No Rio, moradores gostam da rede nas favelas.

Ainda se usa linha discada, mas todos parecem reconhecer que as coisas não vão funcionar perfeitamente do dia para a noite. Renata Sequeira*

ARede nº61, agosto 2010 – A primeira favela do Rio de Janeiro a contar com uma conexão à internet, por meio de uma rede pública e sem-fio, foi a do morro Santa Marta, em Botafogo. A iniciativa foi da Secretaria de Ciência e Tecnologia do estado e, nesta comunidade, tem o apoio da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). O serviço faz parte do programa Rio Estado Digital, que leva também cursos gratuitos aos moradores e levou o sistema Wi-Fi para as orlas de Copacabana, Ipanema e Leblon e para a Baixada Fluminense. Com exceção da Rocinha, as demais comunidades que receberam esse projeto (Santa Marta, Pavão/Pavãozinho, Cantagalo e Cidade de Deus) contam com a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

O projeto do Santa Marta foi o piloto para a instalação da rede nas demais comunidades. Mas lá, ainda hoje, há lugares em que o sinal não é captado. Antônio Guedes, morador da favela há 47 anos, acredita que isso não se deve à má qualidade do serviço: “Nós chamamos de ponto cego. Até mesmo telefone celular, em alguns locais, não pega. Na orla tem a internet, mas se a gente entra em algumas ruas também não pega. Não é um problema apenas da geografia da favela”.

A velocidade é boa e ele não ouve reclamações dos moradores. “No Santa Marta, a internet não era legalizada, mas não era do tráfico”, conta Guedes. “Hoje, as pessoas só não têm acesso a conteúdo pornográfico, mas conseguem ver vídeos no YouTube e entrar em sites mais pesados.” Para ele, trabalhar com projetos em comunidades é muito difícil, porque a internet é algo muito novo. “Achar que colocando hoje vai funcionar amanhã é algo irreal”, avisa. “Não adianta nada colocar a internet se a pessoa não sabe usar”, complementa Guedes. Ele vê de forma positiva os cursos oferecidos à população pela Fundação de Apoio à Escola Técnica do Estado (Faetec) e do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Rio de Janeiro (Proderj) – os cursos fazem parte do projeto e dar, à população, a possibilidade de acesso a este conteúdo é, de acordo com Júlio Lagun, subsecretário de Ciência e Tecnologia do Rio, o motivo pelo qual o governo decidiu implantar a rede nas favelas.

“Algumas pessoas continuam com a internet discada, assim como a maioria das lan houses ainda funciona, mas já há uma movimentação das pessoas para comprar as antenas”, explica ele. Nessas comunidades, há cerca de 30 antenas instaladas e uma pessoa na associação de moradores para ouvir as reclamações dos usuários e os pedidos para a instalação das antenas. “Os moradores deixam telefone de contato, endereço e fazem o pedido das antenas”, conta Tatiana Neres, moradora do Cantagalo desde que nasceu, há 32 anos. Ela está ansiosa para que seu computador fique pronto, porque não quer mais pagar pelo serviço de internet e sim usar a gratuita.

Muitas pessoas foram até a associação de moradores para buscar informações sobre a compra da antena, que custa R$140,00. Para quem não tem computador em casa, é possível ter acesso a um no espaço Criança Esperança, que funciona das 8h às 17h, ou nas lan houses da favela. Quanto aos cursos, os moradores das duas comunidades podem fazer pela Faetec. A propaganda no Cantagalo/Pavão-Pavãozinho foi feita pelos alto-falantes e houve também uma cerimônia de lançamento da rede, que contou com a presença do governador Sérgio Cabral.

Rede nova e rápida
Já na Rocinha, uma cooperativa de moradores, formada por aproximadamente 60 pessoas, acredita que o cliente é que deve ter a chance de escolher se quer a internet paga ou gratuita. “Desde 2002, eu e várias outras pessoas fazemos a distribuição da internet”, explica Alexandre Ferreira, morador da Rocinha. “Nós contratamos a velocidade e fazemos a distribuição. Hoje, com a ajuda do Sebrae, tentamos formalizar esse negócio.”

Esta é a forma que eles encontraram, segundo Ferreira, de ter acesso à internet. Ele não acredita que todos os moradores irão optar pela internet gratuita, oferecida pelo governo. “A Rocinha é muito grande”, explica: “Alguns moradores vão querer ter um acesso mais rápido para baixar música em pouco tempo. A conexão do governo está rápida agora, porque ainda não há a cobertura total”. Na Rocinha, quatro monitores ficam à disposição para tirar dúvidas e também fazer a instalação da antena. “Essas pessoas são da própria comunidade e dão dicas do melhor lugar para instalar a antena, qual é a melhor para comprar”, acrescenta Ferreira. “A procura está sendo grande.”

A implantação do acesso gratuito ainda é algo recente, então não podemos falar ainda sobre a velocidade da conexão, já que nem todos estão acessando a internet, diz Ferreira. Para ele, o que ainda falta na favela é um espaço onde os cursos possam ser oferecidos para a comunidade – os cursos da Faetec são oferecidos principalmente a distância, por meio do portal www.rioestadodigital.rj.gov.br, mas o governo pretende implantar unidades presenciais da Faetec ou Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs) em todas as comunidades.

De graça
Robson Umbelino é morador da Rocinha desde 1998 e não tem computador em casa. Ele diz que há muitos moradores nessa mesma situação, mas que dentro da comunidade é possível ter acesso a um computador com internet de graça. Como exemplos, ele cita o prédio da prefeitura, que fica em frente à favela, e o Canteiro Social. Ele diz que os moradores não encontram dificuldade em encontrar cursos gratuitos de informática e já percebe uma popularização tanto de computadores como notebooks e celulares com acesso à internet. “É muito legal ter a internet de graça e as pessoas estão muito satisfeitas”, constata Umbelino. Uma pessoa que sabe usar a internet pode facilitar a sua própria vida, diz ele: “Pode ter acesso ao andamento de um processo, utilizar os serviços da Defesa do Consumidor, do Detran, e os estudantes podem fazer pesquisas escolares”.

Na Rocinha, carros de som anunciaram que a internet gratuita ia ser instalada. Umbelino diz que, em outras favelas, o serviço também é elogiado pelos moradores. Para ele, além de o governo oferecer esse tipo de serviço, os próprios moradores podem se juntar e criar uma rede para dar acesso à população. “Se os moradores, de dentro e de fora da Rocinha, e os comerciantes se juntassem, e cada um comprasse uma peça de computador, e montasse, seria possível criar uma rede onde todos pudessem usar os equipamentos”, sugere. Para ele, a grande vantagem desse acesso à internet é o fato de ser grátis: “As pessoas gostam quando é de graça!”

*Renata Sequeira é repórter do portal Viva Favela, do Rio de Janeiro – www.vivafavela.com.br