Segundo o IBGE, em 2006, os jovens eram 27% da população, ou 51 milhões de pessoas. Mas 91% dos jovens são pobres – 31% com renda familiar per capita até meio salário mínimo, e 60%, entre meio e dois salários. E eles próprios apontam o trabalho e a educação como suas principais preocupações. “Metade do desemprego atual é de jovens”, diz Jorge Abrahão de Castro, autor, com a pesquisadora Luseni Aquino, do estudo “Juventude e Políticas Sociais no Brasil”, publicado, em abril, pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
“Precisamos ter uma política econômica que dê perspectiva de crescimento com geração de emprego. Não podemos pensar em crescimento que não tenha geração de emprego”, diz Jorge Abrahão, que também é diretor de estudos sociais do Ipea. E detalha: “Uma política que possibilite, através da ação do Estado, oportunidade de expansão das pequenas e médias empresas, uma política para o setor de serviços, uma área em que o jovem poderia entrar muito bem”. O pesquisador do Ipea aposta em ações objetivas, como bolsas e outras estratégias não-tradicionais, para fazer o jovem voltar à escola e se qualificar no mundo do trabalho de forma consistente e moderna, considerando as tecnologias digitais. Porque, embora tenha havido incremento do emprego formal nos últimos anos, a razão do desemprego juvenil/adulto cresceu 3,5, e na Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio (Pnad/IBGE), de 2005, os jovens (de 15 a 29 anos) representavam 46% do total de desempregados.
Outra medida importante, na opinião de Jorge Abrahão, é uma coordenação política que perpasse as iniciativas das várias instituições. “No caso da juventude, é necessária uma ação específica, e que recorte as demais instituições. É preciso uma coordenação de política, para poder maximizar a ação do governo.” Nesse sentido, ele acredita que o jovem entrou de fato na agenda das políticas públicas. Especialmente a partir da estruturação de uma Política Nacional de Juventude no país: a criação, em 2005, pelo governo federal, da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), apoiada pelo Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), para implementar o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem).
Lia Ribeiro Dias
ARede • A juventude está sendo considerada, pela equipe que fez o estudo do Ipea, não mais como só uma etapa transitória, da infância para a fase adulta. Você poderia explicar o que é esse conceito e por que ele é importante para a definição das políticas públicas?
Jorge Abrahão de Castro • Não é uma posição só nossa [do Ipea]. Pesquisadores que trabalham no Brasil inteiro já entendem a juventude como uma fase de per se e não mais como aquela etapa problemática ou preparatória para a vida adulta. Problemática por ser a fase da juventude em contato com riscos, em que a família precisa proteger o jovem, atuar; já a preparatória é a transição para o mundo adulto. Isso vale muito mais para a classe média, porque, para a juventude pobre, o período preparatório é muito curto.
O que seria o preparatório? A fase em que a juventude estaria na escola. Depois, encontra trabalho e, dali em diante, tem possibilidade de moradia, encontra um relacionamento puro, constrói uma família e entra para o mundo adulto. No passado, era uma fase curtinha; com 23, 24 anos, as pessoas já estavam casadas, morando fora da casa dos pais, com trabalho e logo com um filho. Hoje, essa fase está avançando. Na juventude de hoje, você percebe que o período entre a vida adulta e a adolescência está se esticando e se ampliando, pois se passa mais tempo na escola. O jovem está virando adulto depois dos 27, 28 anos.
De novo, isso vale muito mais para a classe média. O jovem pobre ainda tem muita dificuldade de chegar à universidade. Esse período, o jovem de classe média até consegue que ele seja muito frutífero, fazendo sua preparação universitária ou sua pós-graduação. Assim, no momento em que o jovem está se preparando, que está nessa moratória social, ele não deixou de ser um ator social. Tem uma vida sexual normal, tem um conjunto de ações próprias e, apesar de não estar ainda no mercado de trabalho, não quer dizer que não tenha uma vida plena enquanto jovem. E, ao ter essa vida plena, é um ator social que merece ser olhado não como quem está em uma fase crítica, mas sim como um indivíduo portador de necessidades e possibilidades.
ARede • Com os jovens de baixa renda, dá-se o mesmo?
Jorge • O jovem de baixa renda passa por essa mesma transição. Só que é muito pior, porque, para ele, o período de moratória social é mais curto, pois é obrigado a abandonar a escola. A oportunidade de trabalho é a principal causa de abandono dos estudos entre os homens jovens. Isso, em geral, está colocado para o jovem pobre, que é jogado no mercado de trabalho e não consegue completar seus estudos. Uma investigação que faça um corte no universo pesquisado com base na renda vai mostrar isso. O jovem de classe média tem um período de preparo muito melhor. O jovem pobre tem um período menor e de pior qualidade, no sentido da marginalização pela violência, pela criminalidade, tanto pela sua prescrição da educação, quanto pela inserção no mercado de trabalho. Ou seja, o jovem pobre acaba entrando numa situação de qualidade muito pior, que vai transformá-lo em um adulto de pior qualidade.
ARede • E qual a importância de se ter esses conceitos claros para definir políticas públicas para a juventude?
Jorge • Você poderia dizer que as políticas que estavam aí, colocadas pela educação, e que não dão um recorte específico, seriam ineficientes. Metade do desemprego atual é de jovens, então é preciso pensar nas formas e objetivos que possam atuar sobre esse jovem. Primeiro, para que ele volte para a escola. Ações objetivas: podem ser bolsas ou outras inúmeras formas que o sistema tradicional não faria.
Eu só queria colocar um dado: a gente percebe claramente, agora, que o jovem entra na agenda. O governo, que antes atuava com programas esparsos, começa a perceber as necessidades do jovem e a tentar fazer a conexão das diferentes políticas, a querer fazer uma política integrada. Essa é a principal mensagem. O que nos parece uma medida acertada, que se coaduna com o nosso diagnóstico e que está no caminho correto. Logicamente, como é uma ação recente, ainda há muito o que fazer. No caso da juventude, é necessária uma ação específica e que recorte as demais instituições. Então, eu preciso de uma coordenação de política, para poder maximizar a ação do governo.
ARede • O Plano Nacional da Juventude vai nessa direção?
Jorge • Exatamente. Ao reconhecer que o jovem merece um tratamento específico, e criar um plano, se dá conexão às políticas para a juventude.
ARede • A educação é ponto central na formação do jovem. Por que as escolas não têm um padrão de qualidade? Como evitar a evasão?
Jorge • O jovem declarou, em pesquisas, que o problema dele é mercado de trabalho e educação. A educação brasileira, desde os anos 90, teve a universalização do ensino fundamental. Você conseguiu colocar 97% da população de 7 a 14 anos dentro da escola. Ainda temos o problema do ensino médio. Mas estamos falando de quase 50 milhões de alunos em um sistema que envolve 28 estados, mais de 5 mil municípios, de extrema complexidade e que é federativo. Então, nós temos um problema que, acho, não está na escola, não é problema só da escola.
Acho que, em parte, o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que está sendo pensado pelo Ministério da Educação, atinge alguns pontos nessa linha, de tentar melhorar a qualidade da educação, de tentar diminuir a evasão, de conseguir fazer uma profissionalização mais qualificada. E, principalmente com o crescimento econômico, nos últimos três anos, você percebe a necessidade de formação profissional. Quando o crescimento da economia se coloca, entra na agenda rapidamente toda uma necessidade de pensar em formação profissional. Várias áreas estão crescendo rapidamente e demandando força de trabalho. Logicamente, é necessário fazer um casamento do mundo do trabalho com a escola, na perspectiva da formação profissional. E, nesse sentido, vemos uma tentativa dos Ministérios da Educação e do Trabalho de trabalharem conjuntamente.
ARede • A ampliação das escolas técnicas federais seria um bom caminho? E o que você acha da proposta de mudança do Sistema S?
Jorge • A ampliação das escolas técnicas federais seria o melhor caminho, porque são de ótima qualidade. O Sistema S tem um financiamento público e uma gestão privada. Esse é um dilema que tem de ser tratado. O ministro [da Educação, Fernando Haddad] está tocando nesse dilema, na prática. O Sistema S tem de ser rediscutido à luz do momento atual. Temos de ver a transparência dos seus gastos efetivos, conhecer melhor esse produto, como foi formado, para até avaliar se vale a pena continuar com o sistema ou não. Não temos dados para fazer essa avaliação. Agora, é que saiu uma publicação da CNI com dados.
ARede • Alguns analistas dizem que o Sistema S forma em profissões tradicionais, mas não qualifica para as novas atividades da indústria criativa, do mundo digital. É verdade?
Jorge • Como pai que convive com jovens de classe média, percebo alguns anacronismos mesmo na escola privada, que oferece uma educação ultrapassada, conteudista e sem preocupação de lidar com esse jovem que está exposto a tal quantidade de informação na rede. Uma forma de educá-los seria ensiná-los a serem mais seletivos, a saber tirar proveito dessas oportunidades. E, para o jovem pobre, o Estado tem de dar essa possibilidade física do acesso à rede, à internet. Porque, senão, esse jovem, que já tem dificuldade nessa escola ultrapassada, no mundo digitalizado não vai ter acesso mesmo. É fundamental que o Estado faça isso, via suas escolas; e a escola tem de mudar também. Mas a escola pública é carente de infra-estrutura, e essa escola precisa de ter tecnologia. Senão, essa criança pode até chegar a determinado nível de estudos, mas estará fora do mundo moderno do trabalho, de emprego e renda.
ARede • Como vocês avaliam os programas de inclusão digital para os jovens?
Jorge • Não cheguei a fazer uma reflexão específica sobre este tema. De modo geral, acho que a inclusão digital é fundamental. Basta ver como a gente está trabalhando hoje. Estou plugado na internet, acessando um texto sei lá de onde, a informação chega em poucos segundos… Se eu não soubesse lidar com isso, eu não conseguiria dirigir essa instituição. Então, a inclusão do jovem é fundamental para sua mobilidade social, para sua formação para esse novo mundo.
ARede • Outra grande preocupação jovens é o trabalho. Em 2005, último ano analisado por vocês, o percentual de desemprego entre eles era de 46%; em 1985, era de 64%. Como fica essa contradição na cabeça dos jovens, entre o desejo de ter qualificação, ser preparado para entrar no mercado de trabalho e não ter acesso à educação e estar fora do mercado?
Jorge • Uma parte dessa questão é o seguinte: o jovem está experimentando. Está em movimento de busca, e isso é desejável porque ele acumula experiência. Então, a rotatividade dos jovens no trabalho não é necessariamente ruim. Por outro lado, a demissão de jovens é mais freqüente, quando há cortes, porque seu custo é menor. A questão é se criar um conjunto de aparatos reguladores, de incentivos, para que o jovem encontre o que deseja e continue sua experiência; para que ele possa experimentar empregos, sem ser empurrado para o desemprego. Pois aí começa não só a frustração criativa, como a frustração monetária. Por isso, precisamos de uma coisa: uma regulação voltada a assegurar a esses jovens uma oportunidade mais permanente e que também dê garantia para ele fazer essa rotação necessária. Até porque o mundo da nova economia está gerando uma série de oportunidades criativas, e não se pode pensar só nos empregos tradicionais.
ARede • Quais seriam os principais caminhos para superar o desemprego na juventude?
Jorge • O mais importante é colocar o país na rota do crescimento. Mas precisamos ter uma política econômica que dê perspectiva de crescimento com geração de emprego. Não podemos pensar em incremento que não tenha geração de emprego. O que significa gerar emprego? Significa uma política que possibilite, através da ação do Estado, oportunidade de expansão das pequenas e médias empresas, uma política para o setor de serviços, uma área em que o jovem poderia entrar muito bem. Há uma parte da inclusão digital, esse conjunto que foi desenhado, de incentivo para criação de software. O principal é garantir crescimento econômico, que tenha compromisso com a empresa, que leve à geração de emprego de qualidade.
ARede • O trabalho do Ipea aborda a questão da violência e das drogas. É possível saber quantos jovens estão expostos ao crime organizado? Como protegê-los?
Luseni Aquino • Há várias iniciativas para detectar os espaços conflagrados da violência armada e que população está submetida a isso. Mas, em termos nacionais, ainda não é possível ter um panorama claro sobre qual contingente de jovens está exposto à violência organizada.
Por outro lado, sabemos que a violência ligada ao crime organizado, ao tráfico de drogas e armas e o contingente de jovens envolvidos com essas práticas se encontram em espaços do território urbano, principalmente nos subúrbios. Acho que a problemática da violência coincide com a problemática da exclusão social e, no limite, com a ausência do Estado nesses espaços. Por isso, ainda é fundamental insistir nas estratégias tradicionais: equipar espaços com escolas, centros de convivência, postos de saúde, enfim, com equipamentos públicos que permitam não apenas o acesso efetivo da população ao serviço de caráter público, mas que também dêem para essas pessoas a sensação de que elas fazem parte do coletivo, que elas também estão dentro da sociedade.
ARede • A política tradicional dá conta de gerenciar essas políticas voltadas ao combate da violência envolvendo jovens?
Luseni • Quando se fala em juventude e violência, há dois fenômenos muito diferentes. O primeiro é a violência cotidiana, essa violência espalhada pela sociedade e na qual o jovem pode ser protagonista e vítima. Mas aí é coisa das gangues, das brigas entre jovens, um fenômeno normal em termos sociológicos. Mais habitual, porque o jovem sempre foi protagonista desse tipo de coisa.
Por outro lado, tem o fenômeno mais novo, e mais específico, da violência ligada ao crime organizado. É uma questão bem diferente, com um circuito econômico envolvido, atividades ilegais que burlam o Estado tanto para obter lucro quanto para manter seu ciclo de reprodução. No envolvimento dos jovens com o crime organizado, é preciso políticas muito específicas. Você vai precisar de estratégias de inclusão, de reaproximação do circuito da convivência, da escola, de iniciação no mercado de trabalho, enfim.
Mas as políticas tradicionais também são importantes, pois esse jovem está na escola, nos bairros, nas ruas. Pontos de convivência, como os Pontos de Cultura do Ministério da Cultura, são importantes para que as pessoas possam se ocupar exercendo atividades criativas, música produtiva, não apenas para o jovem, mas para toda a comunidade. O jovem quer espaço de convivência. Ele está saindo de casa em busca de inserção no mundo social mais amplo nesses espaços. Boa parte dessa violência banal cotidiana, na qual os jovens se envolvem, em muitos casos está ligada à ausência de espaços de convivência.