No Fórum Internacional do Software
Livre, realizado em abril, em Porto Alegre, a retomada dos debates
sobre marcos legais para o software livre.
Verônica Couto
A nona edição do Fórum Internacional do Software Livre foi a maior até
o momento, com 7.417 participantes de 21 países, e 58 expositores,
entre eles a Globo.com, o UOL, o Google, a Cobra, a Telefônica, a
Brasil Telecom, o Serpro. No dia de abertura do evento, 17 de abril, o
governador do Paraná, Roberto Requião, foi aplaudido ao destacar a nova
lei que obriga o uso do padrão aberto de documentos ODF (transformado
em norma brasileira) na administração pública estadual. O presidente
Lula enviou carta para ser lida no evento, em que declarou que
“software livre é sinônimo de inclusão”. Mas especialistas acreditam
que, para provocar um salto no volume de investimentos em projetos
abertos, seria preciso consolidar soluções jurídicas capazes de induzir
o uso de software livre e dar maior garantia ao licenciamento dos
programas.
Há várias iniciativas nessa direção — do Ministério do Planejamento, do
Serpro, e do próprio governo do Paraná; e de parlamentares que buscam,
no Congresso, assegurar preferência às plataformas abertas no uso do
dinheiro público. Durante o fisl9.0, a Secretaria de Logística e
Tecnologia da Informação (SLTI), vinculada ao Planejamento, lançou o
Mercado Público Virtual Brasileiro, site para cadastrar e homologar
softwares públicos, e as demandas por produtos e serviços encaminhadas
pelos usuários.
É um desdobramento do Portal do Software Público (veja o quadro) e,
como aquele, exige que os produtos tenham depósito no Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e sejam licenciados em uma
versão não-oficial, traduzida, da GPL (General Public License) — a
licença mais conhecida do mundo do software livre, criada pela Free
Software Foundation (FSF). A versão CC-GNU GPL, como é chamada a versão
em português, foi projeto conjunto da FGV, Creative Commons, ITI. A
FSF, contudo, não a reconhece, mas Corinto Meffe, gerente de inovações
tecnológicas da SLTI, argumenta que a legislação brasileira obriga o
uso do vernáculo (do português) em todos os tipos de contratos legais.
“Por isso, não podemos adotar a GPL da FSF”, diz.
Pavilhão de exposições da
PUC-RS
De fato, o artigo 13, da Constituição, institui o português como idioma
oficial. A Lei 6.015/73, no artigo 129, também estabelece que, para
surtir efeitos, o registro de títulos e documentos estrangeiros deve
ser acompanhado de tradução; o artigo 156 do Código de Processo Civil
diz que todos os atos e termos de processos precisam usar o vernáculo,
e o 157, que versões, só feitas por tradutores juramentados;
finalmente, o Código Civil, no artigo 224, afirma que documentos
redigidos em língua estrangeira serão traduzidos para terem efeitos
legais no país.
Noutra ação, o governo do Paraná, por meio da Celepar (a companhia de processamento de dados do estado), desenvolveu uma licença própria, para uso da administração pública. É a LPG-AP, ou Licença Pública Geral para Administração Pública, em vigor desde 2005 (decreto estadual nº 5.111). Ela, por sua vez, não é aceita pela Free Software Foundation, além de exclusiva para a administração pública. Por isso, a Celepar encomendou uma nova versão (a 2.0) para a LPG-AG de maior abrangência, que fosse compatível com a GPL da FSF.
De acordo com Fabiano Mormul, coordenador, na Celepar, do projeto
software livre, “uma licença consistente é importante para proteger o
gestor público contra evasão de divisas”. Por exemplo, uma estatal
desenvolve um software e libera para a comunidade; uma empresa ou um
analista mal-intencionado, aproveita o código e, cria, a partir dele,
um produto fechado para ser comercializado, e a estatal correria o
risco de ser responsabilizada. O problema é que a versão 2.0 da LPG-AG,
que buscava compatibilidade com o mercado internacional, não chegou a
ser publicada, conta Mormul. Decreto do governador do Paraná teria
suspendido várias contratações da Celepar, inclusive da consultoria
jurídica responsável pela criação da licença.
O atual diretor-presidente do Serpro e ex-titular da Celepar, Marcos
Mazoni, admite que o trabalho feito pelos advogados ainda pode vir a
ser aproveitado. O Serpro, explica o executivo, precisa de uma licença
compatível com as normas brasileiras, mas também reconhecida
internacionalmente. “Essa licença vai se basear no projeto do Portal do
Software Público, mas nos aproximando da licença GPL. Quando fizemos no
Paraná, a LPG-AP, pensamos em outros estados a aproveitando, numa
proposta com uma cara mais brasileira. Mas, quando se pensa no Serpro,
com projetos em outros países, precisamos ter uma dimensão
internacional.”
Por enquanto, Mazoni revela que está usando a licença da SLTI. Mas
reconhece que ela “não é atrativa para desenvolvedores de fora do
país”. Por isso, destaca que “é importante começar essa discussão, dos
marcos legais do software livre.”O advogado Omar Kaminski participou do
desenvolvimento da versão 2.0 da LPG-AG, que, segundo ele, está pronta
há quase um ano. “A compatibilidade é uma questão mais política do que
jurídica”, avalia.
Política de uso
Jovens do Centro de
Recondicionamento de
Computadores, mantido
em parceria com os
Maristas
Além de uma estrutura de licenciamento que proteja os investimentos
feitos nos programas, o mercado de software livre ainda sente falta de
uma política pública claramente orientada à sua utilização. O prejuízo,
nesse caso, é a vulnerabilidade dos entes públicos a convênios e
doações propostas, por exemplo, pela Microsoft, que mantêm o programa
mundial Unlimited Potential, de apoio a países pobres (veja a página
32). Um projeto de lei federal pioneiro nesse sentido, de preferência
ao sw livre, do deputado Walter Pinheiro (PT/BA), atual presidente da
Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, é o PL 2269/99, que está a
ponto de completar dez anos de tramitação.
Pinheiro também é relator da comissão que estuda o PL do deputado Paulo
Teixeira (PT/SP), que trata do uso do formato ODF. O PL 3070/2008
“dispõe que os órgãos e entidades da administração pública direta,
indireta, autárquica, bem como os órgãos autônomos e empresas sob o
controle estatal adotarão, preferencialmente, formatos abertos de
arquivos para criação, armazenamento e disponibilização digital de
documentos.” Os dois projetos foram apensados para tramitação conjunta.
Segundo Omar, pelo menos cinco estados têm leis que estabelecem a
adoção preferencial do software livre: Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás. A lei gaúcha, contudo,
teve sua eficácia suspensa, porque está sendo contestada junto ao
Supremo Tribunal Federal. O Instituto Brasileiro de Direito da
Informática (IBDI), diz o advogado, entrou com pedido de “amigo da
corte” para esclarecimentos.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) aprovou, em abril, o
formato de documentos ODF (Open Document Format) como norma brasileira,
que está em fase final de redação. Além do PL federal do deputado Paulo
Teixeira, e da lei já sancionada no governo do Paraná, que prioriza sua
adoção, o Comitê Técnico de Implementação de Software Livre do governo
federal deve divulgar, em breve, um protocolo de adesão ao formato ODF,
para ser assinado pelos órgãos da administração pública da União.
A informação é do diretor-presidente do Serpro, que assumiu, em abril,
a coordenação do Comitê. O modelo para essa diretriz será a resolução
do próprio Serpro que determina o uso do ODF, definindo cronogramas
para a migração integral (60 dias para documentos novos, 90 dias para
recebimento, etc.). A partir da resolução, foi gerada uma “carta de
adesão”, já assinada por Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
Dataprev, Datasus. “Essa carta é o embrião para uma regulamentação mais
ampla no governo”, disse Mazoni, durante o fisl 9.0, em Porto Alegre.
Filas para ganhar camisetas e
brindes
Ele substituiu Renato Martini (presidente do Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação), no comando do Comitê de Implementação do
Software Livre, e pretende acelerar o ritmo das migrações no país,
buscando novos marcos legais e regulatórios para assegurar a
preferência às plataformas abertas na administração pública. No Comitê,
quer criar outros Grupos de Trabalho, inclusive um dedicado a questões
jurídicas.
“O Comitê estabeleceu alguns marcos legais (por exemplo, a
especificação e-Ping), ofereceu roteiros de migração. Agora, entra na
fase de execução, por isso, com um órgão executor, como o Serpro”,
explicou Mazoni. O orçamento do Serpro, serviço de processamento da
Receita Federal, é de R$ 2 bilhões em 2007, dos quais R$ 300 milhões em
investimentos em infra-estrutura tecnológica. Os próximos grandes
projetos de migração vão envolver sistemas de comunicação, correio,
gestão de projetos e, com mais longo prazo (três anos), o sistema de
gestão financeira do governo federal.
O início oficial das operações do Mercado Público Virtual, para oferta
e contratação de serviços baseados em softwares públicos, estava
previsto para o dia 5 deste mês. O site foi lançado em caráter
experimental durante o fisl9.0, em Porto Alegre, como desdobramento do
Portal do Software Público. Depois de homologados por um comitê
integrado por representantes das entidades associadas ao projeto do
Mercado Virtual, os dados dos prestadores de serviços passam a ficar
disponíveis no site. A começar pelos que trabalham com as 16 soluções
já publicadas no Portal do Software Público por diferentes entidades da
administração pública. Além disso, o mercado virtual vai divulgar as
informações dos usuários e de suas demandas.
Os mais recentes programas a ingressar no Portal do Software Público
Brasileiro foram o Sagui – Sistema de Apoio à Gerência Unificada de
Informações, criado pelo Serpro; e o Sistema Bilhetador de
Impressão-Curupira, pela CEF. Cerca de 18 mil pessoas já participam das
comunidades de compartilhamento do Portal, cerca de metade envolvida
com o Cacic-Configurador Automático de Informações Computacionais, da
Dataprev. O Mercado Público Virtual é iniciativa da Secretaria de
Logística e Tecnologia da Informação (SLTI), do Ministério do
Planejamento, apoiada pelo Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (Pnud), pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT),
pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), pela Sucesu, Assespro
e Fenainfo.
O governo do Paraná começa, este ano, a migrar toda a telefonia da
administração pública para um sistema de voz sobre IP (VoIP), com
plataforma livre (Asterisk no PABX e OpenService no núcleo, ou core, da
rede). A Celepar gasta R$ 100 milhões por ano em telecomunicações, e
espera uma economia de 50% com o uso da VoIP. Além disso, diz Cláudio
Dutra, diretor da empresa, como vai contratar a Copel (empresa de
energia elétrica do Paraná) para uso de suas fibras ópticas,
praticamente deixará de gastar com operadora local (principalmente a
Brasil Telecom). A rede atual, em par metálico, tem uma banda média de
300 kbps, e o Estado paga da ordem de R$ 2,40 por kbps; enquanto, na
Copel, vai gastar R$ 0,60 por 1 Mbps.
“Dos 399 municípios do Paraná, 195 têm fibra e representam 80% do
tráfego da rede”, calcula Cláudio. Ele espera que o projeto esteja
concluído em um ano e meio. Os aparelhos IP serão comprados por cada
secretaria ou entidade pública por meio de registro de preço. Serão 15
mil aparelhos próprios para IP, e 10 mil adaptadores de telefones
analógicos (ATA). O governo do Paraná gastava R$ 400 milhões/ano, em
2003, com software. A partir da adesão gradual ao software livre, o
desembolso caiu para R$ 180 milhões, em dezembro de 2007.
www.serpro.gov.br
www.slti.gov.br
www.direitorio.fgv.br/cts/licencas.html