Estudantes movimentam, pela internet, telescópios robóticos em vários estados de todo o país
Áurea Lopes
ARede nº 41 Outubro de 2008 – Em algumas noites de céu aberto, o telescópio Argus, instalado no Observatório Abrahão de Moraes, em Valinhos (SP), deixa de ser um simples instrumento para observação científica. Operado via internet pelas mãos de estudantes de escolas públicas que estejam em qualquer canto do país, o equipamento se torna um mestre muito eficaz. Os alunos, encantados com a possibilidade de fazer o aparato robótico se movimentar remotamente, em tempo real, não apenas se sentem estimulados a buscar conhecimento. Mas desfrutam do melhor da tecnologia educacional: a interatividade e o compartilhamento das informações.
O Argus é uma das opções disponíveis no projeto Telescópio na Escola (TnE), criado pelo Departamento de Astronomia do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo com a proposta de “desenvolver habilidades e competências no uso do método científico em projetos interdisciplinares, a partir de observações astronômicas, já que a astronomia é uma área interdisciplinar por excelência”. O projeto é aberto a escolas públicas e particulares de todo o país, para turmas de segundo grau e ensino superior, desde que os professores tenham como foco despertar o interesse pelo estudo de Astronomia.
Observações à distância também podem ser feitas com outros telescópios integrados ao programa: do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), das universidades federais do Rio Grande do Norte (UFRN), do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Rio de Janeiro (UFRJ), de Santa Catarina (UFSC), e da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Todos de pequeno porte, porém dotados de recursos de última geração, com um sistema de montagem que permite ajustes finos no apontamento das lentes para o céu, espelhos refletores que diminuem as distorções de imagem e câmeras fotográficas. “De altíssima qualidade”, avalia o professor de Física Adriano Aubert Silva Barros, que levou o TnE a escolas da rede estadual de Alagoas.
O procedimento é gratuito, simples e não requer especialização. Na noite agendada previamente junto ao IAG, os alunos se reúnem em torno de um computador ou de um telão onde são projetadas as páginas do site do TnE. Em um formulário de interface amigável, alguém digita as coordenadas celestes, o tempo de exposição da imagem a ser captada e o filtro desejado. Automaticamente, o telescópio se posiciona e envia as imagens solicitadas, que podem ser salvas para análise posterior. No local onde está o equipamento, um técnico acompanha a atividade, em comunicação online com o grupo, para eventuais esclarecimentos ou suporte na operação.
“A escola não precisa ter hardware nem sistema operacional parrudo. Todos os programas rodam também em Linux”, informa Laerte Sodré Jr., professor do IAG que coordena o projeto. Um dos programas foi desenvolvido pelo professor Antonio Kanaam, junto a seus alunos da UFSC. Lívia Aceto, monitora do TnE, explica que no site do projeto os professores encontram apoio didático e sugestões de atividades, para diferentes níveis de ensino. “Mas o professor não é obrigado a optar por uma dessas sugestões. Pode simplesmente agendar a observação, determinar os objetos que deseja observar e utilizar as imagens feitas em um plano de aula ou um projeto pedagógico próprio”, diz Lívia. “Além disso, os observatórios estão abertos à visitação e acabam se tornando centros de ciências regionais”, acrescenta Sodré Jr.
Professora de Física da EE Patriarca da Independência, em Vinhedo (SP), Maria Clara Igrejas Amon ministra um curso extraclasse de Astronomia para alunos do ensino Médio. O curso surgiu a partir do entusiasmo gerado pelo projeto TnE. Os estudantes fizeram uma atividade orientada pelo IAG — a medição de crateras da lua. Como precaução para a noite da observação, a professora dá a dica: verificar a previsão do tempo no site do TnE. Além disso, ela fez uma preparação da observação por meio do programa gratuito Cartes du ciel (www.stargazing.net/astropc/pindex.html), que simula as condições do céu no dia marcado. Outro programa gratuito para analisar imagens astronômicas indicado por Maria Clara — para medir as crateras da Lua, por exemplo — é o DS9. “Também agendei uma observação sozinha, antes dos alunos, para conhecer o programa do TnE, ver quais seriam as dificuldades. Assim aproveitamos melhor o tempo”, conta Maria Clara, que agora vai levar a turma para ver o Argus, ao vivo, no Observatório em Valinhos.
Veterano na utilização do programa do IAG, o professor Barros, de Alagoas, já implantou projetos de sucesso na rede pública, como o Fazendo Ciência na Escola e o Estudando o Universo. Nos telescópios do TnE, seus alunos observaram, por exemplo, aglomerados estelares, para detectar estrelas que mudam de brilho. Ou fizeram estudos de parâmetros de estrelas duplas, observando os ângulos de posição e separação desses astros.
Para ele, um dos benefícios do programa é a abertura para a interdisciplinaridade: “Além da Física, eles exercitam conhecimentos de geometria analítica, por exemplo. Ou de língua portuguesa, quando são orientados, pela professora de português, na escrita de seus projetos de iniciação científica”.
Animado com os resultados do trabalho, Barros comemorou até o reconhecimento obtido pela secretaria estadual de educação do estado de Alagoas, que mandou um laboratório de informática novinho para uma escola, depois que os alunos tiveram dificuldade em participar do TnE porque os computadores eram “pré-históricos”.