Fácil como fazer um rabisco
PARA ANIMAR UMA HISTÓRIA, BASTA ARRASTAR OS BLOCOS DE FUNÇÕES – MOVIMENTOS, SONS, DANÇA, ENTRE OUTROS – PARA A ÁREA DE SCRIPT.
ARede nº68 abril/2011 – Scratch, em inglês, quer dizer “coçar”. Mas também quer dizer “rabiscar”. E foi esse segundo significado que determinou a escolha do nome da linguagem de programação desenvolvida, em 2007, no Media Lab – laboratório do Institute of Massachussets (MIT), conceituado centro dos Estados Unidos que faz pesquisas em tecnologia. A proposta dos especialistas, que queriam estimular crianças e jovens a fazer histórias e jogos animados, se fundamentou exatamente no conceito do “rabisco”. Ou seja: uma ideia toma forma, mas não necessariamente a forma final; aí vem alguém com uma contribuição e gera outra ideia. Por isso, com o Scratch, é possível inventar, e reinventar, e modificar a invenção um sem número de vezes, compartilhando tudo pela internet com pessoas que poderão se tornar coautoras e também escrever e reescrever o que foi feito. Constitui-se, assim, uma infindável espiral criativa. E o melhor: o programa pode ser baixado gratuitamente e roda em qualquer plataforma, livre ou proprietária.
À primeira vista, a teoria parece complexa. Mas, na prática, é tudo muito fácil. Basta juntar blocos de comandos que a história acontece (ver página 34). O pulo do gato está em soltar a imaginação para tirar o melhor proveito das variadas possibilidades de combinações entre as funções disponíveis. Mitchel Resnik, um dos pais do Scratch, conta que o modelo de programação foi pensado para atrair usuários de todas as idades, níveis de conhecimento e tipos de interesses. Muito além de ensinar a programar, o Scratch tem uma vocação educacional nata: as crianças aprendem conceitos matemáticos e de lógica, entre outros, enquanto desenvolvem capacidades criativas, senso crítico e trabalho colaborativo, que são consideradas habilidades essenciais para o século 21 (ver página 35). “Costumo dizer que o teto é alto e o chão é baixo. Isso quer dizer que dá para fazer coisas muito simples e coisas mais complexas, como programação mais estruturada, avalia Marta Voelcker, superintendente da Fundação Pensamento Digital.
Resnik lembra que é comum acharmos que os jovens são “nativos digitais”, por causa de sua aparente fluência no uso das tecnologias, mas não é bem assim: “Eles estão confortáveis para mandar mensagens de texto, fazer jogos eletrônicos e navegar na internet. Mas será que isso significa, realmente, fluência no uso de tecnologias? É como se eles pudessem ‘ler’ mas não ‘escrever’. Porque, apesar de interagir o tempo todo com a tecnologia, poucos jovens são capazes de criar seus próprios jogos, animações ou simulações”. Como a programação exige que se faça representações externas para os processos de resolução de problemas, diz Resnik, o estudante tem a oportunidade de refletir sobre o próprio mecanismo de raciocínio – o que leva ao autoconhecimento e, por consequência, à autoavaliação.
A Pensamento Digital fez a tradução de diversos materiais do Scratch, inclusive uma cartilha com o passo-a-passo. Para baixar, livremente, é só acessar http://oficinas.pensamentodigital.org.br/ambientes_simulacao/index.html. Marta defende o uso da ferramenta em escolas e centros de inclusão digital também como estratégia de política pública, para incrementar a formação de uma futura geração de profissionais da área de tecnologia. “Por que o Brasil é conhecido por formar bons jogadores de futebol?”, pergunta ela. “Porque nossas crianças têm amplo acesso ao futebol desde que nascem! E continuam a ser estimuladas, ao longo de suas vidas. Se tivermos crianças interessadas em programação, certamente o Brasil vai ganhar um contingente de bons profissionais nessa área também”, conclui a pesquisadora.
Para compartilhar
Como a ordem é compartilhar, o MIT lançou um site para o Scratch, em torno do qual uma comunidade de usuários interage e posta trabalhos livres para remixagem. Os formatos são diversos – vídeo games, boletins eletrônicos interativos, simulações científicas, visitas virtuais, cartões de aniversário animados, tutoriais interativos. O público vai de 8 a 16 anos, com predominância da meninada 12, mas os adultos também frequentam a comunidade.
São mais de 3 mil registrados. Brasileiros, não faltam. Um deles é a pedagoga Yeda Karla Martins Machado, coordenadora do projeto Computer Clubhouse Jardim Conceição, em São Paulo (SP), que trabalha com o Scratch há seis anos. Depois de participar de um treinamento no Media Lab, em 2008, ela passou a realizar oficinas com crianças entre 10 e 13 anos da rede pública de ensino que frequentam o Clubhouse antes ou depois das aulas. “Por causa do uso do plano cartesiano, eles vão exercitando o raciocínio lógico, as sequências, as noções de começo, meio e fim”, diz Yeda. No ano passado, um projeto inovador envolveu jovens frequentadores do Clubhouse: os jovens que tinham irmãos menores criaram um alfabeto animado para ser usado na alfabetização dos pequenos.
A formação de professores, para que utilizem os recursos da linguagem de programação em aula, é uma das preocupações de Yeda. Em 2009, o Computer Clubhouse fez uma formação em Scratch com 25 professores e oito monitores de uma escola municipal de Osasco. Em 2010, aconteceu outra formação, de todos os professores do ensino Fundamental I de uma das escolas da Fundação Bradesco. Porém, ainda há desafios a serem vencidos para que as atividades de programação sejam incorporadas ao planejamento curricular. “Dentro do nosso padrão de aula, fica difícil. O professor precisa de tempo para trabalhar com a linguagem de programação. Hoje, ele não pode utilizar três aulas para tratar de um único tema. Então, o Scratch acaba tendo mais usos extraclasse”, acredita Yeda.
Foi assim que o professor Guilherme Erwin Hartung, que dá aulas de matemática no ensino Médio do Colégio Embaixador José Bonifácio, em Petrópolis (RJ), implantou um projeto de sucesso. O Fractal Multimídia é uma “empresa fictícia de games educativos, animações e objetos de aprendizagem dos alunos”. Os conteúdos, em Scratch, estão disponíveis no Portal do Professor – iniciativa do Ministério da Educação (MEC). Responsável pela orientação tecnológica nos laboratórios da escola, o professor trabalha, junto com os estudantes, a elaboração de jogos educativos que simulam um ambiente corporativo. Utilizando o Scratch, eles desenvolveram, por exemplo, um jogo de caça ao erro com o tema sustentabilidade. O Projeto, que este ano está na segunda edição, já ganhou prêmios. Atividade extracurricular, ministrada no contraturno das aulas, é tão concorrido que exige um processo seletivo. “Quem quiser participar precisa ter média mínima de notas e não pode faltar mais do que três vezes”, conta Hartung. A opção pelo Scratch, de acordo com o professor, foi por conta da simplicidade da linguagem: “A ideia de aprender a fazer games partiu dos alunos. Pesquisei alguns programas profissionais, mas todos eram muito complexos”.
Nem só as crianças são beneficiadas pelo Scratch. Na graduação, a linguagem de programação do MIT foi adotada pelo professor Hugo Cristo, da Universidade Federal do Espírito Santo, para trabalhar com estudantes do curso superior de Desenho Industrial. Eles produzem jogos e outros objetos educacionais voltados ao público infanto- juvenil. Até agora, a atividade era oferecida como disciplina optativa a partir do 5º período. No próximo semestre, vai fazer parte do currículo. Cristo experimentou outras ferramentas similares ao Scratch, inclusive produtos do MIT. Mas avaliou que essa linguagem de programação era a mais indicada por dois motivos. O primeiro, que permite o trabalho em rede, a visualização dos trabalhos pelos grupos. O segundo, que o Scratch é a linguagem “que melhor resolve a questão do construcionismo”. Ou seja, traz um avanço em relação ao construtivismo do educador Jean Piaget: “Pode-se não só agir sobre o mundo, mas contruí-lo também”, explica o professor.
http://scratch.mit.edu
www.pensamentodigital.org.br
www.guilhermeeh.blogspot.com
www.nicvix.com
Prontos para o século 21
O Scratch suporta algumas das chamadas Habilidades para o Século 21, que são o conjunto de competências e habilidades desejáveis na formação de crianças e jovens para o futuro.
1. Capacidade de obter e selecionar informações
2. Capacidade de comunicação
3. Desenvolvimento de pensamento crítico e sistematizado
4. Capacidade de identificação, formulação e resolução
de problemas
5. Criatividade e curiosidade intelectual
6. Capacidade de colaboração e relacionamento em grupo
7. Autoconhecimento
8. Capacidade de avaliar impactos e de adaptação
9. Responsabilidade social
http://llk.media.mit.edu