Mocambos em rede nacional

Comunidades tradicionais querem mais acesso à web e TV digital. Em algumas regiões, porém, não há rede elétrica.

Comunidades tradicionais querem mais acesso à web e TV digital. Em algumas regiões, porém, não há rede elétrica.   
Carlos Minuano


Troca de conhecimentos na oficina de blogs

Tupinambá de Ilhéus, Sul da Bahia, Jaborandi Yandê revelou: “Conheço um indígena que, para fazer um curso à distância, viaja de barco até o local onde há internet”. Yandê foi um dos participantes da primeira edição do Encontro Nacional da Rede Mocambos, associação que há cinco anos trabalha para conectar e informatizar quilombos, comunidades tradicionais e afrodescendentes de todo o país. De 12 a 19 de julho, cerca de 150 pessoas se reuniram em Campinas, interior de São Paulo, enquanto aconteceram edições simultâneas da mobilização em outros estados — Amapá, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Sul.

No encontro de Campinas, prestigiado por ativistas de outras nações — Itália, São Tomé e Príncipe, e Uruguai — temas como usos da tecnologia, apropriação dos meios de comunicação, protagonismo e fortalecimento da rede despertaram grande interesse. Depois da rede colaborativa na internet e da rádio, a Rede Mocambos quer agora um canal de TV digital. Porém, para concretizar esse sonho, falta o básico, em algumas regiões do país: acesso à rede elétrica.

Rodas de ativistas abrigadas sob tendas montadas ao ar livre debateram propostas para serem  discutidas com os gestores públicos presentes ao encontro. Ao final, foi elaborado um documento com revindicações ao governo federal. Na tenda quilombola, temas como educação e resgate da língua materna motivaram discussões acaloradas. “Há indígenas que não sabem falar a própria língua. Falta apoio do governo”, protestou Yandê. Ele elogiou um projeto do Ministério da Educação (MEC) que construiu uma escola na aldeia em Ilhéus, mas reclamou da capacitação. “Não reconhecem a figura do professor indígena”, disse. Uma das demandas é um curso pré-vestibular nas aldeias.

Outro ponto alto do encontro foi o debate sobre valorização da cultura e sustentabilidade de comunidades tradicionais. “Muitos pesquisadores já vieram até a Casa de Cultura Tainã, usaram nossos projetos culturais em benefício de seus trabalhos, sem trazer depois nenhum retorno para nós”, reclamou Anderson Ferreira de Souza, ou Perna, como é conhecido o militante que coordenou oficinas de blog durante o encontro. Permeou o evento uma postura contra a “exploração secular dos negros e das comunidades tradicionais”.

“Terreiros de candomblé centenários estão sendo expulsos devido a obras viárias”, afirmou a  mãe-de-santo Lúcia, representante de um terreiro de candomblé em Recife (PE). Para ela, o Estado não defende comunidades negras e tradicionais: “O governo se diz laico, mas enquanto a pastoral recebe recursos e as igrejas têm privilégios, os terreiros estão sendo fechados e a nossa religião, perseguida”. Apesar da Secretaria Especial de Políticas para a Igualdade Racial, segundo ela, o poder público está longe de atender as necessidades de quilombos e aldeias.

“Não queremos ser objeto de estudo. A academia tem que repensar seu papel. Por isso não permitimos mais pesquisadores em nosso terreiro”, disse Lúcia. “Não podemos mais reproduzir erros históricos, faremos agora do nosso jeito”, completou Antonio Carlos dos Santos Silva, mais conhecido como TC, um dos fundadores da Casa de Cultura Tainã.


Indígenas marcaram
presença no encontro

Não faltaram polêmicas no encontro dos mocambos. Um exemplo foi a exigência de ensino médio para aprendizes de griô (contador de histórias)  do projeto Ação Grião. Os quilombolas acreditam que a obrigatoriedade contradiz a tradição oral dos griôs. A exigência consta do novo edital, que visa inserir os mestres contadores de história no processo pedagógico das comunidades e pontos de cultura do programa Cultura Viva do MinC. “Serão selecionados seis mestres griôs e um aprendiz. Deste, é exigido o ensino Médio, pois se trata de uma ação experimental, que envolve uma sistematização”, explicou o secretário de programas e projetos culturais do MinC, Célio Turino, presente no encontro.

Entretanto, Turino reconhece as limitações do governo na preservação da cultura brasileira e defende a criação de leis que garantam as tradições e os conhecimentos populares: “Precisamos de duas leis: uma que reconheça a autonomia e o protagonismo sociocultural do povo brasileiro e outra que contemple o conhecimento tradicional de rezadeiras, pajés e de toda uma sabedoria que está sendo expropriada”.

Mais conexão


Mocambos conectados no telecentro
da Casa de Cultura Tainâ

TC ressaltou a necessidade de conectar todas as comunidades à rede: “Não podemos repetir modelos de comunicação verticalizados. É preciso que todos estejam incluídos, quem não tem e-mail precisará ter”. Entre os encaminhamentos, os mocambos anunciaram um levantamento das comunidades ainda não beneficiadas por tecnologias. “Vamos nos concentrar na solução desses problemas”, prometeu TC.

Uma carta encaminhada ao governo federal após o encontro listou as reivindicações: propostas que assegurem direitos às comunidades quilombolas e indígenas em questões como educação e saúde; e a necessidade de luz elétrica para as comunidades que ainda não dispõem do serviço.

O encontro terminou com festa, ao som de tambores e apresentações culturais como a dança de origem africana moçambique.

20 anos da casa Tainã

Em dezembro deste ano, uma festa vai comemorar os vinte anos de existência da Casa de Cultura Tainã. Entre as novidades anunciadas para a celebração, está o lançamento da fábrica de música, um estúdio para produção de conteúdo audiovisual e capacitação, tudo em software livre. Para Antonio Carlos dos Santos Silva, o TC, um dos fundadores da Casa, é a continuação de uma luta que começou há bem mais de vinte anos: “Nosso objetivo é o mesmo, ou seja, ampliar as ferramentas de comunicação das comunidades”. O projeto custou cerca de R$ 300 mil, viabilizado por convênios com o MinC e o Ministério das Comunicações.


http://mocambos.net
– Rede Mocambos