N@escola – Oficinas de literatura contam a história do povo

De várias partes do país, alunos e professores da rede pública realizam oficinas literárias virtuais dentro do portal EducaRede. Só no Ceará, são 128 escolas mobilizadas para revelar a história do estado.


De várias partes do país, alunos e professores da rede pública
realizam oficinas literárias virtuais dentro do portal EducaRede. Só no
Ceará, são 128 escolas mobilizadas para revelar a história do estado.
João Luiz Marcondes e Verônica Couto

Quem se cadastrar no portal EducaRede – gratuito e aberto a
qualquer interessado – poderá acompanhar todos os procedimentos, textos
e comentários de 170 oficinas literárias online, atualmente em curso
dentro do site. Mesmo para quem não tem cadastro, também estão no ar 67
livros virtuais, publicados pelas equipes das oficinas já encerradas.
Neste acervo, encontra-se, por exemplo, o “Gente que Luta”, relato
emocionamente dos alunos, alguns na faixa dos 60 anos, do Centro
Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) de Itaquera, na zona
leste de São Paulo. Ou a história das “Pedras que Falam”, com as lendas
que cercam os monólitos de Quixadá, no sertão do Ceará, produzido numa
escola pública da cidade.


Os oficineiros de Itaquera têm de
17 a 61 anos.

O EducaRede é um portal educacional, desenvolvido pela Fundação
Telefônica para apoiar atividades de professores e alunos,
principalmente na rede pública. E a oficina de criação literária é uma
das suas ferramentas, disponível desde 2002 para qualquer um que queira
produzir textos de forma colaborativa. Este ano, foi colocada a serviço
do projeto História do Ceará em Rede, uma parceria da Fundação com o
governo do estado, por meio da Secretaria de Educação. São 128 escolas
cearenses (numa rede com aproximadamente mil estabelecimentos),
mobilizadas na pesquisa e na produção de textos online, até dezembro.

“As oficinas foram anunciadas nos órgãos regionais de educação, e houve
grande mobilização das comunidades e incremento no processo de inclusão
digital”, comenta Sílvia Silton, técnica da Secretaria de Educação
(CE). Na escola municipal Francisco José de Brito, no Crato, no vale do
Cariri, a professora Eleuza Braga escolheu o próprio Francisco José de
Brito como tema. Foi político influente até os anos 80. e a primeira
diretora do colégio, descobriram os alunos, foi sua mulher, Iara.
Segundo a professora, o impacto da oficina sobre os 19 estudantes da
sua turma foi fenomenal. “Além de resgatarem a história local, eles
melhoraram a qualidade do texto e aprenderam a fazer uso da opinião”,
destaca.

Por conta própria

Apesar do sucesso, o projeto não precisou de grandes investimentos. O
governo do Ceará desembolsou cerca de R$ 4 mil, para as viagens dos
multiplicadores (25 professores foram à Fortaleza conhecer as
metodologias da Fundação Telefônica). No Juazeiro do Norte, os alunos
escreveram sobre o Padre Cícero Romão Batista, o Padim Ciço. Em
Barbalha, sul do estado, sobre as festividades de Santo Antônio,
famosas na região. E na homepage do EducaRede, tem destaque o livro
“Icó, mais de trezentos anos” — um precioso registro da memória do
lugar. “O projeto possibilitou a inclusão digital de alunos e
educadores e o uso pedagógico das tecnologias, um poderoso suporte no
trabalho da publicação de um livro virtual”, constata o professor Caubi
de Mesquita Bezerra, de uma escola de Sobral, em seu relatório final
sobre sua oficina.


O professor Jorge Medrado,
inspirando alunos no Sul.
Segundo Sérgio Mindlin, diretor-presidente da Fundação Telefônica,
quando as oficinas virtuais surgiram, eram abertas apenas pela equipe
do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária (Cenpec), organização não-governamental que responde pela
gestão do portal EducaRede. As três primeiras experiências foram
conduzidas pelo escritor Jorge Marinho. A pedido de um professor do
Ceará, contudo, a ferramenta do site recebeu adaptações, no início do
ano passado, para que qualquer pessoa pudesse iniciar oficinas
autônomas com seus alunos ou colaboradores.

A coordenadora de educação e tecnologia do Cenpec, Márcia Padilha,
explica que há muitos ganhos pedagógicos no registro compartilhado do
andamento da oficina, permitido pela internet. As correções, os
comentários, a evolução dos textos, os exercícios de motivação, os
relatórios finais de avaliação, tudo fica no site para consulta aberta.
A metodologia sugere uma duração de cerca de seis semanas para o
trabalho e turmas com 30 participantes, em média. O portal oferece
modelos prontos para capa, créditos, e organização dos textos em livros
virtuais.

Resgate do laboratório

A ferramenta propõe um aprendizado integrado dos recursos do computador
e da língua portuguesa. No Ceará, além do professor de Português, as
oficinas contam com um professor de História. Mas não ocorrem de
maneira uniforme em todas as experiências. De acordo com Airton Dantas,
colaborador do Cenpec, há casos em que a escola só tem um micro, ou o
laboratório de informática está distante, e os mediadores inventam
metodologias próprias. Os relatórios, diz ele, apontam dificuldades
causadas, muitas vezes, por restrições de acesso aos equipamentos. Numa
mesma oficina, um aluno escreve muito, outro, muito pouco. “É evidente
que alguns conseguiram maneiras de se conectar, num telecentro, numa
lan house, e outros, não”, diz Airton.

O Cieja de Itaquera, por exemplo, já tinha um laboratório de
informática, mas sub-utilizado, segundo o professor de História Jorge
Medrado, que coordenou a publicação de dois livros no portal do
EducaRede. Na oficina, conta ele, uma das causas de desistência foi,
exatamente, o medo do computador. Dos 27 inscritos, 14 concluíram o
segundo livro. Por isso, a escola criou um “itinerário de informática”,
iniciação ao computador e à internet para todas as turmas. A mudança já
foi efeito da oficina virtual, que recorre ao laboratório apenas uma
vez por semana. Parte dos exercícios é feita em sala de aula, e, quando
os textos estão
O resgate do laboratório, no
Cieja da zona sul de São Paulo.
mais avançados, são inseridos na ferramenta do portal.

O primeiro livro do Cieja de Itaquera – “Gente que Luta”, conta as
histórias de seus oito autores e como conseguiram retomar os estudos. O
segundo, “Heróis da Resistência”, com oficineiros de 17 a 61 anos, tem
o mesmo tema – mas eles escrevem sobre a vida de outros alunos. A turma
atual se dedica à história do bairro. Na primeira fase de motivação,
Jorge trabalhou com a biografia da ministra Marina Silva, do Meio
Ambiente, que se alfabetizou aos 15 anos. Um estímulo para a
auto-estima dos alunos, fortalecida, ainda, pela repercussão da
publicação online do livro. “Recebi e-mail de uma professora de Rosário
do Sul (RS), que imprimiu o livro e motivou os seus alunos para um novo
trabalho.”