Um laptop por aluno
Em Piraí, a Educação dá um salto: todos os estudantes da rede municipal serão conectados. Áurea Lopes
A gente vai ser obrigada a dar aula com o computador? Já imaginou todas as crianças mexendo nos seus notebooks ao mesmo tempo… não vamos ter problemas de disciplina dentro da classe? E o que vai ser de nós quando aparecer aquele aluno que entende de informática mais do que a gente?
Durante uma reunião onde diretores de escolas e coordenadores pedagógicos foram apresentados a uma proposta educacional que prevê o uso de computadores portáteis em sala de aula, vieram à tona os mais variados medos. No entanto, os temores não diminuíram nem um pouquinho o entusiasmo desses educadores de Piraí, no Rio de Janeiro — que em 2001 se tornou a primeira cidade digital brasileira e agora inova, mais uma vez, ao colocar notebooks nas mãos de cada um dos 6 mil estudantes da rede municipal.
As 21 escolas da região serão beneficiadas pela novidade. Com isso, todos os 500 professores vão protagonizar a construção de um revolucionário processo de ensino-aprendizagem, enfrentando desafios para os quais ainda não existem fórmulas prontas. Ao contrário, as soluções terão de ser encontradas por eles próprios, colaborativamente. “O nosso caminho se fará ao caminharmos”, diz Maria Helena Cautiero Horta Jardim, coordenadora pedagógica do projeto. “As escolas têm liberdade de usar os computadores da forma como acharem melhor, nas disciplinas e nas atividades que desejarem, por quanto tempo de aula quiserem. Mas, seja qual for a opção didática, certamente os educadores terão de repensar seus projetos político-pedagógicos, pois a dinâmica da aula, a relação professor-aluno não será mais a mesma”, completa.
Esse é o preceito que rege o iNova Educação, projeto educacional vinculado a um projeto mais amplo, o Piraí Digital. A idéia de fornecer classmates (portáteis desenvolvidos especialmente para uso em sala de aula) a todas as escolas do município foi inspirada na bem-sucedida experiência da iniciativa Um computador por Aluno (UCA), do governo federal, que em setembro de 2007 foi implantada no Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Professora Rosa da Conceição Guedes. “Com a chegada dos computadores do UCA, a vida na escola mudou. E mudou para melhor. Nosso índice de evasão é menor do que 2%. Só perdemos alunos que completam 18 anos e deixam a escola para trabalhar”, relata Jocemar Rodrigues de Moraes, diretor do Ciep municipalizado, que se tornou campeão de procura pela comunidade.
Professores mais criativos
O diretor aponta avanços de aspectos pedagógicos tanto da parte dos alunos, que ganharam em motivação, auto-estima e autonomia de estudos, quanto da parte dos professores, que precisaram rever paradigmas, se tornar mais criativos, abandonar as práticas predominantemente teóricas. “No início, pensamos que os computadores deixariam os alunos mais individualistas. Mas não foi isso que aconteceu”, conta Moraes. Ele explica que as crianças reagem com um forte senso de cooperação, quando um dos colegas apresenta uma dificuldade. Ou seja, mesmo cada um tendo o seu próprio equipamento — que fica guardado no armário, dentro da sala de aula — um aluno ajuda o outro na hora de fazer os trabalhos ou pesquisas.
Para o professor de história Marcello Machado Carega, que acompanhou a implantação do UCA na escola, os docentes precisam compreender qual é o papel do computador em um plano de aula: “Não basta saber usar o equipamento, conhecer as funções de um processador de texto, de uma planilha de cálculos, ou estar habituado a fazer consultas na internet. O importante é ter uma boa aplicação para tudo isso. Também não se trata de substituir os livros pelo Google, mas de dosar os dois instrumentos, combinando as atividades convencionais com as atividades virtuais”.
“Não tenho computador na minha sala de trabalho, tenho em casa mas não uso. Na verdade, não vejo utilidade no computador, não preciso disso para nada na minha vida. Mas vou ter de aprender a usar, senão ficarei excluída”
Embora a experiência do UCA no Ciep vá servir para as demais escolas contempladas pela iniciativa do governo do Estado do Rio de Janeiro, alguns educadores admitem que têm um longo caminho a percorrer. Jane Vidal Rodrigues Torres é diretora geral da escola Lúcio de Mendonça. Dentro de um mês, todos os 1.200 alunos que estão sob sua supervisão vão receber um classmate novinho, com tela ampla e câmera. Mas Jane confessa que não sabe o que fazer com essas “lindas maquininhas”. Ela não é uma internauta.
A orientadora pedagógica Gleicy Soares Amadeu, da escola Professora Margarida Tompson, reforça a necessidade de trabalhar com os professores: “Nos laboratórios de informática, as crianças mexem no computador, mas os professores não. Eles é que precisam estar preparados”. Casos como esses estão na mira da secretária de Educação de Piraí, Angela
Maria Fajardo Reis. Nosso plano de formação de professores vai atacar prioritariamente a sensibilização dos docentes, para que vençam o medo da tecnologia.
“Depois, eles vão ter acesso a materiais que possam utilizar nas atividades em classe, como por exemplo o Geogebra, que é um pendrive de 8 Gb só com conteúdos de matemática”, informa.
Superando os entraves
O desempenho do iNova Educação, desenhado segundo os mais atuais conceitos de utilização das TICs como instrumentos pedagógicos, esbarra em dois entraves físicos, que podem dificultar a obtenção dos bons resultados possíveis. Um deles diz respeito à conexão. A cidade de Piraí dispõe de um link de 6 Mb, fornecidos pela Rede Rio — dos quais 1 Mb é destinado à escola onde funciona o UCA. Com a chegada dos computadores às demais 20 escolas, será preciso ter, no mínimo, mais 1 Mb por escola, o que significa uma ampliação de 20 Mb na banda de acesso do município. Franklin Dias Coelho, coordenador tecnológico do projeto e responsável pelo programa Piraí Digital, informou que já foi encaminhada para a Rede Rio a solicitação de ampliação. “Não tenho dúvidas de que vamos ser atendidos”, diz.
Outra demanda dos próprios professores é que eles também tenham um notebook, não apenas os alunos, para que possam estreitar o contato com o equipamento e acompanhar as atividades em classe. Este também é um pedido que deverá ser atendido pela própria prefeitura de Piraí, de acordo com a secretária Angela Maria, “mesmo que seja sob a forma de conceder uma linha de crédito especial para aquisição das máquinas pelos professores”.
Arquitetura das parcerias
O governo do Estado do Rio de Janeiro aplicou R$ 4 milhões na compra dos equipamentos, fabricados pela Positivo. Cada classmate custou por volta de R$ 700,00. Coube à prefeitura de Piraí a contrapartida de 20% para remodelação das instalações (infraestrutura de comunicação, armários para guardar os notebooks etc.). Os recursos financeiros vieram do governo do Estado (equipamentos, Projeto Piraí Digital, fornecimento do link por meio da Rede Rio), dos ministérios de Ciência e Tecnologia (laboratórios das escolas), Comunicações (antenas Gesac, expansão das redes), da Comunidade Econômica Européia e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A assessoria pedagógica do projeto e a capacitação dos professores está a cargo das universidades Federal Fluminense e Federal do Rio de Janeiro. O Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Cederj) vai produzir o material didático e abrigar as formações nos pólos de aprendizagem.
Outros parceiros como Ministério da Educação, CNPq, Sequoia Foundation, Instituto Cultural Cravo Albin, e as empresas Cisco, Intel, Metasys, Smart, P3D contribuem com conteúdos, treinamentos e produtos como softwares e hardwares.