Incorporado pelos espaços formais de cultura, o que acontece com o movimento do graffiti?
Thiago Vaz*
Nascido da pichação dos muros, o graffiti foi incorporado pela moda,
pela publicidade, pelo cinema e pela televisão, servindo também de
suporte a projetos sociais. Chegou, finalmente, às salas sofisticadas
das galerias de arte. O graffiti abriu um mercado de trabalho para
jovens muitas vezes autodidatas e de periferias, permitiu à cidade
fruir gratuitamente de uma produção artística qualificada, e, agora,
pode democratizar um pouco os espaços das galerias, onde, segundo dados
do Ministério da Cultura, mais de 90% dos brasileiros nunca puseram os
pés.
“Faz tempo que a arte não conta com um novo movimento realmente
significativo. A própria identidade da cidade está marcada com o
graffiti”, analisa Sirlene Zamboni Cérvera, da produtora de vídeo
D’Árquia, que se dedica à bio-arquitetura, urbanismo e projetos
culturais. Para o grafiteiro Celso Gitahy, contudo, a entrada do
graffiti nos espaços da arte formal, ou no “circuito sério”, como ele
chama, não é novidade. “Faz muitos anos que o graffiti está em museus e
galerias, e acho isso bem saudável, pois se trata de um
reconhecimento”, diz ele, que é autor do livro “O que É Graffiti” (Ed.
Brasiliense). “E não é qualquer um que entra no circuito sério, precisa
ter talento e produção.”
Apesar do entendimento de Gitahy, a primeira galeria a expor graffiti
em São Paulo, a Choque Cultural, existe há apenas quatro anos. A partir
dela, outras aderiram ao movimento, apostando, inclusive, no valor das
obras a serem vendidas. Podemos citar a exposição dos irmãos Pandolfo,
“Os Gêmeos” Gustavo e Otávio, na tradicional galeria Fortes Vilaça, em
setembro de 2006. “O princípio da Choque Cultural sempre foi tornar-se
uma galeria com espaço aberto para artistas de várias categorias, e que
não seja só de graffiti, e sim de arte contemporânea, com uma cara mais
jovem e atual. Hoje, a Choque tem o estereótipo de ser a ‘galeria do
grafite’. Mas não é bem assim. Vários artistas de outras vertentes
também expõem seus trabalhos aqui”, esclarece Amanda Justiniano,
representante da Choque.
A Galeria de Arte Contemporânea Mônica Filgueiras, em dezembro de 2007,
apresentou a exposição STENCIL-O-RAMA, e abriu as portas para vários
artistas do segmento (o próprio Celso Gitahy, Cláudio Donato e Ozi, ou
Ozéas Duarte). “Na exposição, o público triplicou, com a fachada
grafitada pelos participantes. A barreira entre pessoas comuns e
‘galeria de arte’ se rompeu, e isso se deve ao fato de a exposição ter
sido exclusivamente de grafiteiros”, acredita Mônica Filgueiras, dona
da galeria.
Mas há quem pergunte se o graffiti se descaracteriza, ao deixar o
suporte das ruas. “Quando o graffiti vai para a galeria, deixa de ser
graffiti, passa a ter outro nome, depende da avaliação, das técnicas
utilizadas, pode se chamar pintura, ilustração, intervenção, etc… mas
não graffiti, mesmo que seja produzido com spray”, diz Amanda, da
Choque. Mônica, contudo, tem opinião diferente. “A imagem do graffiti
já foi absorvida pela sociedade. Quando vai para a galeria, ainda é
graffiti, porque mantém a mesma estética e formato, o que muda é só o
suporte”.
Para o crítico de arte Paulo Klein, da Associação Brasileira de
Críticos de Arte, trata-se de “arte de rua”, esteja ela na rua mesmo ou
em salões de elite. “O território das artes plásticas não tem lá muita
convicção do que é, e do que não é arte. Isso é mais território da
crítica e da historiografia. Já fica mais claro que, assim como outras
categorias e gêneros de arte, como a popular, a arte de rua pode
simplesmente ser exibida nas ruas, como pode chegar às galerias, com
suas características e sobre suportes convencionais”.
A discussão não é vã. Ela pode influenciar, por exemplo, a valoração
dos trabalhos e, por isso, direta ou indiretamente, direções estéticas.
Hoje, como estão sendo valorizados esses grafiteiros, que ainda começam
a ganhar experiência de mercado? Muitas vezes, é a galeria que sugere o
valor das obras, com base em critérios como conceito, técnicas,
formato, entre outras características comerciais que estão na base do
trabalho de uma galeria de arte, capaz de gerar o ciclo de mercado.
No site da Choque Cultural, obras de Zezão podem custar R$ 1 mil (s/
título – ZEZ 002, 40 x 45 cm), ou R$ 2 mil (s/ título – ZEZ 035, 110 x
92 cm). Já Titi Freak tem trabalhos à venda, no mesmo site, por R$ 20
mil. Muitos grafiteiros participam com freqüência de mostras no
exterior. Trabalhos de Zezão, Titi, Melim e Carlinhos, por exemplo,
foram apresentados na França, entre 31 de março e 8 de abril.
Os Gêmeos, contudo, alcançaram outros patamares de preço e notoriedade.
Já foram chamados para grafitar a fachada da galeria Tate Modern, em
Londres. E, em 2006, em exposição da Fortes Vilaça, era possível
encontar telas suas por US$ 19 mil (ou R$ 41 mil, na época), valor
equivalente a obras de “inciantes em Nova York”, de acordo com
declaração da dona da galeria, Márcia Fortes, em entrevista à “Folha
Online”. A diferença fundamental, aparentemente, é que o que estiver
“livre” (nas ruas) não tem preço, porque não é justo ser
comercializado, é de todo mundo; e o que está “fechado” se torna
particular.
Ao observar a maioria dos grafiteiros, fica fácil perceber que
são garotos e garotas vindo das periferias, sem muito acesso a cultura
e arte. De onde vem tanta habilidade? “O mérito do grafitti é ser arte
que chega às pessoas, e não está fechado em um lugar onde ninguém vai.
Além de não ter sido selecionado por um curador, porque é uma forma de
atitude”, compara Sirlene. Para Mônica Filgueiras, o grafitti é a
pulsação da cidade. “Esse tipo de arte tem maior ligação com as
pessoas.O grafiteiro devolve aquilo que recebe”, diz ela, que lamenta a
decisão da prefeitura de vetar o uso de muros e espaços do poder
público para ações de graffiti (veja o quadro).
Mais uma vez, o Núcleo de Grafite propõe a transposição, para tela e
outros suportes, dos desenhos feitos nos muros da cidade. Com curadoria
coletiva, a exposição reúne 26 obras de diferentes vertentes da arte de
rua, e inaugurou a “Sala Grafite” do Espaço de Cultura da Ação
Educativa, organização não-governamental de São Paulo. A quinta edição
do Dia do Grafite, organizada pela Ação Educativa, no dia 27 de março,
homenageou o veterano grafiteiro John Haward, que completa 70 anos
mantendo-se na ativa nas ruas e no seu atelier. A ocasião também foi de
protesto. Não bastassem as restrições que a Prefeitura de São Paulo
está impondo ao grafitti por conta da Lei Cidade Limpa (que proíbe
outdoors e publicidade externa), a administração municipal retirou o
Dia do Grafite do calendário de datas e eventos comemorativos da
cidade, conforme Lei 14485/2007. Torna letra morta a Lei 13903/2004,
que institui o 27 de março como Dia do Grafite. Dessa forma, a
prefeitura fica desobrigada a apoiar iniciativas e abre a brecha para
criminalizar o grafitti.
www.fortesvilaca.com.br
Galeria Mônica Filgueiras — 11 3082-5292
www.pauloklein.art.br
www.stencilbrasil.com.br/celsogitahy
* Grafiteiro, ilustrador e fotógrafo