Notas altas, evasão e repetência baixas.
No Piauí, alunos de redes públicas aumentaram os índices do Ideb depois de projeto que utiliza tecnologias educacionais.
Célia Demarchi
ARede nº72 agosto de 2011 – Tecnologia aliada a um plano pedagógico consistente não dá outra: melhora a qualidade de ensino. A experiência do pequeno município de José de Freitas, onde vivem pouco mais de 37 mil habitantes, estabelecido entre a caatinga e o cerrado piauiense, é prova de que essa receita funciona.
Ao longo de 2009, quando foram beneficiados com o projeto Aprendendo com Tecnologia, os estudantes do segundo ao quinto ano da rede estadual da cidade passaram de um Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 3,3 pra 4,4 – meta projetada somente para 2017. Entre os alunos da rede municipal, nos mesmos anos, o Ideb saltou de 2,8 para 3,4 – meta estabelecida de 2013.
Fruto de parceria entre a prefeitura da cidade, o governo do Piauí, e a empresa Positivo Informática, o projeto substituiu livros, cartazes, lousa e giz por soluções tecnológicas como mesas eletrônicas para alfabetização e ensino de conceitos básicos de matemática, softwares multimídia, portal de conteúdos, lousas interativa interligadas ao computador e uma câmera que consiste em uma espécie de retroprojetor capaz de capturar e projetar imagens impressas e objetos em telão.
Regina Silva, diretora de Projetos Educacionais da divisão de tecnologia educacional da Positivo Informática, que doou os equipamentos às escolas, conta que o projeto Aprendendo com Tecnologia foi instituído no Piauí após uma provocação do Ministério da Educação (MEC), que em 2008 desafiou a empresa a demonstrar que seu conjunto de soluções funcionaria mesmo em municípios com baixo Ideb.
A empresa então selecionou José de Freitas a partir de uma lista de municípios elaborada pelo MEC entre aqueles com os menores índices, mas levando em conta, ainda, a proximidade da capital – e, portanto, de aeroportos, para facilitar o deslocamento das equipes técnicas – e a possibilidade de abranger a totalidade dos estudantes matriculados do segundo ao quinto ano na rede pública. José de Freitas fica a 48 quilômetros de Teresina. À época do início do projeto (março de 2009 nas escolas municipais e julho do mesmo ano nas estaduais), contabilizava 2.156 alunos dos anos selecionados matriculados em 11 escolas públicas.
Firmada a parceira, os governos do município e do estado adequaram a estrutura dos prédios escolares. As escolas receberam os equipamentos e 180 professores e gestores passaram por uma formação de 690 horas. Também foi feito um acompanhamento pedagógico desses profissionais, por meio de dois coordenadores e um monitor por escola. Em julho deste ano já eram contabilizadas quase 23 mil horas de atividade.
Logo de saída, o uso da tecnologia demonstrou que grande parte dos alunos não sabia ler, apenas desenhava as letras. Por sua vez, os professores não se davam conta da situação: “No espaço para respostas das provas, muitas crianças escreviam o enunciado da questão anterior porque não compreendiam a pergunta”, conta Regina. A melhoria no aprendizado ficou evidente para Regina Lúcia Lima da Silva, professora de uma turma de 25 alunos do primeiro ano, fase em que se aplicam todas as soluções tecnológicas do projeto. Desde que começou a empregar os novos recursos, o índice de alfabetização entre seus alunos aumentou de 50% para 80%, além de o processo ter acelerado. “Eles tinham dificuldade com as palavras e passaram a apreendê-las mais facilmente”, lembra a professora.
De acordo com Maria do Livramento Carvalho, diretora da Unidade Escolar Levy Carvalho (estadual), os professores ficaram apreensivos ao se deparar com o sistema, hardwres e softwares, mas ao receber formação perceberam logo que podiam superar o desafio. Até porque, em geral, são jovens com idades entre 19 e 35, segmento da população naturalmente interessado em tecnologia.
Transformação
O resultado mais notável do projeto foi a redução da repetência e da evasão. Na UE Levy Carvalho esses índices alcançavam, respectivamente, 50% e 16%. Mas em 2010, segundo Maria do Livramento, a reprovação foi quase nula, assim como a evasão: “As aulas se tornaram mais atrativas e dinâmicas. Os alunos agora não querem é sair da escola”.
Ao combinar um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, de 0,625 no ano 2000, com PIB per capita também raquítico, de R$ 2.156 em 2005, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), José de Freitas, onde 70% dos habitantes são beneficiários do Programa Bolsa Família, do governo federal, é um ambiente propício à evasão escolar. A pobreza força as famílias e viver em constante peregrinação, buscando oportunidades de trabalho mais bem remunerado em relação às disponíveis na cidade – cuja economia se baseia no setor público, no comércio e na agricultura.
O desassossego dos pais começou a diminuir quando perceberam que a escola melhorou: “Eles estão acordando para a importância da educação. Ao ver que há uma oportunidade aqui, procuram aproveitá-la”, diz Jacquelane Maria Carvalho Cruz, professora de duas turmas de quinto ano da Escola Municipal Agripina Portela.
Ali, há duas salas tecnológicas. Uma é equipada com a lousa interativa, que se conecta ao computador e à internet, além de uma Max Câmera. A segunda, o laboratório de informática, tem 17 computadores de mesa enviados pelo programa ProInfo, do governo federal, em 2009, que hoje servem inclusive para os estudantes utilizarem o Aprimora – ferramenta que integra o pacote de soluções da Positivo, com oferta de atividades interativas multimídia para os alunos, sugestões de atividades para os professores e modelos de avaliações periódicas.
Além de se interessar mais pelo futuro dos filhos, os pais começaram a frequentar a escola também como estudantes. Na UE Levy Carvalho, segundo Maria do Livramento, os pais sentem vontade de estudar quando veem que os filhos estão progredindo: “Muitos pais se matricularam nos cursos noturnos este ano e nos cobraram o uso da lousa interativa. Passamos a usar também para eles”. Ela explica que a escola mantém duas salas tecnológicas, como a EM Agripina Portela. O laboratório de informática, porém, é equipado com 17 netbooks do projeto Aprendendo com Tecnologia.
Planejamento e satisfação
Tais soluções forçaram os professores a adotar um hábito que não tinham, de acordo com Regina, da Positivo, o qual se reflete na qualidade do aprendizado: planejar as aulas. A tecnologia, explica a especialista, tem de ser adequadamente manobrada para liberar os conteúdos. Ao planejar, os professores passaram a ter objetivos mais claros, dimensionados para cada aula, o que possibilitou resultados mais imediatos e palpáveis. Em consequência, mais satisfação com os resultados.
Na UE Levy Carvalho, as aulas são preparadas de modo que todos os estudantes do projeto utilizem diariamente as salas equipadas com as tecnologias. Planejadas mensalmente e para cada dia, por um monitor do projeto, gestores e professores, as aulas dividem-se entre pré-laboratório, laboratório e pós-laboratório. Essa metodologia permite fazer a avaliação do aprendizado da aula e das possibilidades para a aula seguinte.
“Tanto o monitor, quanto o professor e a escola, podem acompanhar aluno por aluno”, diz ela, explicando que o Aprimora reúne todo o conteúdo do ano e registra o desempenho de cada estudante por atividade, além de sua frequência ao laboratório. “A ferramenta é interativa, dá feed back instantaneamente ao aluno. Assim, a criança pode testar opções de respostas às atividades até obter a correta, sem constrangimento nem censura por parte do professor”.
Para os alunos que participam do projeto, estudar passou a ser mais divertido: “Não dá preguiça, que às vezes a gente tem mesmo, não é?”, diz Camila Limas dos Santos, de 10 anos, que cursa o quinto ano na Escola Municipal Vicente Batista e tem aulas tecnológicas uma vez por semana. Ana Karoline Amado da Silva, aluna do quarto ano na Unidade Escolar Senhor Carvalho (estadual), que nunca tinha manipulado um computador até a chegada do Aprendendo com Tecnologia, diz que apreender português e produzir textos ficou mais fácil: “A gente vê, lê e escreve”.
Avanço comprovado
A melhoria do aprendizado entre os integrantes do projeto Aprendendo com Tecnologia em José de Freitas refletiu-se no Ideb, mas foi atestada também por estudo da Fundação Carlos Chagas, que avaliou o desempenho de 1375 daqueles estudantes, o equivalente a 70% do total.
Após sete meses, em média, de uso da metodologia, entre o começo e o final de 2009, os alunos obtiveram ganho geral de 5,97 pontos em comparação com prova aplicada antes do início do projeto. Nas turmas do segundo e do terceiro anos o avanço foi maior – 7,2 e 12 pontos, respectivamente –, caindo para 2,3 pontos no quarto e no quinto anos.
Os alunos dos primeiros anos se beneficiam mais porque estão na fase de alfabetização, explica Gláucia Torres Franco Novaes, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. Entre os alunos dos anos seguintes, boa parte ainda não alfabetizada, o ganho foi menor. O que deu certo, diz Gláucia, foi o sistema pedagógico, e “não apenas a tecnologia”. {jcomments on}