O site permite baixar músicas, escrever resenhas, recomendar obras, debater e, mais importante, fazer doações aos músicos.
Sérgio Amadeu da Silveira
Willian Gibson lançou, em 1984, um livro de ficção chamado
“Neuromancer”. Seu sucesso arrasador talvez tenha ocorrido devido à sua
capacidade de captar as tendências do mundo virtual e da cibercultura,
um movimento social em expansão. A palavra ciberespaço, termo hoje
utilizado pelos cientistas e acadêmicos, foi inventada por Gibson nessa
obra. A existência de um espaço formado no interior das redes
informacionais, criado em “Neuromancer”, foi fundamental para liberar o
pensamento criativo, na ficção e na pesquisa científica, seja para os
irmãos Wachowski formarem o cenário em que Neo e Morpheus atuavam
contra a Matrix, seja para o cientista social Manuel Castells entender
o que estava ocorrendo na sociedade em rede.
Já faz algum tempo, em uma entrevista na prestigiada revista “Wired”,
Willian Gibson soltou uma frase emblemática e brilhante: “o remix é a
verdadeira natureza da cibercultura”. Como assim? Gibson defende que a
cultura digital é a cultura da recombinação, da reconfiguração, da
remixagem, do sample, do velho embutido no novo, que se torna
ultranovo. As redes informacionais não só permitem o remix, como ele é
a essência das redes. O hipertexto, o texto descontínuo, não-linear,
repleto de pontes e ligações, pode ser continuamente vinculado a outros
textos e a outros sites. Para onde o hipertexto nos leva? Para o espaço
de uma grande remontagem e recombinação. A linguagem hipertextual e as
redes são naturalmente recombinantes e permitem o crescimento contínuo.
A digitalização da música ocorreu quase em paralelo à digitalização do
texto. A soma de sons, imagens e hipertextos assegurada pela web gerou
um ambiente de hipermídia e de remixagem generalizado. Mas repare que,
antes mesmo de ser digital, a música (o som em geral) sempre foi
naturalmente recombinante. Enquanto os textos tinham que ser copiados e
reescritos em outros suportes físicos, os sons eram muito mais
livremente manipulados. Sem necessidade de nenhum outro suporte,
qualquer garoto podia recombinar várias composições, letras e melodias
diferentes em seu cérebro e cantá-las em seguida. Eu sempre fiz isto.
Adorava juntar o samba de Cartola com Pink Floyd e com um conjunto de
música sueco-indiana chamado Mynta.
Com a expansão das redes digitais, a música voltou a fluir como fluía
em nossa imaginação. Na internet, a música está sendo constantemente
recriada em uma grande sinapse coletiva, passando de computador em
computador, pelos celulares e laptops, impulsionada pela velocidade do
protocolo de troca de arquivos digitais BitTorrent. Usando o Audacity,
um software de edição de áudio inteiramente livre, qualquer um pode
remixar sons e, usando um simples microfone, criar seu próprio
audiocast ou podcast (versão para i-pod). Impressionante! André Lemos,
um dos principais e talvez o principal pesquisador da cibercultura no
Brasil, escreveu, em agosto de 2005, um artigo intitulado Ciber-Cultura
Remix. Nele, Lemos dizia ter feito uma busca no Google e encontrado
mais de 4.940.000 referências para a palavra podcasting. No dia 2 de
maio de 2007, fiz a mesma busca e encontrei 34.000.000 referências da
mesma palavra. Em menos de dois anos, tivemos um crescimento de mais de
500%.
Mas e a Riaa, a poderosa associação das gravadoras norte-americanas?
Como ela encara o fenômeno da música na rede, da produção coletiva de
áudios, o compartilhamento de sons? Simplesmente, ela é contra. Essa
associação considera qualquer compartilhamento de música um ato de
pirataria. Na verdade, a Riaa quer manter os gigantescos lucros da
velha indústria de fonogramas, mesmo que, para tal, tenha que tentar
bloquear a essência e a natureza das redes informacionais. Segundo a
Electronic Frontier Foundation, uma ONG que defende a liberdade de
expressão na internet, a Riaa abriu mais de 18 mil processos criminais
contra adolescentes, alguns de 12 anos. Qual o crime? Compartilhar
músicas! Absurdo.
Como reação a esse movimento obscuro, contra os valores da
solidariedade e da colaboração, contra essas iniciativas anticriativas,
antimixagens e, portanto, avessas à cultura digital, é que surgiram
iniciativas como a do movimento creative commons. Com ele, artistas
liberam suas músicas na rede, permitindo que seus fãs conheçam, ouçam,
recortem e até refaçam as suas obras. Neste cenário, surgiu um
repositório de músicas livres que podem ser compartilhadas velozmente
pelo BitTorrent. É o Jamendo. Música livre na rede.
No site do Jamendo, com versão em várias línguas, inclusive em
português, as pessoas podem baixar músicas, escrever resenhas sobre os
álbuns, artistas ou conjuntos que quiser, e pode participar de fóruns
de discussão. O Jamendo também possui um sistema de recomendações que
permite aos usuários encontrar mais facilmente novidades que sejam do
seu gosto e estilo. E os fãs podem saber onde sua banda preferida está,
e quando ela irá realizar um show. O mais genial do Jamendo, contudo, é
o sistema que possibilita a qualquer pessoa fazer doações aos músicos.
É muito importante reforçar soluções como o Jamendo (veja o link
abaixo). Imperdível.
Jamendo é a única plataforma que combina:
• Uma plataforma legal que protege os direitos dos artistas (graças às licenças Creative Commons).
• Grátis, simples e acesso rápido à música, para todos.
• Uso das mais novas tecnologias peer-to-peer.
• A possibilidade de fazer doações diretas aos artistas.
• Um sistema de
recomendações adaptativo, baseado no iRate, para ajudar os ouvintes a
descobrir novos artistas, de acordo com suas preferências pessoais e
outros critérios como localização.
http://project.cyberpunk.ru/lib/neuromancer/ — Para ler “Neuromancer”, mas em inglês.
www.eff.org — Electronic Frontier Foundation