No comando da inclusão digital

Cezar Alvarez, assessor especial da Presidência da República, assume a coordenação das ações do governo federal na área, o que também vai envolver, diz ele, a consolidação de um Plano Nacional de Banda Larga. A idéia é articular iniciativas federais, estaduais e municipais, empresas e movimentos sociais, para evitar desperdícios e potencializar resultados.


Cezar
Alvarez, assessor especial da Presidência da República, assume a
coordenação das ações do governo federais na área, o que também vai
envolver, diz ele, a consolidação de um Plano Nacional de Banda Larga.
A idéia é articular iniciativas federais, estaduais e municipais,
empresas e movimentos sociais, para evitar desperdícios e potencializar
resultados.

O assessor especial da Presidência da República, Cezar Alvarez, assumiu
a coordenação dos programas federais de inclusão digital, e, com ela,
também o desafio de consolidar dentro do governo as propostas de um
Plano Nacional de Banda Larga. Para atualizar a estrutura de
telecomunicações do país, ele defende a combinação de três
ingredientes: um backbone público (como o disponível na Eletronet),
eventualmente compartilhado com prestadores privados de serviços; a
conversão das metas de universalização das operadoras de telefonia em
instalação de backhaul (pontos de acesso banda larga), numa alternativa
aos Postos de Serviços de Telecomunicações; e a inclusão de conexões
banda larga móveis entre os quesitos das licitações das freqüências
para a terceira geração da telefonia celular. Cezar afirma que estão
sendo analisadas as diversas ações federais de inclusão digital, mas
ele já detecta  duplicação de esforços, desperdícios e ausência de
uma visão articulada de sustentabilidade. Para estruturar um Programa
Brasileiro de Inclusão Digital, começou a compor comitês de trabalho
com integrantes dos vários ministérios envolvidos no tema. A idéia é
repactuar as iniciativas, fortalecendo a participação de governos
locais, da sociedade civil e de empresas. De modo a evitar o que
considera uma presença exagerada da União nos projetos. Cezar Alvarez,
que é o responsável pelo programa Computador para Todos, adianta que o
governo vai licitar entre 100 mil e 200 mil micros portáteis
educacionais com software livre, para  o projeto Um Computador com
Aluno (UCA). A idéia é que os laptops sejam entregues até outubro.


ARede •
Como será a coordenação dos programas de inclusão digital, e a
construção de um plano nacional de combate à exclusão digital?


Cezar •
Cada área continua com suas responsabilidades, seus projetos,
suas prioridades,  sua visão setorial e a legitimidade dela. Meu
papel é ajudar a que essas áreas se conversem, se potencializem — da
compra à capacitação e ao suporte —, e  que evitem duplicação.
Para que, juntos, sejamos capazes de criar novos programas ou ações que
completem lacunas, nas muitas dimensões do papel do governo na inclusão
digital — seja na dimensão pedagógica, ou de serviço e informação à
cidadania, seja no uso, como governo consumidor, até no fomento dos
telecentros, já na dimensão de política social. Superando a visão de
telecentro de um único tipo.

Em algumas regiões, há telecentros que são um espaço quase único de
cidadania. Por exemplo, no semi-árido, alguns têm papel estratégico na
produção, ou para um pequeno núcleo de pescadores, ou numa região de
agricultura familiar. Isso é uma experiência muito forte do Mdic
(Ministério da Indústria), os telecentros adquirindo, cada vez mais, a
dimensão de serviços. A idéia, então, é detectar lacunas e potenciais a
explorar. De modo que as ações estejam incluídas em uma política
estratégica, acordada em comum entre as diferentes partes, mas
preservando as especificidades.


ARede •
Já há  um diagnóstico dos programas?

Cezar •
Principalmente na área dos telecentros, é evidente a
duplicação, as lacunas e as dificuldades de construir uma visão comum
da auto-sustentabilidade. É preciso trabalhar com parcerias, seja com
mini-sociedades usuárias em torno de um telecentro, seja com aquele
setor social, quando o telecentro está mais viculado a um serviço, ou
sejam as lideranças daquela comunidade, ou o prefeito ou a prefeita. É
preciso haver uma visão clara da capacidade de sustentação.

É lisonjeiro, mas preocupante, que, no primeiro mapa da inclusão
digital, feito pelo MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia), via Ibict
(veja a página 24), de 16 mil pontos, cerca de 11 mil sejam da União. É
evidente a distorção, em um estado federativo com 27 unidades e 5,4 mil
municípios. O governo federal não precisa abrir mão de fazer
diretamente, mas tem que trabalhar de forma associada; tem que haver
uma repactuação federativa. A partir daí, queremos desenvolver
políticas de serviços, eventualmente fomentar aplicativos comuns. A
capacitação, por exemplo, não pode ser digitação, alfabetização
digital. Inclusão significa uma capacidade de obter, armazenar,
produzir, criticar, modificar a informação que está na rede ou num
banco de dados. Queremos ampliar e atualizar o conceito de inclusão com
essa dinâmica mais ampla. E também como instrumento para aumentar a
possibilidade do emprego, de capacitação profissional. São questões em
fase de diagnóstico, depois serão hierarquizadas, e nós teremos um
plano de ação mais efetivo, com metas, responsabilidades, indicadores,
custos. É uma repactuação.


ARede •
Em que prazo será possível ter esse plano e essa repactuação?

Cezar •
Ainda estou apresentando [a idéia] aos ministros, cujas áreas
têm atuação nesse mundo da inclusão digital. E eles estão designando
dois assessores para trabalhar comigo. Um será um quadro técnico, que
formará uma coordenação operacional, em que trabalharemos juntos dez,
12, 15 ministérios. Estou dizendo que gostaria que fosse um quadro
técnico e que, no mínimo, 20% do seu trabalho pudesse ser para essa
ação. Depois, a idéia é constituir um comitê técnico-político, com os
secretários das áreas, com visão das grandes diretrizes.

Outra dimensão é que essa articulação do governo federal discuta
federativamente com as entidades de prefeitos e governadores, seus
secretários de Educação, Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia,
com os movimentos sociais, as ONGs que trabalham o tema; e,
principalmente, com os diferentes ramos das empresas envolvidas —
equipamentos, área de transmissão, internet, conteúdos, aplicativos.
Para — e aí é uma meta bastante ambiciosa — criar aquilo que poderemos
chamar de um Programa Brasileiro de Inclusão Digital. Porque a gente
percebe que diferentes setores sociais gostariam de ter uma mesa, onde
pudessem conhecer cenários de longo prazo e onde cada qual conhecesse
as estratégias dos principais atores, para definir suas estratégias
comerciais, empresariais, sociais, governamentais, estabelecendo um
mix, sempre  rico no desenvolvimento de um setor, de colaboração e
competição. Isso passará pela maturação das empresas brasileiras, que
vão ter que perceber que o Estado é um parceiro. Mas não se pode
reduzir a discussão à diminuição de tributos; tem de incluir a
produtividade, a competividade e a contribuição que cada empresa poderá
dar para inclusão digital.


ARede •
As ações federais de inclusão digital têm metodologias muito distintas. Seria possível definir requisitos mínimos?

Cezar •
É preciso trabalhar no fio da navalha entre a especificidade, a
história, a cultura que originou e em que se relaciona um determinado
programa com um determinado ambiente social, e os elementos comuns que
podem dar a ele mais efetividade, menor custo. Não posso
padronizar  num standard que não contemple a diversidade. Mas,
hoje, há muito mais dispersão e desperdício do que homogeneização e
pasteurização. Eu diria que está desbalanceado. Por isso, não por
acaso, o presidente [Lula] disse: ‘’vamos trazer à Presidência, ao meu
gabinete, porque percebo que cada órgão tem sua própria história, sua
cultura e é sempre muito cioso da sua autonomia. Mas, sem ferir a
autonomia de ninguém, vamos trazer para cá”. É uma decisão muito
ponderada do presidente.

Evidentemente, se uma coisa é capaz de ganhar escala, por exemplo, ao
ter um banco de dados mínimo, um banco de aplicativos, ou na área de
capacitação, de manutenção, e até na área da compra, da licitação, há
um longo caminho a percorrer, mas que trará eficácia e efetividade a um
sistema de inclusão digital. Quando eu falo em inclusão digital não
falo apenas da cultura de um usuário na ponta, mas também do
atendimento do SUS, do cidadão sendo informado do seu benefício na
Previdência, ou da vaga na escola. Também estou pensando numa cultura a
que o brasileiro médio já tem determinado acesso, em algumas
tecnologias com as quais ele já está familiarizado, como a tecnologia
bancária, ou o celular. É preciso ver, também, essa dimensão de
serviços de governo, e de serviços para uma determinada comunidade
produtiva. Uma das primeiras tarefas é atualizar esse diagnóstico. Mais
do que um cálculo contábil, é uma avaliação da efetividade de cada
proposta, do benefício. Dar uma olhada lá no princípio que gerou
determinado serviço ou equipamento e ver o que ele alcançou, que
resultados tem. Tentar, de forma não-burocrática, medir a efetividade
das ações do governo.


ARede •
Como a sua coordenação se articula com um Plano Nacional de Banda Larga? E como deveria ser esse plano?

Cezar •
Há um tema que perpassa tudo. É o compromisso do governo,
explicitado cabalmente pelo presidente no seu discurso, em primeiro de
janeiro, que inclusive parou no meio da leitura e disse: “vou repetir”.
E o que ele tinha lido e repetiu? “Até 2010 todas as escolas públicas
brasileiras terão equipamento de informática com conexão à internet em
banda larga.” Esse compromisso é o que vai mover esse grupo. Todas as
ações que tivermos e fizermos estarão nessa direção: o tema da banda
larga, chegando nas escolas e, aí, iluminando os municípios. A
combinação da ação pública — eventualmente estatal — com a realidade de
mercado é a grande busca do equilíbro, daquilo que é capaz de ser
provido pelo mercado e, aonde o mercado não vai, porque o seu
investimento e retorno não configuram bom negócio, o governo ou os
governos terão que ir.

Nesse sentido, a discussão de um backbone estatal deve ser vista com
muita normalidade. Se é um backbone que estará, também, com backhaul e
depois com os pontos de acesso, todo numa dinâmica exclusivamente
estatal, é uma discussão que vejo com reserva. Agora, um grande
backbone nacional que possa ser utilizado em comum, e a partir daí a
distinção se faça na disputa de serviços no mercado, com todos os
prestadores, é a idéia de que não dá mais para duplicar. Queremos ver
como podemos articular uma estrutura em que o mercado mantenha sua
competição, com sua distinção de preço e qualidade, e, eventualmente,
possa ser acordada uma infra-estrutura mínima e compartilhada. É menor
custo, maior lucro e menor preço para o consumidor, e maior capacidade
de incorporar tecnologia.

Estamos maduros para acelerar essa discussão. Claro que ela tem que
observar lacunas legislativas, questões de convergência tecnológica e
um mercado que, na área de telecomunicações, se reconcentra. Mas, no
final de junho, termina o prazo, já prorrogado, para as operadoras de
telefonia fixa começarem a implantação dos Postos de Serviços
Telefônicos (PSTs). Por isso, estamos trabalhando com o Ministério das
Comunicações, com enorme urgência, para vermos a densidade jurídica,
tecnológica e empresarial da hipótese de converter obrigações do PST em
construção de backhaul. Essa é uma discussão que, como anunciou o
ministro Hélio Costa, está no seu jurídico e será trazida ao presidente
[Lula] nesse período. Essa proposta não é excludente, mas complementar
à discussão sobre a construção de um backbone nacional, em que entram
as alternativas daquele sistema que já existia na Eletronet.

Se abrirmos o leque da atuação pública e privada para acelerar a banda
larga nas escolas, tem mais uma dimensão que é a terceira geração do
celular. As licitações [da Anatel, para venda das freqüências da 3G]
podem combinar preço da licença e cobertura dos serviços banda larga.
Na licitação da 3G, o ministro Hélio Costa não exclui que ganhe quem
tiver preço x, mas também quem fizer conexão em banda larga em mais
municípios. Então, no mínimo, já estou com três moedas para banda
larga: estrutura própria, conversão de PST e 3G. Temos que acelerar
essa discussão dentro do governo.

A idéia de uma coordenação é combinar essas ações, que significam a
atualização da infra-estrutura de telecomunicações no Brasil, o que é
estratégico para um projeto de desenvolvimento. Qual é a dimensão que
banda larga não perpassa? Não é um projeto de governo, é um projeto de
Brasil, de sociedade. Nesse quadro: da convergência, complementaridade,
conteúdos, legislação.


ARede •
Quais os próximos passos do projeto Um Computador por Aluno (UCA)?

Cezar •
Estamos batendo o martelo que vamos comprar entre 100 mil e 200
mil computadores. Vamos fazer uma licitação: se virá XO [o modelo da
ONG OLPC], Classmate [da Intel], Mobilis [da Encore], não sei; será um
computador, um device educacional. Equipamentos móveis para a sala de
aula. O computador chegará apenas em outubro. Até instalar, treinar
professores, começará, de fato, na sala de aula, a partir de 2008.


ARede •
A Positivo vai fabricar o XO?

Cezar •
A Positivo, mais do que fabricar o XO, quer fazer um acordo de
distribuição e suporte. Porque o XO é de uma ONG, que está fazendo um
acordo operacional. Mas, depois, e o transporte, e o suporte, e a
intalação e a distribuição? Estamos em novas fronteiras pedagógicas,
tecnológicas e, inclusive, da compra pública. Vou iniciar uma conversa
com o TCU (Tribunal de Contas da União), para contar como está o
projeto. Porque é um mercado novo. Nenhum desses equipamentos está
homologado na dimensão comercial. Haverá uma homologação de institutos
de pesquisa, mas homologação de uso, não. Por que? Porque o [Nicholas]
Negroponte [pesquisador do MIT, que liderou a proposta do XO e a
criação da OLPC] quebrou o paradigma que ele se propõs a quebrar, que
é: para revolucionar o processo pedagógico, num mundo em que educação e
aprendizado são permanentes, eu preciso das novas tecnologias. E o
mundo dos fabricantes só se preocupa com o bilhão de terráqueos que
consomem, e não com os outros 5,6 bilhões que não consomem, e que são a
juventude pobre dos países. O Negroponte disse: eu vou fazer a
indústria produzir um equipamento que baixe o preço. E a Intel já está
fazendo.


ARede •
No que consiste o UCA?

Cezar •
O UCA é uma atividade de governo muito ampla. Envolve
tecnologia e envolve política industrial. Se tiver que comprar o UCA no
exterior, até compro, no primeiro momento. Mas, depois, quero uma
associação que envolva produção nacional. Será que vou conseguir trazer
uma fábrica de semicondutor para o Brasil? Não sei. Quem sabe, consigo
trazer algumas das grandes áreas do display — o backlight, por exempo?
Há áreas de ponta, em que se deve ver onde se pode estimular, se
associar, ou ter políticas industriais para adensar a cadeia, enfrentar
diversidades regionais.


ARede •
A Microsoft anunciou pacote de aplicativos a US$ 3,5. A opção
pelo software livre tem a ver com custo ou estratégica tecnológica?


Cezar •
Tem a ver com o desenvolvimento da inteligência, com a
capacidade de desenvolver e adaptar aplicativos para nossa diversidade
étnica, cultural, territorial e social, além dos elementos de
segurança. A compra brasileira do computador educacional será feita com
sistema operacional aberto, um volume de aplicativos, e a capacidade de
desenvolver esses aplicativos. O preço é importante, mas não é o único
elemento de uma aquisição. Sem falarmos que, nas disputas comerciais
legítimas que existem no mundo, não vamos ficar refém de políticas de
dumping ou, depois, de exclusivismo e dependência tecnológica. O Brasil
não ficará, nos seus limites, evidentemente, refém de política
tecnológica naquilo que ele tem conhecimento. Estudo da Universidade de
Maastricht, na Bélgica, patrocinado pela União Européia, identificou,
no Brasil, 541 desenvolvedores de software livre, o maior número entre
os países pesquisados, com a Argentina em segundo lugar.