O vice-governador do Rio de
Janeiro, Luiz Fernando de Souza-Pezão, que expandir a premiada
experiência de conexão da população à web desenvolvida em Piraí. A meta
é estender a rede de banda larga do estado a todos os seus municípios,
e ligar todas as escolas estaduais na internet.
Prefeito de Piraí por dois mandatos, de 1996 a 2004, Luiz Fernando de
Souza-Pezão colocou o pequeno município fluminense, de 23 mil
habitantes, no mapa das cidades digitais. Agora, como vice-governador
do Rio de Janeiro e secretário de Obras, quer expandir a sua
bem-sucedida experiência, que elevou o seu Índice de Desenvolvimento
Humano de 0,69 para 0,77 e deu a Piraí vários prêmios nacionais e
internacionais, para outras cidades do estado. “A tecnologia da
informação e comunicação é fundamental para o desenvolvimento, para
ampliar as oportunidades para o morador das pequenas cidades e reduzir
as desigualdades”, diz ele.
Convencido de que a infra-estrutura de banda larga é insumo fundamental
para o desenvolvimento dos municípios e para a inclusão social de seus
habitantes, Pezão espera, com a sua pregação, que o Rio de Janeiro
consiga os recursos necessários para levar à frente o projeto de, em
quatro anos, estender a sua rede de banda larga a todos os municípios e
de levar a conexão à internet a todas as escolas estaduais. Ele explica
que não é o coordenador do programa, que envolve outras áreas do
governo, mas o seu animador.
Além do desafio de obter os recursos — “eles existem, são os recursos
do Fust”—, ele diz que é preciso encontrar uma solução para a questão
regulatória, que não permite que os municípios prestem diretamente o
serviço de banda larga a suas empresas e moradores, cobrando por isso.
“Para financiar a banda larga para os pontos públicos, como escolas,
telecentros, quiosques e outras instalações da administração municipal,
é preciso cobrar de quem pode pagar”, diz ele. É isso que foi feito em
Piraí.
Quando assumiu a prefeitura, Piraí tinha apenas duas linhas telefônicas
e meia dúzia de computadores. Hoje, a rede de banda larga, implantada
pela administração municipal, cobre todo o município, todas as escolas
e creches têm computadores e internet. A melhoria da infra-estrutura de
comunicação ajudou a atrair indústrias, a arrecadação municipal passou
de R$ 17 milhões para R$ 76 milhões e a renda per capita quadruplicou,
fazendo Piraí subir do 18º para o 2º lugar no ranking dos municípios
fluminenses. Não é por outro motivo que o governador Sergio Cabral
Filho arrebanhou, no município, 83% dos votos nas eleições de 2006.
ARede • O projeto de cidade
digital de Piraí é um caso de sucesso. Agora, o governo do Estado do
Rio de Janeiro quer replicar a experiência, já desenvolvida por outras
três cidades fluminenses, para outros municípios. Como isso será feito?
Quais os benefícios colhidos por Piraí que podem ser estendidos a
outras cidades?
Pezão • Como deixei a prefeitura no final de 2004, vou falar da
época em que era prefeito. Não tenho os números atuais, mas o projeto
cresceu muito, está caminhando com as pernas próprias e tendo uma
continuidade. Por que replicá-lo? Piraí é um município pequeno com
características semelhantes a 65 dos 92 municípios do estado do Rio de
Janeiro, que têm menos de 50 mil habitantes. A extensão da banda larga
a esses municípios não é prioridade das prestadoras de serviço de
telecomunicações, pelas próprias características econômicas. A gente
sempre fica por último.
Gosto de lembrar que nosso projeto surgiu da necessidade de Piraí ter
serviço de comunicações. Quando assumi a prefeitura, em 1996, ela só
contava com duas linhas telefônicas. Como nossa proposta era criar um
projeto de desenvolvimento econômico, pois o município enfrentava uma
forte crise com demissões em massa feitas pela Light, a maior
empregadora da cidade, nós precisávamos ter uma sistema de comunicação
eficiente para atrair o empresariado. Como você vai atrair uma grande
indústria, se não tem infra-estrutura de comunicação e tecnologia da
informação? Então, foi da necessidade de criar um futuro para a cidade,
de conseguir fazer um projeto que levasse à geração de empregos, que
surgiu o projeto de criar uma rede própria de comunicação no município.
ARede • Isso foi em que ano?
Pezão • Em 1997. O primeiro investimento que fiz foi um plano
diretor de informática para o município, em convênio com a Universidade
de Brasília. Capacitamos 400 funcionários da prefeitura, tendo só seis
computadores na administração. Uma ousadia tremenda. Mas foi esse plano
diretor que possibilitou, na época, que Piraí recebesse os recursos
PMAT (Programa de Modernização da Administração Tributária e Gestão dos
Setores Sociais Básicos). Luiz Paulo Velloso Lucas, ex-prefeito de
Vitória que na época era diretor da área social do BNDES, tinha lançado
o PMAT só para cidade com mais de 500 mil habitantes e para grandes
capitais. Levei a ele nosso plano diretor de informática, mostrei que a
gente tinha feito um grande investimento no município acreditando nos
recursos que viriam com o PMAT. Ele se sensibilizou muito — como uma
cidade pequena tinha um plano diretor de informática, quando muitas
cidades grandes e capitais não tinham —, e me apoiou para conseguir, no
Congresso, que o programa fosse estendido também às cidades pequenas.
Mais tarde, foi o professor Carlos Lessa, quando presidente do banco,
quem comprou nossa briga para fazer uma alteração no nosso projeto do
PMAT, que foi uma experiência inovadora. E assim pudemos, com esses
mesmos recursos, levar a informatização para as escolas.
ARede • Quanto vocês gastaram na rede, no treinamento e nos computadores?
Pezão • Investimentos R$ 150 mil na primeira fase da rede.
Depois, para levá-la à área rural, o investimento chegou a R$ 600 mil,
já que a topografia do município é muito acidentada. Isso com recursos
do PMAT e, quando já estava deixando a prefeitura, tivemos uma ajuda do
Ministério das Comunicações. Sem falar nas parcerias com empresas. Para
montar os laboratórios, saímos pedindo computador para todo mundo:
bancos, fornecedores da prefeitura, governo federal (com o qual
firmamos parcerias), e o governo estadual, que nos ajudou muito. O link
que leva a comunicação em banda larga até o município é contratado pelo
governo estadual. Hoje, o governo do Rio tem uma rede importantíssima,
que cobre 80 dos 92 municípios. Nosso grande desafio é estendê-la a
todos até o final de março.
ARede • Em Piraí, foi possível medir os resultados desse investimento na banda larga?
Pezão • Vou dar o exemplo da educação. Os diretores reclamavam
muito do desinteresse dos alunos, de depredações, especialmente nas
escolas localizadas em áreas mais pobres da cidade. Depois da internet,
esses alunos melhoraram seu comportamento dentro da escola. Foi uma
mudança que os diretores e os professores todos notaram. Nós começamos
o projeto em 2002, com o treinamento dos funcionários e professores.
Fizemos uma pesquisa com professores e alunos, e o grau de exclusão
digital era de 90%. Hoje, todos os professores e alunos do município
estão incluídos. Em todos os distritos, eles têm acesso à informática e
à internet.
ARede • Do ponto de vista da economia local, o que mudou?
Pezão • Melhorou muito a qualificação da mão-de-obra. Antes, as
empresas reclamavam muito. Hoje, Piraí tem o centro de microfilmagens
de documentos da Cobra, que atende o país inteiro. Quando foi instalado
lá, na minha administração, tinha uma unidade no Rio de Janeiro e outra
em São Paulo. Agora, tudo está concentrado em Piraí. Outra indústria
que foi instalada lá é a iMBP, de gabinetes de computadores, que
fornece para montadoras como Itautec, Semp Toshiba, Cobra. Já tem mais
de 400 funcionários e sua produção já está passando de 200 mil
gabinetes/mês. Somos um dos maiores fornecedores da América Latina.
ARede • E o impacto na arrecadação do ICMS?
Pezão • Quando assumi, Piraí arrecadava R$ 17 milhões/ano.
Quando saí, oito anos depois, a arrecadação era de R$ 76 milhões. A
renda per capita do município, hoje, é a segunda do Estado do Rio, só
atrás de Porto Real. O que vem em terceiro lugar, tem renda 67% menor.
A renda per capita do município mais que quadruplicou em oito anos.
Isso é resultado de um projeto integrado de desenvolvimento, onde as
tecnologias de comunicação e informação tiveram papel muito importante.
Fizemos distritos industriais, investimentos na agricultura familiar,
apoiamos o cooperativismo. Hoje, somos um grande produtor de tilápia —
a produção é de 9 toneladas/mês —, organizamos cooperativas de
artesanato, que é exportado.
ARede • Você mencionou o papel das tecnologias de informação e comunicação. É possível dimensionar sua importância no processo?
Pezão • Todas as atividades de alguma forma passam pela
internet. Uma vez, eu recebi uma visita de um inglês, presidente de uma
fundação grande, que patrocina diversos encontros no mundo inteiro, não
lembro o nome dele agora. Ele e a pessoa que o acompanhava queriam
saber qual era a utilidade prática da infra-estrutura de comunicação
que a prefeitura tinha montado, quem a utilizava, se indústrias, as
cooperativas, estavam efetivamente usando. Eu, então, o levei até um
ponto público de acesso, no centro de artesanato, para ele poder
observar o tipo de uso. Parecia até que eu tinha combinado. Quando
chegamos, tinha um cara todo sujo, de calção. Era um pescador, que
estava com problemas de dispesca e estava fazendo, no terminal, uma
consulta à Embrapa, em Brasília. Ele queria saber quantos dias mais
eram necessários para tirar o gosto da ração. Foi o melhor exemplo para
mostrar como a internet estava sendo utilizada.
Eu vejo, na internet, uma grande oportunidade de reduzir as
desigualdades entre quem pode acessar a rede e quem não pode. É preciso
dar ao morador das cidades pequenas as mesmas oportunidades dos
moradores das grandes cidades, que têm infra-estrutura de comunicação.
Isso permite que ele tenha condições de competir pelos empregos, de se
informar, de se formar.
ARede • E qual o projeto do
governo do estado do Rio de Janeiro em relação às cidades digitais?
Vocês vão replicar a experiência em quantos municípios?
Pezão • Piraí não é mais a única cidade digital do estado. A
ex-governadora Rosinha Matheus replicou o projeto para outras três
cidades: Rio das Flores, Mangaratiba e Barra do Piraí, usando parcerias
com a operadora de telecomunicações, a Telemar, e com empresas, como
Cisco, Microsoft, entre outras. O grande investimento que o Estado fez
foi a rede digital, que não cobre apenas 17 municípios. É um desafio
tranqüilo de ser vencido em quatro anos. A dificuldade é distribuir a
banda larga nos municípios, a chamada última milha.
ARede • Com que recursos vocês pensam em ampliar o número de cidades digitais? São recursos orçamentários ou de outras fontes?
Pezão • Quero esclarecer que eu sou apenas o animador desse
projeto, não sou o coordenador. Ele envolve várias secretarias, como a
de Ciência e Tecnologia, à qual está vinculado o Proderj, que
administra a rede de banda larga. O projeto ainda não está fechado,
está em desenvolvimento, em negociação. Mas eu observo e constato que,
se a gente tem um bom projeto, consegue recursos. A partir do que
fizemos em Piraí, com o pessoal da Universidade Federal Fluminense,
chamamos a atenção do governo federal. Agora, a UFF foi chamada pelo
Ministério das Comunicações para participar do projeto piloto de mais
seis cidades digitais no país (saiba mais). O ministério está
colocando dinheiro nisso. Tem muito dinheiro no Fundo de
Universalização dos Serviços de Telecomunicações que não foi gasto, mas
que pode ser usado. Se fazemos bons projetos e mostramos os resultados,
vamos conseguir liberar os quase R$ 5 bilhões parados no Fust. Eu
acredito nisso.
ARede • Quer dizer que, para
cobrir o estado com a rede de banda larga, o Estado do Rio tem recursos
orçamentários. Mas, para distribuir a banda larga, precisa de outras
fontes, é isso?
Pezão • Exatamente. Para mim, o primeiro desafio é conectar em
banda larga todas as escolas estaduais. Chegando lá, temos que envolver
o prefeito e conseguir levar para as escolas municipais. O grande
esforço que temos que fazer é na educação. E, depois, vamos
complementando. Mas, para isso, precisamos de recursos federais.
ARede • Além de vice-governador, você é, também, secretário de Obras. Como a sua secretaria vai se inserir no projeto?
Pezão • Eu costumo falar, nas palestras que faço, que o
presidente Juscelino Kubitschek costumava dizer que abrir estradas era
trazer o progresso e desenvolvimento. Isso, 50 anos atrás. Hoje, a nova
estrada do futuro é você levar internet, a estrada digital. Implantar
estrada digital não é atividade pertinente à secretaria de Obras. Mas,
como vice-governador, sou, como disse, um animador dessa idéia. Para
replicar o projeto de cidade digital de Piraí no estado do Rio, foi
apresentado um projeto ao BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento), em valor estimado de R$ 30 milhões, numa primeira
fase. Isso permitiria levar a banda larga a todos os municípios, a
partir da rede estadual, colocar equipamentos em todos eles e conectar
as escolas estaduais.
ARede • Um projeto desse tipo pode ter peso no desenvolvimento econômico do estado? Em que medida?
Pezão • Eu acredito muito nesse projeto. Minha cidade é um
exemplo disso. Multiplicamos por cinco, em oito anos, a arrecadação de
ICMS, passamos do 18º ou 20º lugar no ranking de renda per capita para
o 2º lugar, criamos 3 mil empregos diretos – hoje, são muitos mais —,
qualificamos a mão-de-obra. Hoje Piraí tem acesso à universidade a
distância, temos, neste semestre, cerca de mil universitários. Tudo
porque temos uma rede de banda
larga que permite que todos possam estudar nos cursos oferecidos pelo
Cerderj – Centro de Educação Superior a Distância do Estado do Rio de
Janeiro. A cidade tem problemas, sim. Mas são infinitamente menores, ou
são
de outra natureza. Não importam os cargos que ainda venha a ocupar como
político, tenho que lhe dizer que o que me deu maior satisfação foi ter
sido prefeito de minha cidade e ter contribuído para dar um futuro
diferente à nossa gente.
Sucesso, diz Luiz Fernando-Pezão, vice-governador do Estado do Rio de
Janeiro e ex-prefeiro de Piraí, não se constrói sozinho. Para vencer o
desafio de reanimar a economia do município e de construir um novo
futuro, ele montou um programa de desenvolvimento estratégico. Buscou
assessoria qualificada e, plano pronto, bateu em todas as portas. Seu
sucessor seguiu na mesma direção. Os muitos prêmios, vários
internacionais, têm, diz ele, muitos responsáveis.
Abaixo, a lista dos que ajudaram Piraí a deixar de ser apenas um ponto no mapa do Rio de Janeiro:
Da área pública:
• BNDES — o projeto teve início com recursos do PMAT.
• MEC — financiamento dos equipamentos de laboratórios nas escolas
• Ministério da Ciência e Tecnologia — recursos para expansão da rede,
sistema de videoconferência e desenvolvimento de conteúdos nas
áreas de educação e saúde.
• Ministério do Desenvolvimento — doação de equipamentos para telecentros.
• Universidade Federal Fluminense — coordenação do projeto e
transferência, para Piraí, do Laboratório de Reestruturação Produtiva e
Desenvolvimento Local, com recursos de multimídia e de moderação.
• Fundação Euclides da Cunha — apoio institucional na operacionalização
de convênios entre as universidades e instituições públicas e privadas.
• UFRJ — coordenação do projeto.
• CEDERJ — projeto Universidade a Distância, no qual o governo cede os
equipamentos (laboratórios, material didático, sistema de
videoconferência), a universidade disponibiliza professores para
tutoria e desenvolvimento do material didático e a prefeitura fornece
espaço físico e assume a administração.
• CNPq — financiamento de desenvolvimento de conteúdos.
• Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado do
Rio de Janeiro — manutenção do link da rede de governo (Infovia), por
meio do Proderj, que também financiou o telecentro da Apae.
• FAPERJ — financiamento para replicar o projeto.
De instituições estrangeiras e terceiro setor:
• Comunidade Européia — desenvolvimento de conteúdo na área educacional.
• Viva Rio — gestão e conteúdo dos telecentros.
• Sebrae — montagem de cinco quiosques públicos.
• The Sequoia Foundation — equipamentos, material didático e capacitação de professores.
• Instituto Cultural Cravo Albin — material didático e capacitação de professores.
Da iniciativa privada:
• Telemar/Oi — permissão para utilização das torres e instalação do link.
• Light — permissão para utilização dos postes e laboratório da Escola de Lages.
• Cobra — cinco terminais de auto-atendimento.
• Taho — equipamentos de rede e sistema de gestão de rede.
• Tribeca Agroindustrial — instalação do telecentro em fazenda de macadamia.
• IEG — arquitetura e otimização da rede.
• Óptica Telecom — implantação da rede.
• Laredel — instalação do laboratório de pesquisa.
• Itautec — instalação dos telecentros de Pira e de Arrozal.
• Schweitzer — instalação do laboratório da escola de Santanzia.
• Banco Real — instalação do quiosque de Santanzia.
• CNM — desenvolvimento de conteúdos voltados para serviços municipais.
• Interlegis – instalação do telecentro da Câmara de Vereadores.
• Intel — desenvolvimento de conteúos na área de educação.
• Smart Board — desenvolvimento de conteúdos educacionais utilizando a lousa eletrônica.
• Cintra — cessão de um engenheiro eletrônico.