Daniel Cassol, do Conexões Globais
26/05/2013 – As redes dão visibilidade a causas sociais antes latentes e potencializam a articulação entre indivíduos e movimentos sociais em torno de lutas comuns. Exemplos estão por toda a parte: dos movimentos contra a crise econômica na Espanha ao Massa Crítica em Porto Alegre. Mas um alerta é necessário: não estaríamos exagerando a nossa influência na sociedade como um todo?
Este foi a tônica do terceiro e último debate do segundo dia do Conexões Globais, na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. Participaram do diálogo global “Movimentos sociais na era da internet” o espanhol Javier Toret, do movimento 15-M, Jul Pagul, da Marcha das Vadias de Brasília, Cadu Carvalho, do Massa Crítica de Porto Alegre, Branca Schulz, do coletivo Fora do Eixo, e Antonio Martins, do site Outras Palavras.
Falando da Espanha via Skype, Javier Toret apresentou os detalhes de sua pesquisa sobre como as redes sociais potencializaram os protestos massivos registrados em 2011 na Espanha. Transmitida por streaming, a repressão policial contra ocupantes da Praça do Sol indignou jovens que sofriam a violência no seu cotidiano, e o resultado foi um “contágio tecnologicamente estruturado”.
Segundo a pesquisa, de uma população de 47 milhões de habitantes, 8,5 milhões de pessoas participaram, de alguma maneira, das mobilizações. “Há uma multiplicação de práticas tecnopolíticas, usadas de forma massiva pelas pessoas, sem intermediários. As pessoas seguem se organizando, sem organizações sociais, para realizar ações de rua”, disse Javier, que lembrou uma diferença importante entre os novos movimentos sociais na era da internet e os partidos tradicionais. “Os partidos não interagem entre si, trata-se de uma rede de competição. A nossa rede é interativa”, destacou.
No caso da Marcha das Vadias, a articulação via internet permitiu dar novo fôlego à luta feminista contra as diferentes formas de violência contra a mulher e, para além disso, potencializar a conquista de espaços públicos e do próprio direito a fala pelos movimentos sociais.
“Existe um contraponto a essa violência, que hoje tem um novo fôlego que é trazer a conquista das ruas com consciência política, promovendo uma interface entre mídias, artes, tecnologias e teorias políticas que fortalecem este empoderamento”, afirmou a militante feminista. Para Jul Pagul, o desafio é que estes movimentos sociais possam ampliar suas vozes através do fortalecimento de meios próprios, algo que teria ocorrido de forma muito incipiente no Brasil desde o primeiro Fórum Social Mundial. “Acho muito grave que nestes anos que se passaram deste o primeiro FSM tenhamos avançado tão pouco na construção de meios independentes e de políticas públicas de comunicação”, lembrou.
A exemplo da Marcha das Vadias, o Massa Crítica também tem sua causa e sua articulação fortalecidas na internet. Cadu Carvalho, que falou pelo movimento de Porto Alegre, lembrou como a internet foi importante para denunciar o atropelamento de ciclistas ocorrido em 2011, na capital gaúcha, e mobilizar ciclistas e não ciclistas por justiça no caso e mais respeito no trânsito. Cerca de 150 ciclistas participavam da Massa Crítica na sexta-feira, quando ocorreu o atropelamento. Na terça-feira seguinte, mais de duas mil pessoas protestaram em Porto Alegre, mobilizadas via internet.
Para Cadu Carvalho, este processo de “boca a boca” não ajuda apenas nas manifestações, mas cria uma nova cultura de convivência. “O que vejo nas ruas é que mais e mais pessoas estão entendendo a importância da bicicleta e dos movimentos sociais. E as pessoas que eram intolerantes estão ficando cada vez mais incomodadas”, destacou.
Pelo coletivo Fora do Eixo, Branca Schulz falou do esforço empreendido pelo movimento para ampliar a articulação de outros movimentos, construindo uma metodologia de gestão compartilhada. “Queremos ampliar nossas conexões e interfaces com outros movimentos sociais, entendendo que defender apenas a pauta de um movimento é muito pouco perto de todas as pautas da cultura”, afirmou.
Último a falar, o jornalista Antônio Martins disse que essa nova cultura política dos movimentos sociais em rede, pela primeira vez, está atacando o sistema hegemônico em seus valores, ao construir uma cultura de solidariedade e compartilhamento. Mas ele fez um alerta, lendo uma espécie de “wikimanifesto”: a força desses movimentos não estaria sendo exagerada?
“Nossas iniciativas tendem a exagerar e glorificar demais nossa própria influência no mundo real. Somos muitos, o que é ótimo. Mas temos a ilusão de que somos majoritários, de que nossa cultura política converteu-se na cultura política de todos. É algo imensamente enganador”, disse Martins.