Tablets: a sala de aula vai mudar?
MEC afirma que o projeto Educação Digital está em dia
e promete entregar os equipamentos até o final do ano
Rafael Bravo Bucco
ARede nº 83 – agosto de 2012
EM FEVEREIRO, o Ministério da Educação (MEC) anunciou um amplo programa de doação de tablets para professores do ensino médio das redes públicas federal, estaduais e municipais. De lá para cá, o projeto Educação Digital – Política para Computadores Interativos e Tablets, aparentemente andou pouco. O governo garante que está seguindo o cronograma e que este semestre os equipamentos serão entregues. Segundo o MEC, os aparelhos já entraram em linha de produção, mas ainda não foi definida a data de início da distribuição. A entrega começará por escolas urbanas que já tenham internet banda larga com rede sem fio e laboratório do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo). Depois dessas escolas do ensino médio, a distribuição pode atender a unidades do ensino fundamental, começando pelos professores dos anos finais desse nível.
A licitação foi concluída em junho. Os aparelhos serão fornecidos por duas empresas: Digibras (que detém a marca CCE) e Positivo. Pelo contrato, está prevista a compra de 900 mil dispositivos, pelo valor total de cerca de R$ 333 milhões. No entanto, o governo não precisa adquirir todos os equipamentos. O MEC informou que vai doar 600 mil tablets aos professores e que os demais 300 mil poderão ser comprados pelas prefeituras e governos estaduais pelo preço da licitação. Caso ninguém solicite, não serão adquiridos. Até o fechamento desta edição, todos os estados haviam pedido a inclusão no programa de compra, exceto Maranhão e Alagoas.
Os tablets do Educação Digital devem se conectar à internet por meio de redes sem fio e acessar qualquer tipo de site, inclusive aqueles que usam Flash para exibir animações, vídeos, jogos ou outros recursos interativos. Mas não foi estabelecido no edital que venha embarcado, no equipamento, qualquer software de cunho educacional – o que vem causando polêmica entre os educadores. A licitação, defendem, não deveria ter sido feita sem um projeto pedagógico para o uso do tablet nas escolas. Acrescentam ainda que faltam aplicativos didático-pedagógicos aprovados pelo próprio Ministério para a plataforma Android, sistema operacional dos aparelhos.
Um dos críticos é o professor Frederico Gonçalves Guimarães, da prefeitura de Belo Horizonte (MG). Biólogo e professor de ciências, atualmente desenvolve na secretaria de Educação de sua cidade uma distribuição Linux focada nas necessidades das escolas: “Existe uma ou outra, mas não há um ecossistema de aplicações livres para tablet. No máximo, o que se tem são programas que poderíamos usar com finalidade educativa, mas não foram necessariamente pensados com esse fim. Preocupa-me o fato de não ter sido feita nenhuma indicação, nenhum planejamento pedagógico prévio”.Apesar disso, Guimarães aponta benefícios com o atual modelo de distribuição: “O aparelho seria muito bem usado nas escolas para leitura. Seria interessante ter livros didáticos multimídia e com interatividade, mas ainda não conheço nenhum livro livre desse tipo. Se o viés for livro didático digitalizado, o ganho pode ser grande porque fica mais fácil atualizar o conteúdo, diminuir o volume de distribuição e incorporar recursos educacionais abertos e material da Wikipedia”.
A professora Léa Fagundes, que se dedica há mais de 20 anos ao estudo do uso de informática na educação, é uma das defensoras da introdução de dispositivos, mesmo sem planejamento prévio. O educador, diz ela, precisa se manter atualizado; e a escola precisa oferecer meios para inserir o aluno socialmente, acompanhando as mudanças comportamentais. “Estamos tratando de uma verdadeira revolução cultural – passamos da sociedade industrial para uma sociedade do conhecimento, de uma cultura da tecnologia analógica para uma cultura da tecnologia digital que amplia os poderes cognitivos do homem”, explica.
Ela não acha necessário haver aplicativos e conteúdos já elaborados, pois o que se exige atualmente é a capacidade de criar dos alunos e também dos professores. “Não se necessita mais planejar aulas com princípio, meio e fim. Toda a atividade de descoberta, de invenção, de planejamento, de busca de soluções pode ser criativa. Não se trata de baixar materiais, mas de investigar, pesquisar, reconhecer e usá-los gerando novas relações, novos sistemas de significação, novos sistemas conceituais, porque aprender não é reproduzir, mas redescobrir. Nesse caso de inclusão da escola na cultura digital, toda a inovação tecnológica é valiosa. Novos recursos servem para despertar curiosidade e sustentam o processo de desenvolvimento de novas atividades”, alerta a professora.
Projeto-piloto
Desde novembro de 2011, os 37 professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental Stella Maris Administração Estadual, de Alvorada (RS), usam tablets dentro e fora da sala de aula. Na maior parte das vezes aproveitam a conexão sem fio para navegar na internet e fazer pesquisas com a ajuda dos alunos. Alguns criaram um sistema de rodízio para dar aos estudantes a chance de desenhar, escrever, jogar, buscar vídeos ou ler com o aparelho.
“É bom porque é outra forma de a gente aprender. Quando a gente tem uma dúvida, a professora vai lá, pesquisa e mostra na hora. Fica mais fácil lembrar as matérias”, diz Andressa Macedo da Silva, de 14 anos, aluna do sétimo ano fundamental. Ela conta que o tablet é muito usado para busca de imagens de referência na aula de educação artística e de mapas na de geografia, o que costuma prender sua atenção e a dos colegas. “É mais divertido”, resume.
O tablet é visto pelos governos federal, estaduais e municipais como alternativa de custo mais baixo que os netbooks distribuídos em programas como o Um Computador por Aluno (UCA). Ser mais barato, porém, não significa ser menos eficiente em seus propósitos. Na escola de Alvorada, os professores vêm conseguindo engajar os alunos e melhorar a fixação de conteúdo graças à agilidade que o aparelho proporciona.
“Acessamos o Youtube e o Google em busca de material na hora em que surgem as dúvidas”, explica Joseane Niquel, professora de ciências da Escola Stella Maris. “Faço com que usem o editor de textos e até a planilha. A maioria dos alunos conhece o Facebook ou o MSN, mas poucos sabem editar um documento”, diz. Para ela, os benefícios são tangíveis. Em primeiro lugar, a motivação dos jovens cresceu. Muitos são donos de celulares que, apesar de proibidos em aula, ficam à mão e causam distrações. O tablet mudou parcialmente esse comportamento. “O aparelho torna a aula mais atraente. Os alunos passaram a prestar mais atenção. Além disso, aqueles que têm mais dificuldade podem aprender com jogos educativos”, observa.
A adaptação dos professores da escola de Alvorada tem sido fluida e constante. Em pouco mais de dez meses de uso, todos já levam o aparelho para a classe. Uma vez por mês, pelo menos, eles se reúnem com um profissional da empresa MSTech, que desenvolve programas e projetos de tecnologia educacional, para um treinamento. “No começo, tinha professor que não sabia nem usar o básico; agora, todos já aproveitam os recursos com os alunos”, relata Joseane, que leva o aparelho para casa e faz o planejamento de aulas usando editor de texto e planilha.
As informações coletadas em Alvorada estão sendo analisadas de perto pela Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul. A escola Stella Maris foi escolhida para o projeto-piloto do uso de tablets no ensino estadual. Os testes vão até novembro. Se tudo sair conforme o esperado, a entrega dos equipamentos aos docentes passará a se constituir em uma ação efetiva do Projeto Província de São Pedro – programa de modernização do ensino gaúcho.
O teste vem sendo feito naquela escola por vários motivos. Primeiro, por ser uma cidade próxima a Porto Alegre, situada no que é conhecido como Território da Paz, região de periferia onde a presença do estado é quase nula. O projeto contribuiria para inclusão digital de quem vive ali. Segundo, para aproveitar melhor o sinal 3G, uma vez que os tablets recebidos pela Stella Maris foram doados pela Samsung, enquanto a operadora de telefonia Claro liberou o acesso a sua rede de dados sem custo algum.
“Quanto mais você facilita e oferece possibilidade de manuseio da tecnologia, mais aumenta seu uso no planejamento pedagógico”, defende Ana Claudia Figueroa, diretora do departamento de logística e suprimento da Secretaria da Educação, responsável pelo envio dos aparelhos a Alvorada e pela distribuição da próxima grande leva. O governo do Rio Grande do Sul é um dos que encomendaram tablets para professores do ensino médio dentro do programa do MEC. Serão 22 mil aparelhos distribuídos para cerca de mil escolas no estado.
Conversíveis
Em Pernambuco, a política de inserção digital no sistema de ensino prevê o uso dos tablets, mas adotou um caminho diferente. Em vez de apostar em um equipamento Android, sem teclado nem software educacional na memória, a secretaria estadual de Educação preferiu unir os dois mundos. Assim, começou a distribuir neste semestre 157 mil máquinas conversíveis. Os PCs conversíveis são aqueles que podem funcionar tanto como um netbook quanto como um tablet. Para isso, têm a configuração de um PC comum, mas a tela é sensível ao toque e pode se dobrar sobre o teclado físico, transformando o aparelho em um tablet. A vantagem, garante a secretaria, é que o equipamento pode trazer as facilidades de produção de conteúdo de um e aproveitar a portabilidade do outro. Além disso, já estão instalados programas educacionais – material que vem sendo desenvolvido desde 2007, quando a Intel, idealizadora do equipamento, trouxe ao Brasil o primeiro modelo de seu Classmate PC.
Em compensação, esse tipo de computador é mais caro do que o tablet comum. Também é mais pesado e tem bateria de menor duração, o que exige maior número de recargas – dependendo da intensidade de uso, mais de uma vez ao dia. As máquinas serão entregues a estudantes do segundo e terceiro anos do ensino médio das escolas estaduais pernambucanas e quem for aprovado no último ano poderá ficar com o aparelho. Inicialmente, as unidades localizadas em municípios com mais de 300 mil habitantes e as 23 unidades que obtiveram notas maiores do que 5 no Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (Idepe) receberão os equipamentos. Cerca de 23 mil devem chegar aos alunos ainda este mês. Até o final do ano, a distribuição deve alcançar todos os demais, representando um investimento de R$ 106 milhões.
Em São Paulo, fala-se em adotar tablets a partir de 2013. O governo do estado lançou em fevereiro um chamamento público convidando empresas privadas a desenvolver um projeto amplo de inserção de TIC nas escolas públicas. Pelo documento, as empresas devem apresentar um plano de implantação de lousas digitais, laboratórios de informática, tablets, software educacional e projeto pedagógico que dê coesão a todos esses elementos. A rede paulista tem 2,95 milhões de alunos, distribuídos em mais 5 mil escolas. As empresas deverão não somente fornecer o material, mas participar da gestão do projeto, formar professores e implantar a infraestrutura necessária.