na escola

Bom, barato e brincalhão

DO TAMANHO DE UM CARTÃO DE CRÉDITO E CUSTANDO US$ 25, RASPBERRY PI
MOTIVA CRIANÇAS E JOVENS A ENTENDER PROGRAMAÇÃO.
BERNARDETE TONETO


ARede nº 80 – maio de 2012

O QUE ATRAI mais uma criança: um computador caro e pesado, com todos os segredos de funcionamento misteriosamente escondidos e cujo único desafio é ligar em uma tomada, ou, um equipamento barato, do tamanho de um cartão de crédito, com componentes atraentes e visíveis?
Na Inglaterra, a segunda opção está ganhando a batalha da inclusão digital inovadora. Os responsáveis pela conquista são o Raspberry Pi e a proposta de motivar crianças e jovens a entender como funcionam softwares e hardwares.

O Raspberry Pi mede cerca de 10 centímetros. Apesar do tamanho, tem capacidade para rodar processador de texto e planilhas, jogos e vídeos de alta definição. Não tem gabinete ou periféricos; em contrapartida, pode ser ligado a uma televisão ou a um monitor de computador, conectando mouse e teclado. Está disponível
no mercado em dois modelos, ambos com processador ARM de 700 MHz, 256MB de memória RAM e uma porta Ethernet. Demora, em média, 15 segundos para ligar.

Mas a grande vantagem é o preço. O modelo mais caro custa US$ 35 (cerca de R$ 60, fora os impostos), tem duas portas USB e entrada para um cabo de rede. O mais simples, com apenas uma entrada USB, custa US$ 25 (em torno de R$ 45). Também é preciso comprar um cartão de memória SD, para instalação do algumas versões do sistema operacional GNU/Linux.

A ideia do Raspberry Pi surgiu em 2006, no Laboratório de Computação da Universidade de Cambridge. Foi a resposta a um problema detectado por pesquisadores liderados por Eben Upton: o grande número de alunos da área de Ciências da Computação com dificuldades em entender e desenvolver programação.

Segundo o jornal The Guardian, em dez anos contados a partir de 2000, o número de alunos de graduação em Ciências da Computação caiu 23% no Reino Unido. Na pós-graduação o índice piora, com queda de 34%. O diagnóstico apontava várias causas, entre as quais o estouro da bolha das empresas ponto com, em 2000. No entanto, o principal problema detectado foram as falhas nos currículos escolares, centrados em programas proprietários como o Word e o Excel ou então com ênfase no desenho de páginas web.

O cenário era desanimador. A ampliação de computadores residenciais e de consoles de jogos, diferentes dos antigos Commodore e Spectrum, que fomentavam mais a curiosidade e inovação, gerou um círculo vicioso: os pais proibiam os filhos de “mexer” nos caros e misteriosos equipamentos. Nas escolas, crianças e jovens conseguiam no máximo abrir plataformas orientadas, incapazes de criar algo novo. E a escola queixava-se da dificulda dedos alunos em inovar.

APLICAÇÕES E PESQUISA
Para ser comercializado, o Raspberry Pi obteve as certificações da Comunidade Europeia (CE); da FCC, dos Estados Unidos; da Austrália e do Canadá. Ao ser lançado, vendeu cerca de 10 mil unidades, por meio de duas empresas, a Premier Farnell e a RS. Mesmo diante do aumento de interesse, não terá seu preço  reajustado.

O projeto está recebendo apoio de escolas e agências de pesquisa. E desperta interesse de outras áreas. Pensado para atender à demanda do Reino Unido, está ganhando o mundo. Hospitais e museus de países em desenvolvimento querem o dispositivo para ampliar o acesso a imagens. Pais de crianças com deficiência preveem uso em aplicações de monitoramento e acessibilidade. Empresas de locais pobres vislumbram, por meio do Raspberry Pi, a entrada no mundo digital. Um
país árabe está negociando a distribuição em escolas, para melhorar as perspectivas de emprego de meninas pobres.
Em 2008, o projeto se solidificou quando Upton e seus colegas criaram a Fundação Raspberry Pi, também ligada ao Laboratório de Computação da Universidade de Cambridge e responsável por definir o preço do equipamento. Trata-se de uma instituição filantrópica, sem fins lucrativos, que tem por objetivo fomentar
a aprendizagem de programação por parte de crianças. Entre as ações desenvolvidas, está o incentivo à opção de comprar um computador e oferecer outro a uma escola ou criança.

A fundação é mantida com doações e, principalmente, com o lucro da venda de computadores. Parte do dinheiro é direcionado a projetos educacionais. Uma das metas agora é o desenvolvimento, pelas próprias crianças, de softwares específicos para o Raspberry Pi. O conhecimento é compartilhado na seção de projetos do fórum do site e por meio de tutoriais no YouTube. E até a comunidade Element 14 – o número atômico do silício, um material fundamental dos chips – cresceu devido ao interesse em desenvolver programas para o computador: até agora, houve 30 mil downloads do software do sistema operacional para o aparelho.

 

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