Monitoramento do Twitter é ponta do iceberg de problemas profundos

Estados Unidos deportam jovens irlandeses são deportados por causa de tuítes.

Marília Maciel

Do Observatório da internet

 

01/02/2012 – Se havia alguma dúvida de que as autoridades americanas vasculham as redes sociais em busca de palavras que possam se encaixar em um contexto ameaçador, essa dúvida não existe mais. Essa semana, dois jovens irlandeses foram barrados no Aeroporto Internacional de Los Angeles, e tudo indica que o motivo por trás da expulsão foram mensagens enviadas pelo Twitter nas quais declararam que estavam saindo de férias e iriam “destruir a América” e “desenterrar Marilyn Monroe”.

De acordo com o The Huffington Post, os jovens foram levados à delegacia e interrogados separadamente por mais de 12 horas, tendo sido acusados de tentar entrar nos Estados Unidos com a intenção de cometer crimes. Ambos tentaram explicar que “destruir” significava cair na farra e festejar, mas isso não impediu as autoridades de deportá-los de volta à Inglaterra. Essa não é a primeira vez que a polícia detém um passageiro por causa de um tweet. Ano passado indivíduo foi preso e multado no Reino Unido após reclamar do funcionamento de um aeroporto e ameaçar explodir tudo se a situação não se normalizasse.

O caso tem servido de mote para muitos debates que estão sendo travados em listas de discussão e redes sociais. Primeiramente, que regras devem reger aquilo que se comunica por meio de uma rede social como o Twitter? O fato de a conversa estar online faz dela um diálogo que ocorre em um espaço público, ou o caráter de conversa privada, entre colegas, se mantém? Argumenta-se que muitos indivíduos utilizam o Twitter para falar com conhecidos, pessoas de um determinado grupo, com as mesmas referências e parâmetros de linguagem. Tirar as mensagens de seu contexto e interpretá-las isoladamente seria inútil para avaliar as reais intenções dos indivíduos e interferiria na esfera individual. Diante de casos como esse, teme-se que o uso de uma linguagem “privada” seja cada vez mais cerceado na Internet, na medida em que a vigilância se torna mais constante e acirrada.

Em segundo lugar, os algorítimos usados para o cruzamento de informações e para a identificação de padrões não são acessíveis ao público, por não serem publicizados e por serem de difícil compreensão ao leigo. Isso significa que o comportamento dos usuários de redes sociais estão sendo julgado sem que os parâmetros desse julgamento passem por qualquer escrutínio público. Parece que o “código”, no sentido empregado por Lawrence Lessig, passa a regular nossas vidas de formas cada vez mais ampla e antidemocrática.

Em terceiro lugar, esse fato acontece em um momento em que privacidade e censura na Internet estão sendo postos em xeque, não apenas por governos autoritários, mas também em países democráticos. Recentemente, o Twitter declarou que iria cumprir com as leis de censura em países como China e Tailândia, onde grande parte do conteúdo na internet é censurada. Isso também possibilitaria cumprir com as regras locais em países como França e Alemanha, que proíbem certos tipos de discursos de ódio, como aqueles de conteúdo nazista.

O Twitter foi bastante criticado por sua decisão por movimentos sociais e ativistas, que viam o Twitter como uma ferramenta importante para a mobilização social. Em carta aos diretores da empresa, a ONG Repórteres sem Fronteiras afirmou que “ao escolher finalmente se alinhar com os censores, o Twitter está privando ciberdissidentes em países repressivos de uma ferramenta crucial para a informação e organização (…) a posição do Twitter de que a liberdade de expressão deve ser interpretada de forma diferente de país para país é inaceitável.”

Por outro lado, um porta-voz oficial do Twitter argumentou que essa medida da empresa foi “uma coisa boa para a liberdade de expressão e para a transparência (…) isso significa que manteremos o conteúdo online sempre que pudermos, e seremos extremamente transparentes com o mundo quando não o fizermos. Espero que as pessoas percebem que a nossa filosofia não mudou.”

A partir da declaração, seria plausível pensar que a empresa tem sofrido considerável pressão e que talvez tenha atendido a certos pedidos das autoridades no passado. O ato de cumprir com esses pedidos de retirada, ao passo em que revela suas motivações, pode ser uma forma de transferir aos usuários o papel de se insurgir contra a censura. A empresa certamente ficará no fogo cruzado entre as autoridades e a sociedade, mas se protegerá de ações políticas e judiciais. Resta saber quais serão as consequências para a liberdade de expressão na rede.

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