Portela coloca a democratização do acesso às novas tecnologias na avenida. Emanuel Alencar
ARede nº55 fevereiro de 2010 – Para uma das mais tradicionais escolas do Rio de Janeiro, a Portela, a inclusão digital dá samba no pé. A agremiação do subúrbio carioca, que completa 87 anos em abril, vai levar para a Marquês de Sapucaí um enredo que fala dos avanços da tecnologia digital, com ênfase na democratização do mundo virtual. Se as alas mais conservadoras estão torcendo o nariz para a ideia – uma reclamação recorrente é a de que o tema, patrocinado, depõe contra o tradicionalismo da escola –, a cúpula portelense garante que fará uma boa conexão com o público. O desafio que se impõe à azul-e-branco de Madureira é grande: transmitir aos milhões de espectadores do Carnaval carioca um assunto complexo, de maneira clara e objetiva, agradando, ao mesmo tempo, seus exigentes torcedores e os patrocinadores. O enredo tem nome pomposo: “Derrubando fronteiras, conquistando a liberdade, o Rio de paz em estado de graça”.
A diretoria da Portela admite que, em tempo de retração econômica, a possibilidade de atrair parceiros foi determinante na escolha do enredo. A ideia, conta o presidente Nilo Figueiredo, surgiu em março de 2009, quando as cerca de 1.600 casas com computador do Morro Dona Marta, em Botafogo, ganhavam cobertura de banda larga gratuita. Surgia, então, o primeiro parceiro interessado, o governo do estado. Depois vieram a Petrobras, a prefeitura fluminense e a Positivo Informática, maior fabricante de computadores do Brasil. A escola levantou R$ 3 milhões com esses apoios. A estimativa é de gastar mais R$ 2 milhões. Portanto, na ponta do lápis, a conta não fecha. Cada carro alegórico não sai por menos de R$ 400 mil – são oito. Fora fantasias para alas das comunidades e outros gastos adicionais. Apesar das dificuldades, o apoio do prefeito Eduardo Paes – há quem veja uma referência velada ao alcaide no “Rio de paz” citado no enredo – pode render bons dividendos. Paes é portelense e tem uma vaga garantida na bateria da escola.
Nilo diz que a expectativa era atrair mais empresas. “Pensamos que as empresas voltadas para o setor aderissem, o que não aconteceu da maneira como imaginávamos. Mas a expectativa é a melhor possível. A Portela nunca passou com um enredo assim na avenida. Eu tenho o direito de sonhar com o título”, diz Nilo, que é advogado, administrador de empresas, oficial da Marinha. “O sonho dos carnavalescos não tem limites. Eles querem, por exemplo, fazer um enorme telão em um dos carros, com lâmpadas LED, para contar tudo o que aconteceu no Dona Marta”, completa.
Apontar os múltiplos benefícios da inclusão digital na vida das pessoas é o principal objetivo do enredo, que teve a preocupação de evitar obviedades, segundo o desenhista industrial Amauri Santos, carnavalesco debutante na escola. “Não é um enredo fácil de se desenvolver, e procuramos não reproduzir aparelhos como computadores, simplesmente. Vamos começar o desfile mostrando o Rio de Janeiro em uma estética moderna, uma visão futurista, com acesso de toda a população à banda larga. Depois mostraremos os excluídos digitais, uma estética triste, do “não vejo, não falo e não ouço”. Por fim, uma alegoria trará a criança descobrindo a luz, em uma analogia ao advento da internet.
Cinco enormes robôs, com 3,5 metros de altura cada, terão os movimentos programados. Para ressaltar os benefícios da tecnologia na área de saúde, um robô vai simular exame em uma gestante, com imagens transmitidas em um telão. Interação com o público também está prevista: a diretoria estuda uma forma de o telespectador que estiver na Sapucaí enviar, via bluetooth dos celulares, mensagens de texto para um carro alegórico. A escola também enviará mensagens para a arquibancada, como a letra do samba, por exemplo.
O diretor de marketing da Positivo, César Aymoré, conta que este é o primeiro ano em que a empresa inclui o Carnaval nas ações de marketing: “O Carnaval é apolítico, atemporal e não pertence a nenhuma classe. Não somos uma marca elitista, nem somente uma marca da inclusão digital. Ofertamos computadores de R$ 799,00 até R$ 4.000,00. O Carnaval é a festa popular brasileira que abrange todas as classes sociais, transmite muita energia e espírito de alegria. É essa imagem que nós queremos associar à Positivo Informática”.
Mas o que a Velha Guarda da escola está achando dessas inovações todas? Hildemar Diniz, o Monarco, 76 anos, é cauteloso. Não critica a modernidade – lembra, inclusive, que a escola foi pioneira em muitos aspectos. Mas olha os desfiles patrocinados com desconfiança: “O pessoal mais antigo costumava dizer que a Portela nunca copiou ninguém. Eu não alcanço muito essas coisas, essas novas tecnologias. Mas vejo a família portelense unida, animada. Todas as escolas estão se modernizando, e não somos nós que vamos ficar retardando as coisas. Porém, como diria meu falecido amigo Juarez Barroso, temos de ser vigilantes com os perigosos desvios. Tenho visto umas coisas que não me agradam, carnavais muito mecânicos, umas firulas circenses. Nada deve substituir o samba no pé”.
Fundador da ONG Comitê para Democratização da Informática (CDI) e presidente da Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital (ABCID), Rodrigo Baggio encara a novidade com naturalidade. Para ele, o fato de a Portela ter escolhido o enredo antes de ter fechado com os patrocinadores é um sinal de que o mundo do Carnaval acordou para a importância do tema. “A Unidos do Jacarezinho, do Grupo de Acesso, escolheu o mesmo tema”, lembra Baggio.
O CDI deu suporte à elaboração do enredo da Portela. Forneceu livros, textos, organizou conversas com a com diretoria, com os carnavalescos, com a Velha Guarda. “A inclusão digital carrega esse paradoxo, de colocar frente a frente o novo com o tradicional. Em nossas escolas de áreas pobres, as pessoas usam câmeras digitais, twitter, blogs, e muitas vezes têm direitos básicos cerceados. A Portela está de parabéns por escolher o enredo. O mundo tem 79% de excluídos digitais. Esse é o tamanho do nosso desafio”, afirma.
Sinal aberto no Dona Marta
Ao ativar o sinal livre para a Baixada Fluminense, em outubro de 2009, o governo do Estado do Rio de Janeiro deu a largada ao programa Rio Digital, que pretende levar conexão sem fio gratuita a todos os 2,7 milhões de moradores, até o final de 2010. No Morro Dona Marta, em novembro de 2008 foi implantada uma rede sem-fio de banda larga, gratuita, por meio da Rede Rio, mantida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Para fazer a conexão, é preciso ter um computador e, na maior parte dos casos, comprar um modem de cerca de R$ 60,00. Em locais mais complicados, são necessárias antenas externas, de cerca de R$ 200,00.
Uma reportagem da revista ARede, edição nº 50, de agosto de 2009, constatou que o principal desafio do projeto era a população ter condições de comprar esses equipamentos: “Uma pesquisa feita antes da implantação da rede mostrou que havia 1,5 mil computadores no morro – a maior parte, na época, sem conexão à internet”.
Derrubando fronteiras
O título do samba enredo da Portela para este carnaval é “Derrubando fronteiras, conquistando a liberdade, o Rio de paz em estado de graça”, de autoria de Diogo Nogueira, Rafael dos Santos, Ciraninho, Naldo e Junior Escafura.
Portela segue os passos da evolução… Liberdade!
Num clique deleta barreiras
Derruba fronteiras da realidade
Desperta o bem social
Acessa o amor digital
Faz da criança um cidadão
Positivo pra nação
Na rede nossas vidas vão se transformar
Do ventre mais um ser nascerá
O dia de graça que o “mestre” cantou
Já raiou!
O meu pavilhão é minha paixão!
A luz da ciência é ela…
É samba, é jaqueira que não vai tombar
Sou portela!
Mãos unidas pela inclusão
Povos, raças em comunhão
Vai meu verso ao mundo ensinar
É preciso navegar!
Brilhou no céu mais um sinal
Cruzando o espaço sideral
Portela… portal cultural de um país
Um “link” com a nossa raiz
Rainha da passarela
Revela um rio de paz pra viver
A senha de um amanhecer
Mais feliz
Minha águia guerreira
Vai voar… viajar!
Pousar no sonho de ganhar o carnaval
E conquistar o mundo virtual!
