Liberdade cantada

O Teatro Mágico completa seis anos celebrando o sucesso e a força da cultura livre   Maria Nilda Rodrigues dos Santo

ARede nº 65 dezembro de 2010 –
O movimento da música livre, para Fernando Anitelli, está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento social. Músico e ator, Anitelli vive em Osasco, na grande São Paulo, cidade que ilustra bem seu ponto de vista sobre a necessidade de popularização e democratização do acesso à cultura no Brasil. O município, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE- 2009), tem uma população estimada de 718 mil habitantes – a quinta maior do Estado. Mesmo assim, diz Anitelli, pode-se contar nos dedos o número de espaços culturais com estruturas adequadas: “Estamos em contato permanente com prefeitos e vereadores, cobrando esse tipo de investimento. Porque queremos ver a cidade gerando oportunidades culturais para crianças, jovens e adultos se desenvolverem. Aqui há uma periferia imensa, com problemas de toda natureza”.

Foi nesse cenário que surgiu, em 2004, a companhia artística O Teatro Mágico. A trupe inovou ao promover um diálogo entre a arte circense, o teatro e a música. Mas inovou, principalmente, ao aderir e propagar ideias de acesso democrático e cidadão à cultura. Grande sucesso de público, sem nunca ter trabalhado com apoio de gravadoras comerciais, O Teatro Mágico conquistou uma enorme legião de fãs nos shows ao vivo e via internet. Os dois CDs do grupo foram gravados e distribuídos de forma completamente independente. Venderam mais de 120 mil cópias (o primeiro) e 20 mil (o segundo), mesmo com a marca de 1 milhão de downloads gratuitos de músicas – todas disponíveis na internet. O site do grupo recebe 120 mil visitas diárias e a comunidade no Orkut tem mais de 80 mil seguidores.

Essa opção política em relação à cultura gerou resistências no circuito comercial. Anitelli conta que o grupo não tem espaço na grande mídia: “Para aparecer na programação das grandes emissoras temos de estar em um evento forte, cuja notícia não poderia ser ignorada. Ou seja, nos citam por obrigação. Mas pautar só o nosso trabalho, individualmente, isso quase não acontece”.

O começo, portanto, foi bem difícil. “A gente armava um show e não sabia se o público ia aparecer ou não”, lembra Anitelli. Hoje, diz ele, “é uma honra não depender de jabá para ver nosso trabalho reconhecido”. Hoje a estrutura da trupe envolve 30 pessoas, que compõem diversas formações nas apresentações. O público, cada vez maior, já chegou, a 40 mil pessoas. “Ficamos impressionados com o poder das redes sociais, que é a nossa estrutura de divulgação. Vivemos com a agenda lotada”, conta Anitelli.

No início do ano passado, os CDs e o DVD anteriormente vendidos apenas nos shows, ou pelo site, passaram a ser comercializados nas lojas da Livraria Saraiva e da Livraria Cultura de todo o país. Anitelli considera essa uma importante conquista: “Conseguimos entrar em um acordo saudável com as duas empresas, de forma que os preços finais dos produtos continuam  acessíveis ao público, o CD custa menos de R$15 e o DVD, menos de R$ 25”.

Nas apresentações do Teatro Mágico, a poesia vira música, a música vira palavra, o palhaço se divide entre as tarefas de fazer rir e de propor reflexões sobre política, cidadania ou educação. Mas o ativismo do grupo não se limita aos palcos. Em manifestações nas ruas, de megafone em punho, os artistas do grupo integram movimentos sociais como o Música para Baixar.
Ligados no potencial da comunicação digital, os artistas do Teatro Mágico exploram e aproveitam todos os recursos da web. Em agosto do ano passado, cerca de 400 internautas acompanharam em tempo real, pela internet, a gravação da primeira versão da música “O que se perde enquanto os olhos piscam”. A canção foi composta de modo interativo, com os internautas, e já é uma das mais baixadas.

Ativista militante, Anitelli conta que busca inspiração no cotidiano das pessoas com quem convive: “Por exemplo, tenho letra de música inspirada em um diálogo que tive com uma empregada lá de casa”. Essa interlocução social é a marca da nova fase de trabalho, chamada de Terceiro Ato, em que o grupo passa a se colocar “com um perfil mais questionador e contestador”. No site oficial, as pistas dos novos caminhos do grupo: “É como se a trupe chegasse no universo urbano com mais profundidade, como o cotidiano dos moradores de rua, citados na canção ‘Cidadão de Papelão’, ou a problemática da mecanização do trabalho, citada em ‘Mérito e o Monstro`, entre várias outras abordagens”.

De formação humanista, Anitelli revela que tem crença evangélica e valoriza os indivíduos: “Sou um positivista, quem mais estimula a autovalorização. As pessoas vão para os nossos shows com espírito de receber algo bom, de sinestesia”.

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