Na escola – Criança é para estudar


Projeto da prefeitura de Manaus em parceria com a Positivo ajuda a erradicar trabalho infantil.
Áurea Lopes


Famílias pobres do assentamento rural Tarumã-Mirim, a apenas 20 quilômetros de Manaus (AM), garantem a sobrevivência cortando árvores da floresta para fazer carvão. Crianças de 8 anos deixam de ir à escola para ajudar os pais a ensacar os pedaços de lenha carbonizada e os mais velhos chegam até a tirar as brasas do forno. Muitos alunos perdem aula porque pegam cedo no trabalho, ou porque faltam, doentes, com os pulmões contaminados por fumaça. Os índices de evasão se tornaram tão preocupantes que, em meados de 2007, educadores da Escola Municipal Maria Izabel Melgueiro, uma das quatro existentes dentro do assentamento, criaram o projeto Meninos Carvoeiros, com o propósito de conscientizar os pais a não prejudicar os estudos dos filhos por conta do carvão.

Essa foi a semente do E-Poronga, programa que resgatou alunos e transformou a visão de muitos pais, quando deu a eles acesso a laptops educacionais de última geração. Quarenta classmates e um notebook do professor foram doados pela Positivo Informática, parceira tecnológica do projeto. A empresa também treinou todos os 35 professores das escolas do assentamento para utilizar os equipamentos e trabalhar com os softwars livres que compõem a solução. O projeto prevê ainda acesso ao portal de conteúdo educacional Aprende Brasil e ao Aprimora, ferramenta da Positivo para avaliação da aprendizagem. Iniciado em outubro de 2008, por iniciativa do Núcleo de Tecnologias Educacionais (NTE), da Secretaria de Educação de Manaus (Semed), o E-Poranga está começando em uma escola, mas deverá ser estendido a outras — se não for descontinuado e se tiver apoio da nova gestão municipal. A educadora Helena Pontes, idealizadora do projeto, está desligada do NTE desde o início deste ano. Até o fechamento desta edição, no final de janeiro, aguardava-se da Semed uma posição sobre as perspectivas do projeto.


À cima , os filhos de Margarida (ao centro),deixavam de ir a aulas por
causa de onça no meio do caminho.Ela fez curso de informática na escola.

Os resultados, felizmente, não esperaram as tramitações administrativas. “O efeito foi imediato. Assim que chegaram os portáteis, a frequência às aulas aumentou. Estudantes e professores estão muito motivados com as possibilidades dessa ferramenta em sala de aula”, conta Helena. A ideia, explica a professora, é que os estudantes levem os portáteis para para dentro da floresta, onde poderão fazer pesquisas, registrar dados in loco e depois trocar informações com alunos de outras localidades. “Queremos estimular a formação de futuros pesquisadores. É a chance de promover uma revolução na educação dessas crianças”, diz.

Na casa de Douglas Caldas da Costa, de 13 anos, as coisas já mudaram bastante desde que seus pais decidiram desativar os dois fornos construídos no terreno onde moram. Ele conta que chegou até a ser reprovado por faltas: “Eu não ia pra escola porque precisava acordar às 5 da madrugada para ajudar meu pai a ensacar. Outras vezes, quando peneirava carvão, ficava de cama, doente”. Hoje, o pai vive de manufatura de madeira e a mãe lava roupa para famílias, em Manaus. “Tem menos dinheiro, mas a gente tem mais saúde”, avalia o estudante da 5ª série do Fundamental, que quer ser engenheiro. Por isso, ele faz questão de deixar claro: gosta muito dos games, mas também usa  o computador para estudar.  Antes do E-Poronga, Douglas acessava a internet em lanhouses, quando ia a Manaus.

Assim como ele, dos 700 alunos atendidos pelas quatro escolas do assentamento, 99% não têm computador em casa. “Alguns nunca tinham mexido nem em um PC comum”, conta Katia Ethiénne Esteves dos Santos, analista de projetos educacionais da Positivo. A única escola rural da região com conexão, via satélite, é a Maria Izabel. E mesmo assim, não funciona a contento — problema que atinge toda a Amazônia e deve ser amenizado nos próximos quatro anos, com as redes metropolitanas de alta velocidade previstas para a região. O E-Poronga pega carona em um link do governo do Estado, destinado ao projeto de Ensino Médio a Distância (Veja reportagem na página 32), curso dado na escola, no período noturno. Por questões técnicas, essa conexão nem sempre está disponível durante o dia.

Além dos alunos, os pais também estão sendo beneficiados pelo projeto. Aos finais de semana, é a vez deles batucarem nas teclinhas. Margarida Santos da Cunha, mãe de sete filhos, alguns deles alunos da escola Maria Izabel, se emociona ao contar que fez o curso de informática. Ela sabe bem o que significa enfrentar dificuldades para estudar: “Como a gente mora pra dentro da mata, minhas crianças tiveram que correr de onça muitas vezes, no caminho da escola. Hoje, graças a Deus, tem o ônibus”. O ônibus que circula dentro do assentamento é dirigido por Júlio César Maciel da Silva, pai de outro aluno, Jonata, de 12 anos: “Hoje, até quando tem vaga para motorista, eles pedem curso de informática. E eu não quero que meu fiho seja motorista, quero algo melhor para ele”.