Não deixe a porta aberta
Tenha sempre em mente que a internet é um espaço público
ARede nº66 – janeiro/fevereiro de 2011
Imagine-se na avenida mais movimentada da sua cidade, pregando na parede um cartaz com seu nome, foto, idade, dicas de baladas que frequenta. Dois quarteirões adiante, você coloca outro cartaz, fazendo comentários sobre aquele professor de química que todo mundo sabe que dá aula no ensino médio do colégio estadual, nas noites de quintas-feiras. Mais três quarteirões, seu cartaz fala da câmera fotográfica bacana que você comprou ontem pela internet, no loja de departamentos. Todo mundo que passar pela avenida pode ler. Alguns podem ler e juntar os dados para tentar te localizar. Outros podem ler e usar essas informações para fazer coisas em seu nome. Pois é, assim funciona a internet, um espaço público que parece absolutamente virtual. Mas tem uma ponte direta com o mundo real.
Não há dúvidas de que os cidadãos devem ter o direito sagrado – e constitucional – de “espalhar seus cartazes” pelo mundo afora. Afinal, a democratização da comunicação e a liberdade de expressão são os maiores méritos da rede mundial. Mas cada um precisa se dar conta de que tem responsabilidade em relação à proteção de seus dados pessoais. Especialistas da área têm se declarado muito mais preocupados com a “evasão” do que com a “invasão” de privacidade. Na medida em que cresce a interatividade, alertam os técnicos, aumenta também a vulnerabilidade. Um dos motivos: as pessoas buscam se reposicionar e rever seus conceitos, diante de uma mudança de paradigma que coloca no âmbito público informações até então de caráter privado, como fotos de família, hábitos sexuais, críticas a colegas de trabalho, entre outros.
As armadilhas são muitas. Por exemplo, a falta de bom senso. “As pessoas estão querendo falar. Falar das suas vidas, dar opinião sobre as coisas. Isso é maravilhoso. Antigamente, a TV mostrava o mundo e nós assistíamos, não podíamos nos mostrar. Chegou a hora de tirar esse atraso. Mas tem gente que fala em uma rede social como se estivesse na sala da sua casa. Se esquece de que não estão sendo ‘ouvida’ só pelos amigos”, diz Roney Belhassof, consultor de presença on-line. Fazer perfis nas redes sociais, cadastros em operações de comércio eletrônico, web banking e até mesmo em serviços de governo eletrônico equivalem – independente do grau de segurança dos sites, que é uma outra discussão – colocar cartazes pela “via” expressa. Um robô de busca – programas que rastreiam e cruzam informações – monta facilmente o quebra-cabeça.
Outro perigo é o desconhecimento da tecnologia. As pessoas não fazem ideia de que um simples cadastro para um site de jogos vai para um banco de dados que pode processar e até vender essas informações. Ou imaginam que instalar um filtro é suficiente para evitar intrusos. “Bastam cinco minutos navegando na internet para um computador ficar comprometido”, avisou a pesquisadora Cristine Hoepers, do Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil, órgão ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). É bom ter em mente quem assim que alguém lança um software de segurança, outro alguém começa a trabalhar para driblá-lo. “Para estar totalmente protegida, a máquina precisa ter todos os programas atualizados e muito bem configurados. Isso é irreal”, analisou a especialista, durante um seminário sobre o tema, no ano passado.
Pegadas digitais
Mais um risco: acreditar no anonimato on-line. No mundo concreto, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2009 mostrou que 87% das pessoas podem ser identificadas, sem fornecer seus nomes, por meio do cruzamento de dados do Censo. No mundo virtual, esse percentual sobe para quase 100%. Mesmo que se use um nome fictício. Todos os computadores, para se conectar à internet, recebem um número de identificação, o famoso IP (Internet Protocol). Esse número fica registrado nos servidores que conectam a máquina à rede. Toda vez que o usuário faz um comentário em um blog, publica uma foto, posta um tuíte, enfim, em qualquer movimentação feita na máquina, fica registrado o IP. Pela legislação atual, se houver um inquérito policial, o dono do blog ou o provedor de acesso têm obrigação de revelar o IP de onde veio a informação.
Da mesma forma, você não “desaparece” da rede completamente ao tirar seu perfil do Orkut, por exemplo. A pagina da rede social é apagada. No entanto, alguma coisa postada anteriormente pode ter sido copiada, replicada e distribuída sabe-se lá em que proporções. Aí, não tem volta. E a prudência deve ser redobrada quando se trata de tuítes – aqueles 140 caracteres que as pessoas escrevem muitas vezes por impulso, em alguns casos sob efeito de emoções. Belhassof conta que costuma passar às pessoas o que chama de “a regra dos 90 segundos”. Em uma explicação simplificada do funcionamento do sistema nervoso central, ele lembra que, quando o ser humano se sente sob ameaça, aumenta a carga de adrenalina no sangue – o que inibe certas funções de raciocínio e deixa os músculos mais rápidos para que a pessoa tenha uma reação rápida, de correr ou atacar. Essa reação química dura 90 segundos: “Tempo suficiente para tuitar quatro vezes!”, diz o consultor. (A.L.)