Miriam Aquino
O decreto estabelece a figura da RTVI que só pode veicular canais da União, como a TV Senado, a TV Câmara ou a TV Educativa (TVE). A permissão para programação local das prefeituras foi cancelada.
O governo federal, que havia criado, em fe-vereiro, por meio de decreto presidenci-al, uma nova modalidade de emissora de TV, ligada às prefeituras, para retransmitir os canais da União e abrir espaço para a programação dos municípios, não conseguiu resistir por mais de 50 dias à reação dos radiodifusores comerciais. No dia 7 de abril, publicou novo decreto, acabando com a participação das prefeituras e comunidades locais na produção e veiculação de conteúdo próprio.
É verdade que a reação ao primeiro decreto, de número 5.371, que criou a figura de RTVI (Retransmissora de TV Institucional) veio também de outros segmentos – como advogados, acadêmicos e jornalistas – e não apenas dos radiodifusores comerciais. Mas as críticas desses representantes se mantiveram, mesmo após o recuo do governo.
As novas retransmissoras foram criadas a partir da iniciativa do Congresso Nacional. Num movimento liderado pelo Senado Federal, que quer ampliar o acesso à sua programação, hoje confinada aos assinantes de TV a cabo, o Executivo elaborou o novo regulamento e o publicou sem fazer sequer uma consulta pública prévia, prática comum no segmento. As RTVIs são, em resumo, retransmissoras de TV das prefeituras (comandadas por meio de suas entidades ou órgãos vinculados), que só vão poder passar programação dos canais da União: TV Câmara, TV Senado, TV Educativa (TVE), Radiobrás, entre outras.
O decreto de fevereiro criou as novas RTVIs e, para estimular a sua rápida disseminação no território nacional, autorizou que 15% da grade diária fosse ocupada por programas sobre as atividades dos poderes Executivo e Legislativo municipais, e por programas produzidos por entidades sem fins lucrativos da própria comunidade, cada qual podendo ocupar 1/3 (um terço) do horário reservado. A medida permitia, ainda, que os representantes da comunidade local buscassem recursos na iniciativa privada, sob forma de patrocínio institucional, para a produção de seus programas. O novo decreto, de número 5.413, acaba com essas novidades. Em um sucinto documento – uma página e três artigos -, o governo, embora mantenha a figura da RTVI, elimina qualquer possibilidade de as prefeituras ou a comunidade local terem programações próprias.
Controle de conteúdo
Segundo o secretário de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações, Sérgio Diniz, o governo decidiu recuar para estudar melhor o tema. “Não temos fiscalização suficiente para chegar aos municípios e verificar se a programação estaria de acordo com a regulamentação”, afirma ele, apontando essa como uma das principais razões para a reformulação do decreto presidencial. Ele entende que, mesmo sem a participação das prefeituras, os canais da TV Câmara e da TV Senado começarão a se disseminar pelas ondas abertas.
Essa não é, no entanto, a avaliação de técnicos do Senado Federal. Embora afirmem que as mudanças foram feitas com o conhecimento do presidente do Senado, senador Renan Calheiros (PMDB/AL), eles consideram difícil que as administrações municipais tenham interesse em adquirir os equipamentos de retransmissão – estimados em até R$ 700 mil – apenas para receberem as programações do Congresso Nacional.
A Federação Nacional dos Jornalistas apresentará sua posição no Fórum pela Democratização das Comunicações, do qual faz parte. Segundo seu presidente, Sérgio Murillo, embora a entidade considere justo que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal divulguem suas programações pelas ondas abertas, condena o fato de essa retransmissora institucional ter sido criada por decreto presidencial, sem debate público. Para a Federação, há problemas técnicos e legais no atual decreto, já que não existe em qualquer lei brasileira a figura das emissoras institucionais. “Elas deveriam ser criadas por uma lei, precedida de debates públicos”, defende ele.
Já o advogado Marcos Bitelli, especialista em radiodifusão, que havia questionado a legalidade do decreto de fevereiro, elogiou o recuo do governo. “Acabou vencendo a legalidade. O uso politiqueiro dessas emissoras foi suprimido”, diz.
As regras para as retransmissoras de TV
Os decretos mantêm inalteradas as condições de prestação de serviço de Retransmissão de Televisão (RTV) e de Repetição de Televisão (RpTV), criando a nova modalidade RTVI. As principais características dessas emissoras são as seguintes:
- A RTV pode retransmitir, de forma simultânea ou não, os sinais da estação geradora de TV para a recepção livre e gratuita pelo público em geral.
- A RpTV transporta os sinais das geradoras de TV para outras repetidoras, retransmissoras ou geradoras da mesma rede.
- As RTVs só podem retransmitir os sinais de uma única geradora.
- As RTVIs poderão compartilhar o tempo entre as geradoras exploradas diretamente pela União.
- A autorização para RTVI somente será outorgada à pessoa jurídica de direito público interno municipal.
- As autorizações para RTVs e RpTVs poderão ser outorgadas para pessoas jurídicas de direito público e privado de estados, Distrito Federal e municípios; entidades da administração indireta federal, estadual, distrital e municipal; concessionárias de radiodifusão; fundações; sociedades nacionais limitadas, simples ou empresarial e sociedades nacionais por ações.
- As autorizações são outorgadas em caráter precário, por prazo indeterminado.
- As emissoras de RTV só podem veicular programação da geradora cedente dos sinais, sendo vedadas as inserções de qualquer tipo de programação ou de publicidade.
- As emissoras de RTV instaladas em municípios de fronteira de desenvolvimento que não possuem geradoras de TV podem ocupar até 15% do horário com programação local.