Guerra de padrões: por que precisamos derrotar o Open XML.

Se a ABNT recomendar esse formato de documento como padrão internacional, haverá grandes prejuízos para os usuários.



Se a ABNT recomendar esse formato de documento como padrão internacional, haverá grandes prejuízos para os usuários.

Sérgio Amadeu da Silveira


A sociedade da informação é baseada na internet, nas redes, nos
computadores e celulares. A comunicação entre esses elementos depende
de padrões e protocolos. Protocolos são definições sobre como uma
tecnologia deve funcionar. Por exemplo, o protocolo HTTP (em português,
protocolo de transferência de hipertextos), que digitamos antes do www,
é o que permitiu que as várias redes ligadas à internet pudessem
utilizar o modo gráfico, ou seja, transferir imagens, textos e sons. O
padrão HTTP, independente do software de navegação que usamos, garante a todos a visualização dos sites da web.

Se o designer de um site seguir o padrão definido e
mantido pelo Consórcio W3C, qualquer navegador, Firefox, Opera, Safari
e até o Internet Explorer, abrirá corretamente as páginas da web. Para
utilizarmos o HTTP, não temos que pagar nada a ninguém. Ele é aberto e
mantido por um consórcio também aberto. Suas definições são claras e
transparentes. Por isso, todas as redes do mundo puderam aplicar a
padronização da web de modo fácil, o que viabilizou a grande expansão
da internet.

Recentemente, vários governos, inclusive o governo brasileiro,
decidiram apoiar um padrão chamado ODF (em português, formato de
documento aberto) para garantir que todos os seus documentos (textos,
desenhos, planilhas) possam abrir em qualquer produto, independente da
sua marca ou da empresa que o fabricou. O formato ODF é um padrão
aprovado pela ISO, que é a organização mundial responsável por uma
série deles. Tal como ocorreu com o HTTP, o ODF é um padrão aberto,
claro e desenvolvido de modo transparente. Existe a ODF Alliance, que é
responsável por seu desenvolvimento e manutenção.

Qual a vantagem de um padrão de formato de documentos? É muito grande para as pessoas, pois, independente do software
que utilizem, os documentos terão um mesmo formato. Ou seja, não será
mais importante se você está usando um produto chamado Office ou um
outro denominado Open Office ou ainda um AbiWord, entre tantos outros
editores de texto. O padrão garantirá a interoperabilidade entre
diferentes produtos. Quem ganha com isso é o consumidor, pois ele
poderá escolher qualquer produto que siga o padrão e terá certeza de
que seu texto será escrito corretamente pelo software aplicativo.

Exatamente por isso, a Microsoft reagiu a essa possibilidade. Imagine
uma empresa que pagou a ela por licenças de cem pacotes Office de
edição de textos, no valor de R$ 150 mil. Quando esta empresa souber
que o padrão de textos mundialmente aceito por vários governos
permitirá que ela use um Open Office sem nenhum problema de
compatibilidade e, ainda, sem nenhum custo de licenças, provavelmente,
esta empresa irá considerar a possibilidade de economizar toda aquela
grana. Ela somente continuará com o pacote Office, se ele for,
efetivamente, de melhor qualidade.

O padrão garante a concorrência e a conseqüente queda de preços e
aumento de qualidade dos produtos. O benefício é dos consumidores. O
problema é que a Microsoft não quer concorrência. Quer simplesmente
continuar como monopólio. Ela sabe que seus produtos geram formatos
pouco interoperáveis e isto tem sido um fator de aprisionamento de seus
usuários.

Para evitar que ela tivesse que usar um formato aberto em seus
documentos, a Microsoft solicitou à ISO que aprove, em caráter de
urgência (fast track),
como padrão internacional um documento chamado Open XML, também
conhecido com OOXML. Caso a ISO aprove esse documento, teremos dois
padrões reconhecidos para tratar os formatos de textos, desenhos,
planilhas, etc. O problema é que o OOXML tem 6 mil páginas e, dentro
delas, inúmeros problemas graves, que a Microsoft se recusa a
responder. Na verdade, o OOXML não é um documento que contém um padrão,
é apenas um amontoado de definições que interessam apenas à Microsoft.
O que o monopólio quer é apenas evitar a interoperabilidade e a
compatibilidade entre os programas aplicativos. Quer evitar a
concorrência dentro de um mesmo padrão.

O relator do subgrupo da ABNT que definirá o voto do Brasil na ISO é
funcionário da Microsoft. Isto não seria preocupante, se a empresa
respondesse às objeções e às dúvidas que os especialistas levantaram,
lendo algumas páginas das 6 mil folhas que constituem o padrão OOXML.
Eles querem aprovar, até 2 de setembro, um documento que é impossível
de ser analisado em tão pouco tempo. Além disso, como podemos aprovar
um padrão que é composto de elementos patenteados e de propriedade da
Microsoft? Quem garante que, ao implementarmos em outro produto o
formato proprietário da Microsoft, ela não irá processar o
desenvolvedor concorrente?

Fazendo um levantamento bem inicial, os especialistas encontraram
centenas de problemas técnicos que desqualificam o OOXML como um
padrão. Veja apenas três exemplos:



Apesar da linguagem de marcação de vetores, VML, ter sido reprovada
pelo Consórcio W3C, em 1998, a Microsoft a incluiu no padrão OOXML.
Repare que a Microsoft não respeita nem o Consórcio W3C, que é
responsável pelo padrão web e pela linguagem XML. Mas o pior é que a
Microsoft escreveu em seu próprio documento que “o formato VML é um
formato obsoleto introduzido originalmente com Office 2000. Foi
incluído e definido exclusivamente por razão de compatibilidade com
produtos anteriores.” Portanto, é pouco provável que os conversores de
formato de documentos possam trabalhar perfeitamente os gráficos
vetoriais.


2 
Enquanto o formato ODF possui o total de 300 páginas, foram adicionadas
600 páginas de requisitos para VML na especificação do OOXML que não
acrescentam nenhum valor a ninguém, exceto à Microsoft.


3  O
padrão OOXML altera o calendário gregoriano quando usamos as planilhas.
No documento OOXML está escrito que quem utilizar um “sistema de base
de dados com data de 1900 deverá considerar o 1900 como ano bissexto…
Como conseqüência disto, para as datas entre 1 de janeiro e 28 de
fevereiro, o DIA DE SEMANA mostrará um número imediatamente anterior ao
dia correto”. Ou seja, o padrão OOXML quer manter um erro que existe
somente em produtos da Microsoft. Lamentável.


Escreva para a ABNT e peça para eles explicarem os motivos pelos quais
querem aprovar o apoio a um documento de 6 mil páginas em menos de três
meses de análise. O Brasil não pode aceitar tamanho absurdo, que
somente visa manter o monopólio salvo da concorrência dentro de um
padrão de grande qualidade técnica.

Quem quiser participar das discussões, deve enviar e-mail, pedindo para se inscrever no comitê CB-21/SC-34, para milena.pires@abnt.org.br, na Gerência do Processo de Normalização.