O Marco Civil da internet está em consulta pública

A proposta brasileira é a mais avançada, no mundo, na garantia de direitos dos cidadãos ao acesso à rede, à informação e ao conhecimento, além de proteger o anonimato e a neutralidade da rede.

08/04/2010 – O anteprojeto do Marco Civil da Internet foi divulgado hoje, pelo Ministério da Justiça, para consulta pública. Nos próximos 45 dias, qualquer cidadão, entidade, associação pode entrar no Fórum Cultura Digital e registrar suas propostas de modificação.

É a segunda fase da consulta pública. O texto publicado hoje é resultado de um processo de consulta realizado no ano passado e que recebeu recebeu 822 contribuições na forma de comentários, e-mails, tweets e citações em outros blogs, que formaram um volume de 580 páginas de opiniões e comentários. Agora, volta à consulta para chegar à forma com que deverá ser encaminhado ao Congresso, para ser – ou não – aprovado.

A lei proposta pelo Ministério da Justiça está na contramão das iniciativas legais a respeito da internet em outros lugares do mundo, que visam sobretudo vigiar e punir os internautas e impedir o compartilhamento de arquivos protegidos por direitos autorais, como a Digital Economy Bill, aprovada esta semana na Inglaterra.

Princípios
Os princípios do marco brasileiro, ou seja, seus valores fundamentais, são baseados nos Princípios para Governança e Uso da Internet no Brasil, definidos pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br). Veja:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento;

II – proteção da privacidade;

III – proteção aos dados pessoais, na forma da lei;

IV – preservação e garantia da neutralidade da rede;

V – preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; e

VI – preservação da natureza participativa da rede.

Incorporados no Marco Civil, esses princípios passam a ser reconhecidos como válidos pelo direito. “Nossa finalidade é que, uma vez reconhecidos em lei, esses princípios possam ser considerados em decisões jurídicas e na definição de políticas públicas para a internet”, explica Guilherme Almeida, chefe de gabinete da Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.


Objetivos

Os objetivos do Marco Civil também são, em parte, inspirados no decálogo do CGI.br. Eles visam sobretudo, estabelecer um equilíbrio entre interesses econômicos e sociais. Pretendem

I – garantir a todos os cidadãos o acesso à Internet;

II – promover o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural;

III – fortalecer a livre iniciativa e a livre concorrência;

IV – promover a inovação e fomentar a ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e

V – promover a padronização, a acessibilidade e a interoperabilidade, a partir do uso de padrões abertos.

“O Brasil tem boas experiências e é respeitado, internacionalmente, em questões como o debate da propriedade intelectual”, explica Almeida. “Nós lideramos, na Organização Mundial da Propriedade Intelectual, um movimento para equilibrar os interesses de países em desenvolvimento com os interesses econômicos da indústria de propriedade intelectual”. A busca desse mesmo tipo de equilíbrio – e desse mesmo tipo de liderança – fez parte da elaboração da proposta do Marco Legal.

Assim, a proposta apresenta soluções inovadoras para problemas como a remoção de conteúdos da rede. “Nos outros países houve preocupação apenas com conteúdos que podem ferir direitos autorais”, constata Almeida. “No nosso marco, o mecanismo de retirada de conteúdos não vale apenas para um setor, mas para todos os que se sentirem prejudicados”. Veja aqui como vai funcionar este mecanismo, que traz como inovação o fato de não responsabilizar os provedores de acesso por informações publicadas pelos internautas e a possibilidade de o internauta recorrer contra a retirada de algo que publicou.


Anonimato

O princípio de anonimato no acesso também é resguardado na proposta, que determina que o usuário tem direito “à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” e que os registros de sua conexão (informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à Internet, sua duração e o número IP usado pelo terminal) devem ser mantidos sob “sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo máximo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento” e “somente poderão ser fornecidos a terceiros mediante ordem judicial ou por autorização prévia e expressa do respectivo usuário”.

Além disso, os provedores são proibidos de guardar os registros de acesso a serviços do internauta. “São duas pontas: o provedor, que atribui um endereço ip ao usuário, sabe qual é seu endereço mas não sabe quem é esta pessoa. Quem tem as informações sobre o internauta e o que ele acessa são os provedores de serviços”, explica Almeida. Essas informações só podem ser cruzadas mediante ordem judicial.


Neutralidade
O princípio da neutralidade da rede, que impede os provedores de conexão e de redes de reduzir a velocidade de determinados pacotes em detrimento de outros (para não privilegiar o tráfego de informações de quem tiver maior poder econômico), está em disputa nos EUA. Mas está resguardado na proposta do Marco Civil.

A proposta está publicada de maneira a facilitar os comentários, que podem ser feitos a cada um dos parágrafos dos 34 artigos e subseções. O Ministério da Justiça acredita que quanto maior for a participação da sociedade na definição do anteprojeto, maior a legitimidade com que ele vai chegar ao Congresso.