Boas compras
A compra de tecnologia para escolas requer planejamento e sintonia com o projeto pedagógico; do contrário, é desperdício de dinheiro público.
texto Áurea Lopes | foto robson regato
ARede nº 90 – abril de 2013
QUANDO COMEÇOU a se alastrar por todo e qualquer canto onde houvesse uma sala de aula, há cerca de dez anos, a tecnologia educacional estava muito focada na questão do acesso. Acesso a equipamentos – toda escola precisava ter computadores, nem que fosse para o aluno passar uma hora aprendendo a usar um editor de texto. Acesso a conexão – todo laboratório precisava ter internet, nem que fosse um link de 256 kbps para atender a 20 máquinas. Hoje, praticamente todas as escolas públicas urbanas estão equipadas com laboratórios de informática e a maioria está conectada à rede, graças às obrigações das operadoras nos contratos de concessão para explorar os serviços de telecomunicações. Nunca é demais lembrar: as escolas rurais são um capítulo à parte, ainda à espera de políticas efetivas – este ano, a presidente Dilma Rousseff prometeu conectar 12 mil das 80 mil escolas rurais do país. Porém, no momento, a questão que se coloca já está um passo à frente. Hoje os olhares (e os investimentos) se voltam para a tecnologia móvel. Notebooks, tablets, netbooks, celulares estão contribuindo para o desenvolvimento de aprendizes e professores. Em termos de conectividade, não basta ter internet. O que se quer, agora, é conexão sem fio e links que suportem áudio e vídeo.
Os gestores públicos de educação sabem muito bem disso. Vira e mexe estados e prefeituras promovem ações de doação de equipamentos para alunos ou professores. O que eles não sabem, na grande maioria das vezes, é como criar um projeto que aproveite todas as potencialidades das ferramentas tecnológicas e dê resultados transformadores do processo de ensino e aprendizagem. O que comprar? Quanto comprar? Como usar? As dúvidas são muitas. E a primeira resposta é que, antes de qualquer coisa, é preciso envolver os professores no processo (ver reportagem de ARede 89, edição de março).
Depois de pensar um projeto pedagógico consistente, é o momento de buscar as soluções mais adequadas. A consultora em educação e tecnologia Márcia Padilha avisa: “Os fornecedores costumam bombardear as prefeituras, por exemplo, com ofertas. É preciso ter um planejamento para não desperdiçar dinheiro público com coisas que depois não vão funcionar ou serão subutilizadas”. Entre as precauções básicas, ela recomenda avaliar bem a capacidade da conexão. “Não é possível ligar 40 máquinas ao mesmo tempo com uma internet de baixa velocidade”, diz. Outro cuidado imprescindível é incluir, no custo do projeto, a compra de programas de segurança, como filtros e sistemas de bloqueio a conteúdos impróprios a crianças.
Márcia alerta ainda sobre os modismos. Atualmente, muita gente está animada com as atrativas – e caras: em média, R$ 8 mil cada – lousas digitais. Em Lucas do Rio Verde (MT), a prefeitura investiu R$ 120 mil em “quadros versáteis” que, entre outros atributos, têm espelho para o professor, mesmo de costas, vigiar o que acontece na classe. Em Castanhal (PA), a prefeitura utilizou dinheiro de um prêmio de R$ 100 mil em gestão educacional – que ganhou em 2008, mas recebeu só em 2012 – para comprar duas lousas interativas e fazer a formação dos professores. Nenhuma das duas cidades tem programa de laptops para os alunos.
O importante, ressalta a consultora, é saber qual software acompanha a lousa, o que o professor vai fazer com essa ferramenta que não faria com a lousa comum. “A lousa interativa não é um equipamento simples de usar, requer muito treinamento. Acho que esse é o último item a ser adquirido porque exige professores familiarizados com tecnologia”, diz ela.
A pequena Mata de São João, na Bahia, começou a distribuir notebooks para os professores em 2007. Primeiro, como premiação nas escolas com melhor desempenho no Índice de Educação Básica (Ideb). Em 2010, a ação se tornou uma política pública: foi aprovada, na Câmara Municipal, a lei 452, que instituiu o abono por natureza indenizatória. A partir de então, todo professor em atividade há pelo menos um ano em sala de aula tem direito a R$ 1,3 mil, para compra de um notebook. Maristela Oliveira, diretora geral de Educação do município, conta que, neste mês de abril, serão entregues as últimas unidades de laptops, cobrindo toda a rede municipal – e não só para professores, mas também para coordenadores pedagógicos e diretores de escolas. De acordo com Maristela, ainda não se pensa em lousas interativas.
Em São Bernardo do Campo (SP), a infraestrutura foi prioridade da prefeitura, que investiu em sua infovia de fibra óptica, de 2011 a 2012. A secretária de Educação do município e presidente da União dos Dirigentes Nacionais de Educação (Undime), Cleuza Repulho, conta que todas as escolas de ensino Fundamental têm conexão sem fio e são atendidas por uma banda de 100 Mbps. A cidade foi a que adquiriu a maior quantidade de laptops do programa federal Um Computador por Aluno. “Foi uma oportunidade bastante vantajosa. Adquirimos 15 mil máquinas dentro do programa. Com esse dinheiro, no mercado, teríamos comprado apenas 5 mil”.
Para a consultora Márcia, qualquer investimento com perspectiva de futuro deve contemplar a comunicação móvel. Antes de orçar equipamentos fixos, os gestores deveriam pesquisar propostas de tecnologia educacional móvel. “Os dispositivos móveis propiciam arranjos pedagógicos mais interessantes. E começam a surgir aplicativos educacionais diversificados para celulares e tablets, com sistemas de acompanhamento da produção do aluno”, alerta.
Quem aproveitou os preços do ProUCA
Um ano depois de distribuir laptops gratuitamente a 300 escolas públicas, na fase piloto do projeto Um computador por Aluno (UCA), em 2010, o governo federal instituiu o ProUCA, programa que permitia a compra subsidiada de laptops por estados e prefeituras. Pelo edital, a empresa Positivo, vencedora da concorrência, colocou à disposição dos interessados 600 mil laptops. O Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle (Simec), do Ministério da Educação, contabilizou 345.121 adesões ao programa, no valor total de R$ 123.169.261,48, feitas por 229 prefeituras. Porém, a assessoria de imprensa do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) informa que o Fundo não tem o controle de quantas adesões foram efetivadas. No caso de Vila Velha (ES), por exemplo, consta no site do FNDE que foram adquiridos 48 mil laptops, mas a prefeitura diz que não fez essa compra. Confira, abaixo, as cinco cidades que compraram os maiores lotes de computadores portáteis nesse programa (dados confirmados pela reportagem).
Para uma gestão mais eficaz
Para trocar experiências de uso das TICs educacionais, entre outras informações, os dirigentes municipais da área de Educação dispõem, desde fevereiro, de uma nova ferramenta online. O portal Conviva Educação dá apoio à gestão e abre espaço para a busca compartilhada de soluções e criação de projetos. Importante: sem qualquer custo. Basta se cadastrar. Levou um ano de desenvolvimento e “muita escuta dos usuários” para colocar no ar o portal, conta Cleuza Rodrigues Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). “Não tenho dúvidas de que uma iniciativa que auxilia a administração escolar impacta positivamente no processo de aprendizagem”, avalia Cleuza.
O Conviva, com mais de 2 mil usuários cadastrados, oferece conteúdos e recursos para melhorar o planejamento das atividades cotidianas em uma instituição de ensino. A ideia, diz a presidente da Undime, é que “o ambiente virtual otimiza o tempo utilizado com processos administrativos, sobrando mais tempo para questões pedagógicas”. Cleuza cita, como exemplo, a Agenda dos 100 dias online, onde o dirigente encontra “os parâmetros das ações que precisa realizar para uma administração eficaz”. Na Biblioteca, estão disponíveis leis e resoluções. Entre os Indicadores, dados oficiais de Educação, como Censo Escolar e Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Na seção Painel, o dirigente encontra orientações sobre como lidar com assuntos como transporte, alimentação, funcionários, material pedagógico, suprimentos etc. Há ainda uma planilha de custos para registro e controle de finanças e espaço para Fóruns de discussão.
O projeto, com investimento inicial de R$ 4 milhões, teve parceria das fundações Itaú Social, Lemann, Roberto Marinho, SM, Telefônica Vivo, Victor Civita, dos institutos Itaú BBA, Gerdau, Natura, Razão Social, e do Movimento Todos Pela Educação. A gestão é responsabilidade da Undime, com apoio do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).