Anatel e Minicom deixam passar a
renovação automática de concessões do Serviço Especial de TV por
Assinatura, outorgadas há 15 anos, sem licitação, e que ocupam espectro
que vale ouro.
Miriam Aquino
O Serviço Especial de TV por Assinatura, que pouca gente conhece,
deveria merecer mais atenção da sociedade. Na virada dos anos 80/90, 25
concessionárias ganharam gratuitamente essas licenças. Passados 15
anos, foram premiadas com a renovação automática e também gratuita
dessas licenças, por omissão da Anatel e do Ministério das
Comunicações. O mais grave é que, se no passado essas outorgas de
radiodifusão e de telecomunicações eram feitas sem licitação pública,
hoje, essas 25 empresas passam a contar com um patrimônio valioso: o
escasso e cobiçado espectro de freqüência de UHF (os seus canais estão
espalhados pelas faixas de 470 MHz até 806 MHz).
Esse serviço já começou errado. Em 1988, decreto do então presidente
José Sarney cria essa modalidade de TV, para distribuir sons e imagens
para assinantes com sinais codificados. Essa tentativa de criar uma TV
paga com apenas um canal (cada canal ocupa 6 MHz, igual ao das TVs
abertas) acabou não dando certo, e, já prevendo essa limitação, o
próprio decreto de Sarney permitia a essa TV também transmitir parte da
programação abertamente. As 25 licenças foram outorgadas para
diferentes amigos do governo e, com o passar do tempo, foram mudando de
mãos, embora algumas famílias de políticos as mantenham até os dias
atuais. Entre elas os Magalhães, que possuem a outorga em Salvador
(BA), e os Sarney, em São Luiz (MA). Entre os atuais concessionários
estão os grupos RBS, Abril, Globo, O Dia, o empresário Antonio Dias
Leite (antigo dono das operações de cabo Multicanal, vendidas depois
para a Net), a Rádio Itatiaia (MG), e a Rede Brasileira de Comunicação
(de Brasília).
No governo Collor, o ex-presidente chegou a publicar dois decretos
sobre esses serviços. O primeiro revogava as concessões, e o segundo
reabilitava os efeitos jurídicos das concessões pelo prazo remanescente
das outorgas. Entre esses “efeitos jurídicos” reabilitados estava o
direito de as concessionárias pedirem a renovação das licenças, por
mais 15 anos. O que fizeram. Faltando dois anos para acabar o prazo da
concessão, as 25 empresas ingressaram com o pedido de renovação na
Anatel, que não se manifestou, e só está resgatando o tema agora, três
anos depois. Aparentemente, tarde demais para mudar o status quo dessas licenças.
Essa omissão também contou com a colaboração do Minicom. Com uma
exagerada cautela, a Anatel decidiu, em 2004, consultar o ministério
sobre a quem caberia cuidar dessas concessões. É praxe no setor
aproveitar a renovação de licenças para estabelecer novos
condicionamentos (pagamento pela freqüência e regras claras para
prestação do serviço, por exemplo), corrigindo, assim, distorções do
passado. Quando a resposta do Minicom chegou, confirmando que a
competência era mesmo da Anatel, já havia esgotado o prazo legal para o
estabelecimento de novos condicionamentos. Em síntese, as concessões
foram renovadas por decurso de prazo, sem qualquer contrapartida
adicional.
A Anatel estuda como fazer para que esse serviço seja enquadrado como
TV por assinatura, já que não se tem notícia de que qualquer desses
canais tenha um único assinante pago. Até porque, por pressão desses
concessionários, ao longo do tempo o poder concedente foi
flexibilizando o período em que essas TVs podiam transmitir os sinais
abertamente. Começou com 25%, passou para 35%, até que, em 2003, a
Anatel aprova a ampliação para 45% o tempo de irradiação aberta diária.
Nesse último ato, assinado pelo então presidente da agência, Luiz
Guilherme Schymura, fica estabelecida a data final de 30 de agosto de
2004 para essa transmissão. Em outubro de 2004, porém, um novo ato da
agência, desta vez assinado por Pedro Jaime Ziller de Araújo, mantém
esses canais com 45% de irradiação aberta até “a definição de uma nova
política para a regência desta modalidade de serviço”, o que acabou não
ocorrendo.
Peso de ouro
Agora, esses 25 concessionários têm em mãos não apenas um canal de TV
aberto/fechado, mas um espectro de freqüência que passa a ser
comercializado a peso de ouro em todo o mundo. Embora esses canais
estejam espalhados pelo espectro UHF da radiodifusão (alguns em faixas
baixas, de pouco valor comercial, como as de 470 MHz), muitas dessas
TVs ocupam bandas que ficarão ao lado dos futuros canais da TV digital
aberta, ou estão em faixas altamente valorizadas. A FCC (Federal
Communication Comission), nos EUA, vendeu recentemente algumas dessas
freqüências e já anunciou leilão para o próximo ano, com preço mínimo
de US$ 4,5 bilhões. Esse espectro passou a ser visto pelo mundo como
uma belíssima oportunidade para a transmissão de vídeo móvel.
Fato consumado, a Anatel precisa, agora, encontrar saídas técnicas que
pelo menos façam com que essas concessionárias “especiais” invistam na
oferta de serviços para a população. Uma das alternativas poderá ser
tratá-las, de fato, como os demais operadores de TV paga, que têm as
licenças para prestar o serviço pelo cabo, por rádio (MMDS) ou pelo
satélite (DTH). Ou seja, passar a exigir cumprimento de metas de
qualidade, ou de uso eficiente do espectro, entre outros. E acionar o
seu poder fiscalizador. A conferir.
As concessões para o Serviço Especial de TV por Assinatura (TVA)
perdidas por “decurso de prazo” pela Anatel e pelo Minicom, poderiam
ser suspensas, caso o substitutivo que trata dos três projetos sobre
distribuição de conteúdos digitais que tramitam no Congresso Federal
unifique todas as normas e diferentes regras que envolvem, hoje, o
serviço de televisão paga. A avaliação é de Gustavo Gindre, do coletivo
Intervozes. “A questão central aí envolvida é a necessidade de um novo
marco regulatório para as comunicações que acabe com esse festival de
gambiarras. Se não for possível, teríamos que tentar pelo menos uma
unificação da regulamentação dos serviços de acesso condicionado na TV,
hoje dispersos no cabo (na forma de lei), no MMDS, no DTH e no Serviço
Especial por Assinatura. Espero que o relatório do [deputado Jorge]
Bittar sobre os três projetos que estão na Câmara pelo menos tenha a
ambição de unificar a regulação da TV paga. Pelo menos isso”, defende.
O deputado Jorge Bittar (PT/RJ), relator do substitutivo, contudo,
ainda não tem posição definida sobre o futuro deste serviço especial
que, talvez, exija uma menção específica no documento final de projeto
de lei. “Vou solicitar à consultoria da Câmara um estudo sobre o
serviço, as normas e as portarias que o criaram. Temos que abordar o
tema, considerando inclusive o novo papel da Anatel na fiscalização das
TVs pagas”, diz.
Nessa regulação única para a TV paga, está claro, para Gindre, que
simplesmente não deveria existir esse serviço especial. “O serviço não
está amparado em nenhuma legislação, as outorgas são superprecárias, a
maior parte não funciona direito e elas ocupam um espaço que acabou se
tornando escasso (graças ao modelo de transição que o governo impôs
para a digitalização da TV aberta)”. Por isso, diz ele, as licenças
poderiam ser revogadas pelo substitutivo, de modo que esses canais
retornassem para o PBTVD (Plano Básico da TV Digital).
Do ponto de vista jurídico, Gindre acredita que não seria difícil
revogar as outorgas e extinguir o serviço especial de TV por
assinatura. O problema é político: “encontrar gente no Congresso
Nacional com coragem para fazer isso”. De qualquer forma, destaca ele,
“seja pela existência desses três projetos no Congresso e a
possibilidade de termos uma unificação da regulação da TV paga; seja
pela digitalização da TV aberta, o momento para se fazer algo é agora”.