Internet é válvula de escape para vida cerceada em Gaza

Jovens usam conexões na rede para baixar softwares, aprender e se comunicar com pessoas de fora da faixa, sob bloqueio desde 2006.

09/05/2010
Da Agência IPS

“Aprendi na internet a maior parte do que sei sobre edição de fotografias e design gráfico”, conta Emad, um cineasta palestino de 27 anos. Isso é uma coisa comum em Gaza. “Esse programa de edição de vídeo não está disponível aqui”, explica ele, sorrindo vitorioso enquanto conclui o download da última versão do software. “Mesmo que estivesse, eu não poderia pagar US$ 600,00 por ele, nem mesmo se conseguisse trabalho por dois meses. Mas preciso do software para trabalhar, por isso procurei uma versão gratuita na internet”, acrescenta.

Isolados por um bloqueio imposto por Israel depois que o Hamas (acrônimo árabe para Movimento de Resistência Islâmica) ganhou as eleições de 2006, e que se intensificou em meados de 2007, os palestinos da Faixa de Gaza sofrem os efeitos dessa separação do mundo em todos os aspectos de sua vida. A economia está devastada, tanto pelo prolongado bloqueio quando pelos ataques realizados por Israel entre 27 de dezembro de 2008 e 18 de janeiro de 2009, depois dos quais a taxa de desemprego em Gaza atingiu 60%.

Além de impedir aos habitantes da Faixa de Gaza o acesso a uma enorme lista de coisas básicas para uso cotidiano, como os materiais necessários para reconstruir o que foi destruído nos bombardeios, escolas, hospitais e universidades, o bloqueio implica uma agressão psicológica de impacto brutal sobre os sonhos e esperanças dessas pessoas.

“Em várias ocasiões tentei sair de Gaza, para estudar e participar de oficinas no exterior. Mas ainda que a gente consiga vistos e convites, as fronteiras fechadas de Israel e do Egito me impedem de ir”, conta Majed, de 24 años. A Hatem aconteceu algo parecido: conseguiu bolsas para estudar nos Estados Unidos ou na Europa mas perdeu todas por conta do bloqueio.

Apesar de todos os obstáculos, os palestinos continuam buscando maneiras de se educar e se sentir conectados ao resto do mundo. “A internet é o mais útil nesse momento. Por exemplo, eu gostaria de estudar iluminação na universidade, mas isso não é possível. Esse tipo de programa para cinema e fotografia não existe em Gaza. E como não posso sair, busco informação na internet”, diz Emad.

Na Faixa de Gaza praticamente não há mercado para o que os artistas e músicos têm a oferecer. E o mesmo acontece com cineastas independentes. Graças a internet, “alguém, em algum lugar do mundo, pode ver minhas fotografias, desenhos ou vídeos e me contactar. Mas para mim o que mais importa é poder mandar constantemente uma mensagem sobre a realidade da Palestina, seja sobre as vidas das crianças ou sobre a guerra, ou sobre o bloqueio”, afirma Emad.

Mahdi Zanoon trabalha como voluntário e faz filmagens para uma organização de Beit Hanoun, no Norte de Gaza. Mas quando não está trabalhando também deseja realizar contato com o mundo exterior. “Converso por chat com amigos de outras partes da Palestina e em outros países. É uma pequena via de escape, porque estamos sempre asfixiados”, explica. Quando as pessoas não podem sair da Faixa de Gaza para visitar familiares que moram fora, a internet também tem um papel vital. Chamadas telefônicas são caras, mas “usando o Skype (programa para realizar chamadas pela internet) ou um programa de mensagens instantâneas, posso manter contato com eles”, diz.

Ativistas e organizações de educação também aproveitam ao máximo as possibilidades oferecidas pela tecnologia. Videoconferências via satélite e comunicações por Skype permitem aos estudantes de Gaza se conectar com universidades de fora do território e contribuem para romper o bloqueio em termos de educação.

Para muitos habitantes da Faixa de Gaza, a internet e a televisão são menos uma questão de política e escola do que de matar o tempo. Em um território onde o tempo é a única coisa abundante, a falta de trabalho e de atividades de lazer fazem com que cada vez mais pessoas naveguem pela internet. As telenovelas turcas têm uma grande audiência em Gaza. “Gosto de ver algo diferente. Roupas, costumes, lugares. Quando se corta a eletricidade, fico ansioso porque perco um capítulo”, relata Um Fadi.

Os programas são uma possibilidade de escapar do dia-a-dia na Faixa de Gaza, onde muitos têm a impressão de que amanhã será igual a ontem e a hoje. “Nada muda, todos os dias são iguais. Não há trabalho, não há liberdade, não há nada para fazer”, resume Mohammad.