Técnico
Audiovisual, para fazer chegar a todas as telas a produção brasileira
contemporânea e os filmes históricos da cinematografia nacional),
clássicos do cinema brasileiro, filmes contemporâneos e produções
independentes.
“Levar o audiovisual para a escola pública é o pulo do gato”, sintetiza
Jean Cardoso, da ONG Cipó Comunicação Interativa, de Salvador (BA),
enumerando os ganhos da iniciativa: vai trabalhar conteúdo,
criatividade, cidadania e até na grade curricular o audiovisual pode
ser uma ferramenta para que o aluno volte a gostar da escola. “O jovem
evoluiu e a escola parou. Quando ele vai para o projeto, gosta, mas diz
que a escola é chata, então trabalhar a mesma linguagem na escola
contribuiria para o jovem aprender com criatividade”, acredita Jean.
A 3ª edição do Fepa, em setembro no
Festival de Jovens Realizadores de
Audiovisual do Mercosul, em Vitória.
A Cipó já trabalha com educomunicação (comunicação para educação).
Mantém uma escola de arte e tecnologia, que desenvolve quatro
linguagens: vídeo, fotografia, design e computação gráfica, formando 20
jovens (de 16 a 19 anos) em cada linguagem, atendendo a um total de 80
estudantes da rede pública. Há, ainda, uma formação avançada, de um ano
e meio, no núcleo de produção Kabum Novos Produtores (apoiado pelo
Instituto Oi Futuro, da operadora móvel), cujo foco é formar
profissionais diferenciados, dando ênfase à ética, ao conhecimento e à
postura profissional. Está formando a segunda turma em dezembro. No
primeiro ano, o núcleo trabalhou com três linhas: projetos temáticos,
contratados por empresas e incubadora de projetos jovens. Jean destaca
que a escola busca o desenvolvimento pessoal para formar um cidadão —
tem educadores para história da arte, para oficina da palavra e para
inclusão digital.
“A idéia do audiovisual nas escolas é maravilhosa”, acrescenta Aléxia
Melo, coordenadora da área de TV da Associação Imagem Comunitária
(AIC), ONG com atuação em Minas Gerais desde 1993, e que, a partir de
2003, passou a trabalhar com vídeos comunitários. O projeto Rede Jovem
Cidadania está presente nas nove regionais de Belo Horizonte, com
produção de rádio, jornal, web, TV e agência de notícias. Os jovens que
passam pelos cursos vão para escolas como multiplicadores de mídias. O
resultado é um jovem que se articula, mobiliza a sociedade e mostra a
periferia na TV com uma visão própria, relata Aléxia. O projeto tem um
espaço semanal na rede Minas TV para exibir videoclipes e documentários.
A produção independente do audiovisual vê na TV Pública uma grande
oportunidade para a participação efetiva da sociedade civil na TV
aberta. “É uma oportunidade histórica,” aponta Márcio Blanco, do
Observatório de Favelas, instalado na comunidade da Maré, mas atuação
em toda cidade do Rio de Janeiro.
Entre as atividades da organização, há uma escola que forma em foto,
vídeo e jornalismo. A ONG já tem uma parceria com a TV Futura, por meio
da qual parte dos programas é produzida pelos jovens formados na escola
Comunidade Crítica. Apesar dessa parceria, Blanco diz que o mercado não
está preparado para absorver o jovem, embora, na sua avaliação, o
diálogo nessa direção esteja começando, com o surgimento de modelos de
co-produção, de colaboração para atender as demandas do mercado e do
terceiro setor. “São universos díspares, começando a dialogar não só
pelo interesse social, mas também mercadológico”, destacou, durante
debate realizado no 18º Festival de Curtas.
A TV pública entra no ar com multiprogramação, quatro canais e espaço
para a produção independente, apontou Luiz Alberto Carregosa Cesar, da
Associação Brasileira das Produtoras Independentes de Televisão
(ABPITV), que participou do mesmo debate. Ele lembrou que o projeto de
lei da TV pública, em gestação no Executivo para ser enviado ao
Congresso, fala de quatro a seis horas diárias de produção independente
inédita. “Vai depender da gente a definição do conteúdo e exibição
nesses canais”, acrescentou Carregosa. Para ele, a TV pode até, daqui a
dez anos, servir de modelo para as TVs comerciais. Ele entende, ainda,
que a nova TV pública vai injetar recursos na produção de conteúdo.
Para Leonardo Menezes, do Canal Futura, o projeto da TV pública veio em
boa hora. “Seguramente, vai fomentar o desenvolvimento desse mercado”,
afirmou. Segundo ele, mais de 50% da produção da Futura, atualmente, já
é independente, percentual que tende a crescer com a TV aberta. Menezes
acredita que, em uma década, mesmo o telejornalismo terá ampla
participação da produção independente e dos telespectadores, que vão
captar imagens de seus celulares e transmitir para a TV. “E não só no
telejornalismo, mas também em outros gêneros”, destacou.
www.aic.org.br – Associação Imagem Comunitária
www.cipo.org.br – Cipó Comunicação Interativa
www.observatoriodefavelas.org.br/visoesperifericas – Festival Visões Periféricas
www.pec.utopia.com.br/tiki-read_article.php?articleId=486 – Para ler a Carta da Maré e conhecer seus signatários.
www.cultura.gov.br – Secretaria do Audiovisual
www.observatoriodefavelas.org.br – Observatório de Favelas
www.futura.org.br/main.asp – TV Futura
olhar@kinoforum.org – Para mais informações sobre o II Fepa