Lei de Direito Autoral criminaliza práticas sociais de milhões de brasileiros

Jorge Machado, professor da USP e pesquisador do Gpopai, defende a imediata publicação, para consulta pública, da proposta de refoma na lei.  "O MinC vem adiando isso de forma incompreensível há um ano ou dois", diz ele.

22/04/2010 – A proposta de reforma na Lei de Direitos Autorais ainda não foi colocada em consulta pública, apesar de a meta do Ministério da Cultura, que agora já não pode ser cumprida, já ter sido a de aprová-la antes do final do mandato do presidente Lula. “O MinC vem adiando isso de forma incompreensível há um ano ou dois”, explica Jorge Machado, professor da USP, em entrevista para ARede Online.

A lei precisa ser reformada, explica ele, porque “está em completo descompasso com a realidade e isso dá margens para abusos por parte de corporações e intermediários”. A atual lei criminaliza práticas sociais de milhões de brasileiros como compatilhar conteúdos ou remover o bloqueio de um telefone celular.

Jorge Machado, professor de Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai) da universidade. O Gpopai fez pesquisas sobre o acesso a Bens Educacionais e Culturais e ao onhecimento Científico no Brasil. Nelas, demonstra como uma reforma na atual Lei de Direitos Autorais é necessária para ampliar o acesso de alunos a bens culturais, livros técnico-científicos, livros didáticos e softwares. Saiba mais na entrevista abaixo.

ARede – Por que é necessário que a proposta da reforma da Lei de Direitos Autorais seja publicada o mais rápido possível?

Jorge Machado – É um promessa do MinC e houve uma inédita mobilização da sociedade civil durante os seminários organizados pelo MinC para ouvir os diferentes atores das cadeias de produção de cultura. Há uma expectativa muito grande em torno de uma proposta do MinC que venha modernizar a lei e adequá-la às novas tecnologias e às novas práticas sociais decorrentes de seu uso. O MinC vem adiando isso de forma incompreensível há um ano ou dois. A proposta deles era fazer a reforma ainda nesse mandato e pelo que ouvi dizer, a reforma da LDA era um compromisso pessoal do próprio ministro Gilberto Gil, quando ainda no cargo.

ARede – Por que a reforma é importante?

Machado – Boa parte das práticas sociais de milhões de brasileiros, como compartilhar ou remover um bloqueio de uma aparelho celular são considerados crimes. Mesmo a cópia privada, como gravar um CD para ouvir no carro ou mesmo copiar parte de um livro para fazer anotações no texto são criminalizadas. A lei está em completo descompasso com a realidade e isso dá margens para abusos por parte de corporações e intermediários.

Há necessidade de diferenciar o uso não comercial dos usos comerciais, permitindo assim os usos amigáveis. Também há que liberar a cópia privada, como era na lei de DA de 1973, para adequar a uma prática social disseminada desde o uso video-cassetes e gravadores de tape-deck. Não faz o mínimo sentido essa restrição imposta pelo lobby da indústria que desenhou a lei em vigor — sem a participação da sociedade civil.

Também há que permitir a conversão de formatos e suportes de obras protegidas, de forma que instituições arquivísticas possam guardar e disponibilizar o patrimônio cultural adequadamente. Nossa lei atual, tão ruim que é, sequer permite isso.

Por outro lado, há uma necessidade de fortalecer o autor frente aos intermediários culturais, dando a eles alternativas de produzir, distribuir e comercializar suas obras diretamente. Nesse sentido deveria ser proibida a cessão definitiva e exclusiva da obra e o prazo para cessão deveria ser limitado a cinco anos. Isso aumentaria sua independência econômica e possibilitaria um maior controle sobre suas obras.

A atual lei também legalizou os dispositivos e travas anticópias, que violam direitos legítimos dos usuários previstos nas limitações e exceções dos direitos autorais. Isso é inaceitável e precisa ser removido na reforma. Só está na lei devido ao lobby da indústria, lembrando que a sociedade civil não participou de sua elaboração.

A reforma é importante para que tenhamos uma legislação adequada às novas práticas sociais, novos modelos de negócio e ao interesse público de um acesso mais amplo à cultura e à informação.

ARede – Ainda que seja publicada em maio, você acha que haverá tempo de debater o tema ainda nesta legislatura? Pergunto porque o Congresso tende a parar durante as eleições. E no próximo ano, novos deputados vão assumir mandatos.

Machado – Dificilmente haverá tempo para debater. Desejamos muito uma legislação mais moderna, mesmo tendo apenas uma proposta, sendo progressista e realista, já será uma vitória importante para a sociedade civil.

ARede – Como a sociedade pode contribuir para sensibilizar o Congresso sobre a importância de aprovar a reforma?

Machado – Debatendo em escolas, universidades e outros espaços públicos. Também há que informar e conscientizar políticos e representantes de organizações da sociedade civil sobre o interesse público envolvido na mudança dessa lei.