Capa – Gente eficiente

Cena 1 – De microfone em punho, na ilha central da Avenida Paulista, em São Paulo, o cadeirante Adelino Ozore grava uma reportagem sobre a exposição fotográfica do artista Vik Muniz, no Museu de Artes de São Paulo (Masp). A seu lado, ocupando um espaço equivalente no vídeo — e não dentro de um quadradinho mínimo no canto da tela —, o intérprete Paulo Vieira, surdo, transmite o texto em linguagem de libras. Bastidores: para esse cena ser possível, um intérprete de Libras ouvinte ficou ao lado da câmera e o repórter surdo copiou os gestos e expressões faciais dele.

Cena 2
– A matéria é sobre semáforo numérico regressivo, que as administrações públicas deveriam adotar para auxiliar pessoas com deficiência a atravessar a rua. Diante das câmeras, Paulo Vieira, surdo, faz a reportagem em linguagem de libras. A seu lado, ocupando um espaço equivalente no vídeo — e não dentro de um quadradinho mínimo no canto da tela —, Fabiano Campos, não surdo e intérprete de libras, transmite, em viva voz, para os espectadores que têm o privilégio de poder ouvir.



Essas cenas podem ser vistas no Telelibras, jornal semanal veiculado na internet desde 2007, quando foi criado com a proposta de ampliar o acesso à informação de pessoas com deficiências auditivas. Projeto da fonoaudióloga e escritora Claudia Cotes, de 41 anos, presidente da organização não-governamental Vez da Voz, o jornal registra, hoje, cerca de 20 mil acessos mensais. Esses espectadores assistem notícias sobre atualidades, cultura, educação e temas de interesse de pessoas com necessidades especiais.

Já foram produzidos, e estão disponíveis no site da ONG, mais de 150 programas de 5 a 7 minutos. “As equipes jornalísticas das gravações externas geralmente são pessoas com algum tipo de deficiência. Acreditamos que essa é a verdadeira inclusão. Os deficientes como transmissores e não apenas receptores de um conteúdo voltado para eles”, diz Cláudia, que é especialista em TV, consultora da emissora local da Rede Globo de Campinas, a EpTV.

Toda a produção do Telelibras é feita por voluntários — são mais de 30 voluntários trabalhando na ONG, mais de um terço portadores de algum tipo de deficiência. Para as gravações internas, a sala da fonoaudióloga se transforma em estúdio. A infraestrutura tecnológica e os equipamentos foram comprados com dinheiro que Cláudia ganhou por direitos autorais de seus livros infantis.

Formada em Letras, sua vida — e a de muita gente — mudou no dia 3 de dezembro de 2004, quando perdeu um irmão portador de síndrome de Down. Era Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Claudia se uniu à irmã Paloma para elaborar um kit de CDs e livros com histórias de crianças com deficiência, contadas em braile e datilologia, o alfabeto usado pelos surdos. O kit, lançado em um shopping, foi um sucesso. Daí para a criação da Vez da Voz, mais um passo.

Outro projeto inovador da Vez da Voz é o Música no Silêncio, também de 2007, também feito por voluntários e disponível no site. Deficientes visuais cantam ao lado de intérpretes de Libras, que mostram aos surdos os conteúdos das canções. Os dançarinos são jovens com Down ou não portadores de deficiência. Todas as músicas gravadas têm autorização dos compositores e gravadoras para reprodução ou são de domínio público. O site da ONG oferece, ainda, materiais educativos para download gratuito. São textos, vídeos, arquivos com atividades para crianças com todos os tipos de deficiência. (AL)