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Novo Acessos
Governos estaduais começam a mudar os perfis de seus programas de inclusão digital.
Patricia Cornils
O primeiro grande projeto de inclusão digital de um governo estadual nasceu em São Paulo, em julho de 2000. Quase nove anos depois de iniciado o Acessa SP, ainda um dos maiores projetos do país, inclusão digital deixou de ser uma expressão estranha aos governadores. Em praticamente todos os estados há iniciativas das mais variadas. O foco de todas, ao nascer, foi a inclusão: prover acesso a computadores e à internet para a população de baixa renda. Aos poucos, no entanto, os programas estaduais estão deixando de ser sinônimos de telecentros e se incorporando a políticas estruturantes de acesso. Acesso à infraestrutura, como no Pará, que iniciou em 2007 o NavegaPará, um plano estadual de conectividade. Ou como no Tocantins, onde o governo elabora um projeto a ser implantado em dois anos para prover conectividade a 22 municípios. Acesso à educação em vários níveis, como em Minas Gerais, onde os telecentros e Centros Vocacionais Tecnológicos (CVT) passaram a fazer parte de uma rede estadual de formação profissional.
O conceito central dos projetos ainda é o acesso e não a apropriação ou o uso mais qualificado da informação. Isso fica claro em ma pesquisa realizada em 2008 pela Fundação Pensamento Digital, para a Universidade de Washington, sobre o acesso e a apropriação de tecnologias da informação e comunicação (TICs) em bibliotecas públicas, telecentros e cybercafés/lanhouses. A pergunta era a seguinte: “Quais são as necessidades de informação e as oportunidades para fortalecer as instituições que oferecem acesso público à informação e à comunicação, especialmente em comunidades de baixa renda e no uso de TICs?”
O levantamento constatou que a vontade política de criar telecentros é, no Brasil, maior do que a de investir nas bibliotecas públicas ou de apoiar lanhouses e cybercafés. Que ainda não existem políticas de colaboração entre esses três pontos de acesso.
Que o público não enxerga telecentros e lanhouses como fontes de informação, mas como um recurso de comunicação.
E que a maior parte dos usuários ainda não entendeu como integrar efetivamente as TICs em suas vidas e em seu trabalho — seja porque não foi capacitado para isso, ou porque não consegue identificar os possíveis benefícios. Os gestores também não percebem o potencial mais amplo da tecnologia, para ajudar os usuários a inovar e usá-la de maneira criativa. “Parece que, em termos de tecnologias da comunicação e informação, paramos na letra C, de comunicação”, constata Marta Voelcker, da Fundação Pensamento Digital.
No Ceará, o projeto Ilhas Digitais está mudando e deve incorporar o conceito de acesso à informação. O programa, que era coordenado pela Secretaria da Ouvidoria-Geral e do Meio Ambiente do governo do Ceará, foi transferido para a Secretaria da Cultura. De acordo com Jorge Pieiro, coordenador da Política do Livro e da Leitura, ainda é cedo para anunciar as novas diretrizes: “Estamos tentando reunir todas as informações”. O Ilhas Digitais foi construído como uma rede de pontos de acesso à internet em locais de passagem, principalmente para atender turistas. A intenção da nova gestão é redesenhar o projeto para que essas unidades tenham inserção nas comunidades onde estão presentes.
A Secretaria da Cultura firmou um convênio com a Universidade Federal do Ceará, para fazer um mapeamento e um diagnóstico in loco da situação das Ilhas e dos convênios firmados com as prefeituras. Depois de concluído o levantamento será discutido o redesenho. Pieiro imagina que haverá uma aproximação entre esse projeto e o de difusão da leitura, que conta este ano com 390 agentes de leitura — jovens com 2º grau que recebem uma bolsa mensal de R$ 354,80 paga com recursos do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (30 municípios) e do Mais Cultura (21 municípios). Se essa expectativa se confirmar, em vez de “ilhas” digitais, conceito estranho, quando se fala de formação de redes, o programa vai passar a trabalhar com Centros de Inclusão Digital (CIDs). Das 184 ilhas em operação, das quais 148 têm acesso à internet, 48 serão transformadas em CIDs e terão também bibliotecas, agentes de leitura e programas de formação profissional.
Escolas abertas
Em São Paulo, os princípios desenvolvidos ao longo do tempo pelo Acessa SP foram incorporados pelo Acessa Escola. O foco do Acessa SP é a pesquisa, a organização na ponta, a gestão online e a descentralizada do projeto — meios usados para incentivar a apropriação das redes, em vez de apenas acesso. Lançado este ano, o Acessa Escola pretende abrir os laboratórios das escolas públicas estaduais a professores e alunos para o uso livre, sem obrigatoriedade e sem as amarras do “uso pedagógico” da internet (Veja a entrevista na página 20). A oportunidade para o projeto Acessa Escola é comprovada pelos números levantados pelo Acessa SP, que desde 2004 realiza a Ponline, pesquisa anual sobre o uso dos infocentros do estado, e publica seus resultados no portal do projeto. Pela Ponline, 59% dos usuários do Acessa SP são estudantes e 51,6% do total de usuários utilizam os postos para realizar pesquisa escolar. O Acessa SP é o único projeto a realizar sistematicamente, desde 2004, esse tipo de pesquisa. Com isso, hoje existe uma preciosa série histórica sobre o desenvolvimento dos postos públicos de acesso e as mudanças na maneira de serem usados. Os resultados da Ponline estão no site do programa.
O Acessa SP foi o terceiro programa, no âmbito das iniciativas estaduais, em termos de recursos investidos, em 2008: R$ 6,3 milhões. O primeiro foi Minas Gerais (R$ 19,3 milhões), seguido da Bahia (R$ 16 milhões). Desde que foi criado, em 2004, o projeto de inclusão digital do governo de Minas Gerais mudou muito. Em 2007, já implantados 190 telecentros e 40 Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs), estes em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia, o estado decidiu integrar essa rede de acesso ao Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado (PDI). O PDI define projetos estruturadores para o desenvolvimento do estado, como é a Rede de Formação Profissional Orientada pelo Mercado. Os CVTs e telecentros integraram essa rede visando, além da inclusão digital, a capacitação e a qualificação profissional da população de baixa renda para atender a demanda do mercado.
A principal atividade desses locais passou a ser a oferta de cursos, apesar de os telecentros ainda serem usados como salas de acesso. Na página do Projeto Inclusão Digital, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior há uma lista de 96 módulos disponíveis, desde cursos comportamentais (gestão de pessoas, por exemplo) e educacionais (voto consciente, direção defensiva), até informática (de digitação a lógica de programação, cursos avançados de aplicativos do Office ou Flash 4.0 Avançado). O cidadão se inscreve, recebe um cartão (Passaporte da Cidadania) e senha para acesso ao conteúdo. Hoje, os cursos custam cerca de R$ 9,00. “Estamos em contato com a Fundação Bradesco e o Instituto Ayrton Senna para começar a oferecer cursos gratuitos. Mas para isso precisamos implantar também o Windows nos telecentros, que hoje usam Linux”, explica Vicente Gamarano, subsecretário de Inovação e Inclusão Digital.
Embora sejam parte da mesma rede de acesso e formação, telecentros e CVTs têm características distintas. Os telecentros são espaços de inclusão digital e social, com acesso gratuito à internet, uso de correio eletrônico, capacitação profissional por meio de cursos a distância, realização de pesquisas escolares e serviços de utilidade pública, elaboração e envio de currículos, além de uma vasta troca de informações e experiências pela internet. Os CVTs, além da inclusão digital, têm laboratório vocacional para treinamento e prestação de serviços à comunidade e núcleos de apoio ao empreendedorismo (NAE). A implantação de um CVT custa cerca de R$ 450 mil, por conta dos ambientes de ensino a distância (videoconferência, climatização) e laboratórios. Os telecentros custam cerca de R$ 30 mil.
O projeto mineiro é gerenciado pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de Minas Gerais.
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A gestão da Rede de Formação Profissional Orientada pelo Mercado é de responsabilidade da Subsecretaria de Inclusão Digital. “Toda a ação de governo, aqui, visa o desenvolvimento do estado”, resume Gamarano. “No futuro, vamos usar os indicadores que o programa nos fornece, com os quais estamos trabalhando a partir deste ano, para formar mão-de-obra de acordo com as demandas regionais”, conta. Até 2010, serão investidos R$ 37,871 milhões no projeto, com a implantação de mais 435 telecentros em todo o estado.
{mosimage}Na Bahia está hoje o maior projeto estadual, em número de postos. Os Centros Digitais de Cidadania (CDCs), como são chamados os telecentros baianos, eram 780 no final de 2008 e devem chegar a 1018 até o final deste ano. O projeto foi criado em 2003 e, com a mudança de governo, em 2007, começou a buscar maior participação comunitária. “Queremos que as comunidades tenham maior controle sobre os CDCs”, explica Ildes Ferreira, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia. “Vamos fazer 25 seminários, este ano, para discutir a formação de parcerias, pelas próprias comunidades, com os governos municipais e a iniciativa privada, de modo a dar sustentabilidade local aos telecentros”.
Em convênio entre o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia vai implantar um Centro de Recondicionamento de Computadores (CRC) em Lauro de Freitas, cidade da região metropolitana de Salvador. Para Ferreira, aliar ao Cidadania Digital um centro para recondicionar e distribuir computadores é garantir o combate à exclusão digital em diversas frentes: “Vamos ter, de um lado, uma rede forte e atuante de CDCs, e, de outro, computadores recondicionados que serão distribuídos a parceiros”. No Rio de Janeiro, o Proderj, companhia de processamento de dados do estado, é parceiro do MPOG no CRC que deverá ser aberto em Niterói, em espaço cedido pelo governo. O Proderj iniciou, em 2000, o Internet Comunitária, hoje com 80 telecentros.
Os projetos de inclusão digital são, desde o início, formados a partir de parcerias entre governos, nas várias esferas, e organizações do terceiro setor. Essas parcerias se realizam principalmente para viabilizar a implantação e a gestão dos telecentros, segundo uma política já definida. No Mato Grosso do Sul, no entanto, a própria política de inclusão digital do estado pretende se constituir por meio de parcerias, em rede. A Rede Estadual de Inclusão Digital no Mato Grosso do Sul (Reid-MS) começou a ser formada em meados de 2008, na Secretaria de Desenvolvimento do Centro Oeste, do Ministério da Integração (SCO-MI). Foi lançada oficialmente no seminário “Inclusão Digital — Programa Cidades Digitais”, em dezembro. Promovido pela SCO-MI e pelo governo estadual, por intermédio da Secretaria de Meio Ambiente, das Cidades, da Ciência e Tecnologia (Semac), o seminário reuniu setores privados como Sebrae, Federação das Indústrias do Estado (Fiems) e Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul (Assomasul), universidades, 16 órgãos federais e a sociedade civil, incluindo as câmaras setoriais do estado.
O braço executivo da Reid-MS é o Núcleo Estadual de Inclusão Digital (NEID), que está sendo estruturado pela Semac. Zenon Lopes Rodrigues, consultor e gerente de projetos da Rede Estadual de Inclusão Digital, da SCO-MI, explica que em Mato Grosso do Sul 16 municípios já estão desenvolvendo projetos de Cidades Digitais. A prefeitura de Campo Grande, que tem uma boa estrutura de fibra óptica, rádio, foi o primeiro contato da rede, para a elaboração de um projeto. A prefeitura de Caarapó já apresentou o seu. E a cidade de Bonito foi escolhida para um projeto-piloto.
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Em 2007, o estado do Pará lançou o NavegaPará, ambicioso programa para criar uma infraestrutura de comunicação no estado, que reuniu ações básicas em várias frentes: uso da rede metropolitana de Belém para interligar, por internet de alta velocidade, cerca de 300 unidades administrativas; integração do estado, com a interligação dos principais órgãos públicos a partir de convênio para utilizar 1.800 quilômetros de fibra óptica da Eletronorte; construção de redes para dar a todos os municípios acesso ao sinal da Eletronorte; implantação de 300 infocentros nos 143 municípios (até o fim de 2010), para cursos de informática; capacitação e qualificação em telecentros de negócios, com equipamentos para teleconferência, telemedicina e educação a distância; e a implantação de laboratórios nas escolas.
O projeto está no âmbito do Plano Plurianual do governo do estado (2008-2011), que estabeleceu a inovação como um de seus macro-objetivos para o desenvolvimento regional. Reunindo infraestrutura de banda larga, projetos de cidades digitais, centros de acesso público, o NavegaPará começou com a previsão de investimento de R$ 30 milhões e investiu, até hoje, R$ 50 milhões. É intersetorial, transversal, e também serviu de referência para articulações semelhantes em outros estados, a fim de formar um backbone público na região amazônica.
A implantação de redes em parcerias com municípios também será o modelo adotado pelo estado do Tocantins, que está preparando o projeto Cidades Iluminadas, para ser implementado ao longo de dois anos. A meta é conectar, até 2010, 22 cidades, com implantação de telecentros e oferta de serviços de governo eletrônico. O projeto está no âmbito da Secretário Estadual de Ciência e Tecnologia. A capital, Palmas, vai ser a primeira a ser conectada, por meio da Metrotins, rede metropolitana em alta velocidade via fibra ótica, da Rede Nacional de Pesquisa (RNP). Em seguida, as três maiores cidades do interior receberão conexão. O projeto deve se expandir, até chegar a 22 dos 129 municípios do Estado.
Em rede
A implantação da cidade digital de Piraí, em 2001, rompeu com a idéia tradicional de inclusão digital ponto a ponto ainda praticada na maioria dos projetos e criou uma rede para toda a cidade, integrando atividades das áreas .gov, .edu, .org e .com. Foram três os focos do projeto de Piraí: arquitetura de rede, desenho de gestão e desenho do controle social. Os telecentros eram apenas um tipo de ponto de acesso neste contexto: para serviços e-gov havia quiosques; para educação, as escolas; para saúde, os postos de saúde e hospitais. Todos conectados. Agora, esta experiência será realizada em escala muito maior, no Rio de Janeiro. O governo do estado assinou em março um convênio com a Universidade Federal Fluminense, por meio da Secretaria de Ciência e Tecnologia, para construir uma rede pública em todo o estado. A rede será composta de um backbone e de redes de distribuição e de acesso — a partir da rede de acesso, todas as prefeituras poderão implantar seus projetos de cidade digital.
A gestão do projeto é feita pela Rede Rio, que faz parte da Rede Nacional de Pesquisas (RNP). Os equipamentos estão em fase de licitação e a meta é implantar três, das quinze regiões, ainda este ano. O restante será feito em 2010. De acordo com Franklin Coelho, coordenador de Cidades Digitais da Universidade Federal Fluminense, a rede regional será criada com o objetivo de dar sustentabilidade às cidades digitais do estado, abrindo a possibilidade para a realização de projetos em escala regional em diversas áreas.
http://cis.washington.edu/research/updates/landscape-study/documents.