N@escola – Uma chance para os games

Educadores vão a campo analisar o potencial pedagógico dos jogos eletrônicos, que podem estar favorecendo novas habilidades nos jovens.


Educadores vão a campo analisar o
potencial pedagógico dos jogos eletrônicos, que podem estar favorecendo
novas habilidades nos jovens.


Para apoiar o desenvolvimento de ambientes de ensino online que usem a lógica de jogos virtuais e discutir as possibilidades pedagógicas dos games (inclusive os off line),
pesquisadores criaram, no ano passado, a Rede Brasileira de Jogos e
Educação. Trata-se de um espaço colaborativo na internet para trocas de
pesquisas e informações sobre o tema, com links e outros dados de referência.

Entre seus integrantes está o pesquisador do Laboratório de Pesquisas
sobre Infância, Imaginário e Comunicação (Lapic), da USP, e diretor
geral da Faculdade de Educação e Cultura Montessori, o professor
Claudemir Vianna. Durante o III Congresso Íbero-americano EducaRede,
ele defendeu o caráter educativo dos jogos eletrônicos. “Envolvido numa
situação lúdica – tecnológica ou não –, o aluno aprende mais.
Infelizmente, muitos professores ainda nutrem preconceitos em relação
aos jogos digitais”, afirmou.

Em 2005, durante sua pesquisa de campo — “Recepção Infantil de Jogos” —, Claudemir catalogou os sites
mais citados por 30 crianças, de oito a dez anos. Os preferidos foram,
nesta ordem, as páginas da Barbie, Cartoon Network, Fliperama, Disney e
MiniClip. “Eles aprendem por tentativa e erro, comunicando-se com os
colegas, e sem perceber.” E, independentemente da ideologia dos
conteúdos, invertem os valores e os significados que estão dados. No site
da Barbie, a brincadeira de vestir a boneca se transformou num jogo
para ver quem fazia a mais ‘brega’. “O desafio da criança é ir além do
que se espera dela”, explica Vianna, que, na pesquisa, também dá
sugestões de procedimentos para os professores.

Outro levantamento, dessa vez com 30 jovens de classe média alta de
Salvador, de 16 a 20 anos, foi feito pela doutora em Educação e
Comunicação pela UFBa, Lynn Alves. Segundo ela, “os jogos eletrônicos
constituem grandes comunidades virtuais em que os adolescentes
interagem, como os RPGs, outros importantes espaços pedagógicos”. A
síntese da tese de doutorado está no livro “Game Over. Jogos
Eletrônicos e Violência” (ed. Futura). “Eles não conseguiam perceber as
cenas dos jogos como violentas. Como livros e filmes, o game
também pode deflagrar um processo violento, mas ele não é o
determinante”, avalia Lynn. O professor, na sua opinião, deve buscar o
olhar crítico sobre as tecnologias. Ela acredita que a imersão no mundo
digital favorece a emergência de novas habilidades cognitivas, ligadas
a significação de imagens descontínuas, rapidez no processamento de
informações imagéticas, e pensamento hipertexual. “A escola tem que
usar os jogos. Há coisas muito boas”, diz. Por exemplo, um game em que o sujeito precisa acabar com a fome no mundo; e o Tríade, sobre a revolução francesa, em software livre, criado na UFBa.

Ginástica eletrônica


No livro “Meios Eletrônicos e a Educação: uma Visão Alternativa”, do
pesquisador Valdemar Setzer — opositor sistemático do uso de
computadores por crianças, o professor de Educação Física Archimedes de
Moura Júnior, de 27 anos, leu que o uso do videogame “elimina o
pensar”. “Sou o cara mais idiota do mundo”, quase concluiu. Mas não o
fez. “Ao contrário, decidi investir na aplicação prática dos jogos
eletrônicos na educação”, diz.

Na Escola Estadual Barão Homem de Mello, em Santana, zona norte de São
Paulo, onde trabalhou, o professor Archimedes introduziu o “tapete de
dança” — aquele com quatro setas, sobre as quais o jogador deve pisar,
de acordo com a sinalização apresentada numa tela, e de forma
sincronizada com a música. Ele comprou dois tapetes da versão ITG (In the Groove), para Play Station II,
que tinha em casa, e levou para a escola. Foram seis aulas, com 29
alunos do primeiro ano do ensino médio, com idade média de 15 anos.


Professor Archimedes e sua
turma, no tapete de dança

Antes, fez uma aula piloto com a equipe de coordenação para explicar
seus objetivos. “Quis desmistificar a idéia de que Educação Física e videogame
são coisas contraditórias”, conta. O professor também passou um
questionário entre os alunos: 90% disseram usar jogos eletrônicos em lan houses, no celular ou no computador de casa; e 85% acreditavam que o videogame
podia ajudar no aprendizado (raciocínio matemático, inglês). Na
primeira aula, como ninguém se apresentasse, convidou os dois alunos
mais extrovertidos a jogar. Os demais foram aderindo, acompanhando a
dança. E, da terceira aula em diante, os próprios alunos organizavam as
filas, mexiam no equipamento, definiam os graus de dificuldade. Foram
criando novas formas de jogar: com quatro pessoas em cada tapete, ou
jogando com as mãos sobre as setas (sistema que o professor quer
adaptar para portadores de deficiência).

“Um dos meninos, de 18 anos, disse que, depois das aulas com os
tapetes, ao jogar futebol, passou a olhar menos para a bola. Não sei se
há essa relação direta, mas há uma percepção espacial e corporal mais
desenvolvida”, afirma Archimedes. Outro efeito foi na participação e na
socialização. “Houve uma integração enorme entre meninos e meninas, que
antes ficam separados em grupinhos. Aquilo de zoar o outro
diminiu bastante e os mais tímidos se tornaram mais presentes nas
atividades da quadra, porque, nos tapetes, todos tiveram que se expor”.

Este ano, os tapetes estão sendo usados nas turmas de terceiro e quarto
anos do ensino fundamental, na E.E. Ary Barroso, também na zona norte. O trabalho envolve uma linha do tempo,
iniciando com brincadeiras de rua até chegar aos jogos eletrônicos. A
escola, que não tem ensino médio, conta com sala de informática, mas ainda não está aberta ao
uso nem conectada à internet. “Esperamos poder usá-la logo”, diz o
professor. Ele acredita que, mesmo jogos considerados violentos — por
exemplo, aqueles em que marines norte-americanos atacam vilas
vietnamitas —, poderiam ser usados para discutir os contextos
ideológicos e históricos em que foram construídos. “Já está no
repertório dos alunos. Temos que levantar o debate crítico”, argumenta.

http://www.moodle.uneb.br – Escolha ‘comunidades’; depois, Rede Brasileira de Jogos e Educação.
www.eca.usp.br/nucleos/lapic/
www.lynnalves.pro.br
http://www.ime.usp.br/~vwsetzer/ — Site do professor Valdemar Setzer, crítico contundente do uso de mídias eletrônicas na educação.