dialogo-direitos-humanos

Marco Civil é pouco para garantir direitos humanos na internet, defende ativista

24/04 - Jérémie Zimmermann, do La Quadrature Du Net, comemorou aprovação, mas ressaltou que sociedade ainda precisa se empoderar das tecnologias para prevenir controle e abuso das autoridades e empresas.

Rafael Bucco

dialogo-direitos-humanos24/04/2014 – O ativista Jérémie Zimmermann, da organização francesa La Quadrature Du Net, felicitou hoje os brasileiros pela aprovação do Marco Civil da internet, mas fez ressalvas quanto a seu significado. Segundo ele, a aprovação da lei, sancionada ontem por Dilma Rousseff, é um passo rumo a uma internet mais justa, mas está longe de garantir a privacidade dos usuários, seu empoderamento tecnológico ou ser reconhecida como direito humano fundamental.

Para ele, eventos realizados para debater os rumos da rede, como o NETmundial, tendem a cair no vazio. “Por que estamos debatendo direitos humanos na internet aqui, enquanto a 10 km daqui, políticos eleitos, governos, representantes da ONU, debatem a governança da internet? Precisamos mais que o Marco Civil, porque ele tem um artigo 15 que permite a vigilância privada. Não conseguiremos fazer isso em um evento que leva uma eternidade, que não resulta em nada”, ressaltou.

Zimmermann defendeu a criação de mecanismos que garantam que uma arquitetura descentralizada da rede e que as empresas sejam coibidas de coletar informações pessoais sobre os usuários. Frisou que enquanto o Brasil aprovou lei determinando a neutralidade de rede, nos EUA está permitida a entrega de velocidade diferenciada por conteúdo.

“Temos nos bolsos máquinas que usamos para aprender, para amar, para conversar. Mas nossos direitos fundamentais estão sob ataque. Na maioria das vezes, as máquinas estão sendo usadas para esse ataque. Os governos têm o papel de recolocar a tecnologia em nossas mãos. Temos que lutar para que as empresas parem de violar nossa privacidade. Ou nós controlamos a máquina, ou seremos controlado por ela”, frisou.

Diálogo plural

A fala de Zimmermman se deu na mesa de diálogo “A internet e os direitos humanos”, realizada hoje, no evento Arena Netmundial, no Centro Cultural São Paulo, na capital paulista. Além de Zimmermann, participaram Leonardo Sakamoto, blogueiro e ativista pelos direitos humanos, Nana Queiroz, quem iniciou a campanha online #EuNãoMereçoSerEstuprada, TC Silva, da Rede Mocambos, Genival Oliveira Gonçalves, o GOG, rapper e escritor, Rogério Sottili, secretário de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo, e Pablo Capilé, do coletivo Fora do Eixo.

Sakamoto falou sobre preconceito, tolerência e maniestação de ideias na rede. Segundo ele, a internet no Brasil vive uma adolescência. “Sabe aqueles momentos que as pessoas começam a descobrir certas partes do corpo? As pessoas estão descobrindo a internet. São hormônios a flor da pele, pessoas descobrindo uma liberdade que nunca tiveram”, disse. Ele ressaltou que a democracia brasileira é muito recente, e que até muito pouco tempo atrás as pessoas eram proibidas de opinar. “Fazemos 26 anos da constituição de 88, 50 anos do golpe militar. A cultura política da rua esteve interditada por muito tempo. A cultura da troca, de você olhar o outro e enteder a diferença. A internet abre espaço para de conhecer o outro. As pessoas começam a entender que cabem diversas pessoas. E essa cultura a gente tem que desenvolver”, observou. 

Nana Queiroz falou sobre a cultura machista e como a internet se transformou em um canal para dar voz à mulher. “As mulheres não são escutadas. Se estou falando aqui, é por sorte. Foi sem querer que vim parar aqui”, começou. Organizadora do movimento online #EuNãoMereçoSerEstuprada, que se espalhou pela internet obtendo apoio nacional e internacional, ela contou que decidiu tirar a foto com a hashtag no dia da divulgação de pesquisa que revelava o pensamento machista dos brasileiros. “Estava há muito tempo farta por ser desrespeitada na rua pelas roupas que usava na rua. Falei com minhas amigas para mostrar que nosso corpo não é um objeto, é um instrumento político. Tivemos entre 45 mil e 200 mil pessoas que postaram fotos”, contou.

Segundo ela, o fenômeno que a campanha se tornou mostra como a internet dá voz às mulheres, diariamente desrespeitadas. “As mulheres encontram voz na rede, porque não podem ser agredidas. Ao contrário das manifestações de junho, nós não precisamos ir para as ruas para sermos ouvidas. A Dilma chamou a gente para conversar. Vamos levar um projeto de educação e prevenção na escola”, disse.

A ativista pediu ainda uma lei que puna crimes online contra a mulher. “É urgente que a gente faça uma lei Maria da Penha na internet. É urgente impedir que mulheres sejam criminalizadas por serem sexuais. Lembro que fui na delegacia da mulher em Brasília dar queixa contra uma ameaça online, e lá só tem um investigador para crimes virtuais. A gente tem que proteger a mulher contra a vinganca porno no Whatsapp, contra o assedio do ex no Facebook”, comentou. Por fim, alfinetou a plateia e o governo, lembrando que movimentos feministas existem há décadas e que precisam ser ouvidos. “Não está na hora de pensar como usar a internet para empoderar mulheres? E não esttá na hora de ouvir os movimentos feministas, em vez de uma menina qualquer que fez um protesto na internet?”, questionou.

Da Rede Mocambos, TC Silva falou sobre liberdade. Como Zimmermman, pediu abertura para que as pessoas sejam capazes de programar, manipular, compreender como as tecnologias funcionam. “Não queremos apenas acesso. Queremos controle das ferramentas, dos sistemas de infraestrutura. A gente tem que poder mexer no código, ter a liberdade de criar de acordo com a nossa cultura, nossas orientações de vida, religiosa, sexual, de gênero. Que a gente tenha liberdade de se apropriar das tecnologias e melhorar a comunidade, a exemplo da comunidade internacional de software livre”, defendeu. Silva lembrou ainda a necessidade de políticas de inclusão digital. “A internet é um troço desconhecido no brasil ainda. Apenas 40% da população tem acesso”, opinou.

Democom

O rapper GOG comentou o impacto que a tecnologia vem tendo sobre a cultura, especialmente na periferia das grandes cidades, e como está contribuindo para democratizar a troca cultural. “A net não foi feita para a negritude. Pulamos dentro do vagão e vamos ver onde vai dar. Nós éramos a periferia da periferia dessa discussão. Os analfabetos digitais, que através do Orkut, Facebook, pudemos dar nossas ideias”, comentou.

Chamando a época em que vivemos de idade mídia, ele ressaltou como a produção coletiva impacta a disseminação de informações. “As câmeras das pessoas passaram a transmitir a vida real, em oposição às câmeras oficiais, das concessões das comunicações. As câmeras de segurança passaram a transmitir uma novela real”, destacou.

Indo pelo mesmo caminho, Pablo Capilé, do Fora do Eixo, pediu mais atitude do governo, especialmente do Ministério da Cultura e do Ministério das Comunicações, para a democratização das comunicações. “A gente não tem por parte do governo um aliado sólido para a luta da democratização das comunicações. Não dá pra gente lutar por direitos sendo que a gente garante que poucos veiculos monopolizem a informação no brasil”, lembrou.

Rogério Sottili, secretario direitos humanos da prefeitura de São Paulo, também dirigiu questionamentos ao forte papel dos grandes veículos de comunicação. “Precisamos traduzir os já existentes princípios de direitos humanos para a internet, para que possa ser regida por relações justas, humanas. Um dos principais desafios é superar a cultura de violência. Sabemos do papel dos meios de comunicação para a construção da violência. A internet tem a oportuniade de permitir a revisão dessa construção”, opinou.