Jeito jovem de morrer


Paulo Pereira Lima*


Quem de nós, nas nossas adolescências e juventudes, não sentiu aquele
gostinho pela transgressão de regras estabelecidas, muitas vezes, de
forma injusta, aquela vontade ensandecida de descobrir novos mundos,
fazer novas experiências e de todos os tipos, aquela ousadia e sede de
transformação, que muitos chamam de um “jeito jovem de viver”? No
entanto, hoje, infelizmente, constatamos também um “jeito jovem de
morrer”. Não estou falando da morte  por anorexia, overdose de
crack, ectasy ou qualquer outra droga, lícita ou ilícita. A “parada”,
de verdade, é a bala. É a violência, muitas vezes patrocinada pelas
próprias forças que deveriam prezar pela segurança do cidadão comum, e
não apenas dos entrincheirados em condomínios privados.

São muitos os estudos que apontam o gatilho para esse fenômeno que não
pára de crescer, a exemplo da desigualdade social e da concentração de
renda do paraíso da megajogatina bancária chamado Brasil. O mais
recente é o Mapa da Violência 2006 – Os Jovens do Brasil, da
Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI). De acordo com o
relatório, a taxa de 51,7 homicídios para cada 100 mil jovens,
registrada em 2004, coloca o Brasil na terceira posição num ranking de
88 países, depois de Colômbia e Venezuela. Com base em dados oficiais,
o estudo mostra que a taxa de homicídios de jovens brasileiros em dez
anos (1994 – 2004) cresceu a um ritmo maior do que o número de
assassinatos entre a população total. Em 2004, o Brasil contava com uma
população jovem (15 a 24 anos) de 36 milhões de pessoas, pouco mais que
20% do total de habitantes.

Segundo o levantamento da OEI, a grande maioria dos jovens assassinados
é de homens (93%) e negros, e mora na periferia. Muitos perderam a vida
sob a pistola da polícia. Informações do site do Observatório das
Violências Policiais (www.ovp-sp.org) mostram que, em São Paulo, 81
adolescentes e jovens foram executados sumariamente pela Polícia
Militar do estado, entre 2001 e 2006. Desses, 49 foram assassinados
entre os dias 12 e 31 de maio de 2006, período dos ataques da facção
criminosa PCC. A polícia é acusada de ocultar suas ações criminosas.
Segundo relatório da Associação Nacional dos Centros de Defesa da
Criança e do Adolescente (Anced), “a Polícia Militar justifica as
execuções cometidas pela simulação de ‘confrontos armados’,
encaminhando os corpos das vítimas para os hospitais, ameaçando de
morte as testemunhas e registrando as ocorrências nas delegacias de
polícias como autos de resistência”. Autos de resistência é o termo
utilizado nas ocorrências em que os assassinatos são “justificados”
devido à resistência da vítima, que é morta ao entrar no que chamam de
“confronto com a polícia”.

Ter o Estatuto da Criança e do Adolescente ou mesmo o Código Penal ou a
Constituição na ponta da língua já não basta. O assunto é tão
preocupante que as ONGs partiram para criar manuais próprios de
sobrevivência na periferia, como os Centros de Defesa da Criança e do
Adolescentes de Sapopemba, zona leste, e de Interlagos, na zona sul da
capital paulista. Em dezembro de 2006, lançaram uma cartilha com dicas
de como se defender dos atos arbitrários dos policiais, cuidados na
hora da abordagem e quais e em que casos procurar os órgãos públicos.
Quem sabe não seja essa uma das ações a serem implementadas também
pelos governos locais e federal, junto a outras, claro, para fazer com
que cada policial tome consciência de que os jovens têm direito a
viver, e defender os direitos humanos não é defender bandido?


* Diretor do Projeto/Revista Viração (www.revistaviracao.com.br) e empreendedor social da Ashoka.