Histórias de professores

O cotidiano das salas de aula vira narrativas para se ouvir em podcast, rádio ou celular

O cotidiano das salas de aula vira narrativas para se ouvir em podcast, rádio ou celular
Carlos Minuano


A professora Benedita Pereira conta: “Eu queria que a minha mãe dissesse de onde a gente nascia, como a gente aparecia. Ela falou que eu vim pela enxurrada. Então, a cada chuva que caía, eu ia ver minha vida começando na água correndo”. Há quase vinte anos, existe um espaço onde histórias como essa podem ser contadas e preservadas: o Museu da Pessoa. Lá, qualquer indivíduo pode contar sua história, pessoalmente ou pela internet, sem pagar nada. Porque, segundo a proposta do museu, todas as memórias de vida têm valor, merecem ser contadas e valorizadas pela sociedade, sejam histórias de anônimos ou de celebridades. O museu, que já desenvolveu mais de 100 projetos em diferentes áreas, sempre com base em histórias de vida, se prepara agora para lançar-se em uma nova empreitada, que agrega novas tecnologias.

A idéia é investir em educação, segundo José Santos, um dos diretores do Museu da Pessoa. “Uma forma de fazer isso é valorizar o professor”, diz. Assim nasceu o projeto Mestres do Brasil, em parceria com o Instituto Oi Futuro, para a construção de um acervo composto exclusivamente por histórias de professores. Inicialmente apenas no Rio, o projeto terá a participação de aproximadamente 30 educadores. O conteúdo será distribuído em várias versões: por celular, em podcast na webrádio e na rádio Oi. As entrevistas já estão sendo feitas, mas ainda falta acertar detalhes como tempo exato de duração e formas de acesso.

As histórias são autobiográficas. Contam o que levou a pessoa a escolher o ofício de ensinar, dificuldades, alegrias e esperanças. “Serão colhidas 60 horas de narrativas, depois editadas em formatos que não devem ultrapassar um minuto”, informa Santos. Em dezembro deve começar a distribuição do conteúdo. Uma equipe do Oi Futuro vai determinar os indicadores e avaliar os impactos da ação. Santos acredita que um efeito positivo é colocar em destaque a importância do professor, incentivando uma reflexão por parte da sociedade. “Queremos dar a oportunidade de que o dia-a-dia desses profissionais se torne conhecido, um cotidiano repleto de histórias e aprendizados que surgem em salas de aulas espalhadas por todo o país”, acrescenta Samara Werner, diretora de Educação do Museu da Pessoa.

Rede de memórias


Exposição exibe malas
com objetos de cada
região do país
Fundado em 1991, em São Paulo, o Museu da Pessoa já desenvolveu centenas de projetos em diferentes áreas. O museu guarda hoje, em sua sede na Vila Madalena, zona Oeste da capital paulista, cerca de dez mil histórias. São milhares de narrativas que refletem a vida e a cultura de diferentes épocas e regiões, do Brasil e de outros países que participam do projeto como Canadá, Estados Unidos e Portugal. Os núcleos são independentes, mas todos estão conectados à mesma idéia de que a integração entre indivíduos e diferentes grupos sociais na produção e conhecimento de suas experiências impulsiona mudanças concretas de relações sociais, políticas e econômicas – o que contribui para o desenvolvimento social.

Os projetos do museu focam temas específicos como imigrantes, empresas, bairros. O museu também promove oficinas em escolas para difundir a metodologia de contar uma história pessoal. Mais antigo que a internet, há muito tempo o acervo tem a tecnologia como um importante aliado. “Apesar de não haver internet, no começo já nos definíamos como um museu virtual”, lembra Santos. Ou seja, o museu começou com um banco de histórias organizadas em uma base digital. Para potencializar a difusão do acervo na internet, o museu criou o Brasil Memória em Rede, que reúne 500 organizações. “Nessa rede não trabalhamos necessariamente com histórias de vidas, mas com memórias culturais. Há quem trabalhe com fotografia, vídeo, entre outras linguagens”, observa Ana Nassar, diretora do Museu da Pessoa. “Conteúdos em um espaço comum na internet torna o projeto mais fácil sob aspecto financeiro e econômico”, diz José Marcelo Zacchi, do portal colaborativo Overmundo, de cultura brasileira, integrante da rede.

Durante a segunda edição do Fórum Brasil Memória em Rede, realizado em agosto no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, foi lançada uma exposição itinerante que busca mostrar, por meio de objetos e relatos, as trocas de experiências. Com o formato de um espaço cenográfico, a mostra é composta por seis malas, que representam as cinco regiões do país. O estado de São Paulo ganhou uma mala exclusiva. A exposição passará ainda por Rio de Janeiro, Santa Catarina, Bahia, Belém do Pará e Brasília.

Desenvolvimento local

Os inúmeros projetos e experiências do Museu já resultaram também em livros e publicações. O título mais recente é o Memória Social, produzido em parceria com o Senac. “Esse livro traz a nossa metodologia sistematizada, aplicada para desenvolvimento local”, detalha Ana Nassar. As ferramentas descritas foram colocadas em prática na formação de 20 multiplicadores das redes sociais fomentadas pelo Senac. Nessa iniciativa, foram atendidos dez municípios paulistas e serão atendidos mais 35 locais onde a instituição atua. O objetivo é alcançar 57 unidades até 2009. “Junto ao Museu da Pessoa, conseguimos criar um acervo de histórias sobre diferentes localidades, a partir de abordagens pessoais”, avalia Jorge Duarte, gestor de Desenvolvimento Social do Senac São Paulo. Para ele, por meio das narrativas as comunidades tecem uma visão coletiva de futuro.

Se você quiser contar sua história, basta agendar uma visita, pelo site do Museu da Pessoa, pelo e-mail pontodecultura@museudapessoa.net, ou pelo telefone (11) 2124-7150. Não há nenhum custo e você ainda leva um DVD com a sua narrativa. Se preferir, pode apenas escutar ou ler as milhares de histórias do acervo do museu. Afinal, como disse Paul Thompson, do conselho consultivo do Museu da Pessoa, “ouvir histórias de vida é um dos mais poderosos meios de se aproximar do outro”.