O prazer de ler




Na capital do Acre, duas bibliotecas inovam, se equipam e conquistam o público.

Leda Beck

 

ARede nº51,setembro  2009 –O prédio do antigo Grupo Escolar Presidente Dutra, no centro de Rio Branco, datava dos tempos em que o Acre ainda era um território. Em 1973, instalou-se ali, em um anexo, a Biblioteca Pública Estadual Adonai Barbosa dos Santos – o dono de uma das primeiras papelarias da cidade, que, às vezes, vendia livros. “Mas o nome não pegou”, recorda Helena Carloni, diretora da biblioteca desde o primeiro governo Jorge Viana, em 1999. Hoje, dois anos depois do início das obras que transformaram o velho prédio em uma das mais modernas, belas e funcionais bibliotecas públicas do país, comparável às melhores do mundo, Helena dirige simplesmente a Biblioteca Pública – o nome estampado em grandes letras sobre a porta de entrada. “O próprio governador [Arnóbio Marques, o Binho] quis esse nome, para indicar que é de todo mundo. O povo apropriou-se mesmo da biblioteca, a gente percebe claramente. Todo mundo diz: a nossa biblioteca”.

 

A reforma foi ampla e cuidadosa – até os azulejos hidráulicos originais do prédio antigo, para decorar pisos e paredes, foram reproduzidos em uma fábrica em São Paulo. A modernização também contemplou a tecnologia. A biblioteca, com 25 computadores de acesso público, foi integrada à Comunidade Digital, a rede de 32 telecentros no estado do Acre (uma em cada um dos 22 municípios e mais 11, inclusive a Biblioteca Pública, na capital, Rio Branco). O telecentro da nova biblioteca já tem quase 4 mil cadastrados, que desfrutam de uma vantagem extra: uma rede sem-fio estende-se à praça reurbanizada, ao redor do prédio, onde mesas de madeira incluem tomadas para plugar computadores portáteis e recarregá-los na eletricidade. A maioria dos usuários dessa rede sem-fio na praça é de profissionais autônomos, como jornalistas, advogados e, principalmente, vendedores.

 

Mas a grande maioria dos usuários da biblioteca não vai ao telecentro: “Para ler um livro aqui ou para frequentar a gibiteca, a brinquedoteca ou a filmoteca, não é preciso se cadastrar”, explica a diretora. Essa diversidade de mídias oferecidas e a preocupação em criar acessibilidade para todos (inclusive cadeirantes e deficientes visuais e auditivos), além da criação de espaços amplos e bem iluminados para leitura, explicam por que “o público mudou muito”, segundo Helena. “Antes, os frequentadores eram basicamente estudantes do ensino Fundamental e do ensino Médio. Hoje, há muitos adultos, principalmente universitários e profissionais liberais, embora a maioria continue a ser de adolescentes” – há cinco escolas nas imediações da biblioteca. A nova Biblioteca Pública já é um absoluto sucesso: a frequência saltou de 20 para cerca de 700 pessoas por dia. “E nós nem contamos os que vêm apenas visitar”, diz Helena, observando que, nos fins de semana, “a biblioteca tomou o lugar da praça: famílias inteiras vêm passear aqui aos domingos”.

 

Toda essa gente é recebida por 66 monitores – praticamente dois terços dos funcionários – divididos em três turnos, que foram especialmente treinados, por três semanas, para atender bem ao público. Muitos ainda estão recebendo capacitação para lidar também com deficientes visuais e auditivos. Chamados de “agentes”, todos eles conhecem em detalhes não apenas as instalações da biblioteca, mas também o sistema de informática – cada ilha de cinco computadores tem um “agente” pronto para ajudar em caso de dificuldade ou coibir em caso de abuso (Orkut, MSN, sites pornográficos e jogos violentos são proibidos, por exemplo, e o acesso dos infratores é suspensão por até três meses).

 

Por enquanto, contudo, a biblioteca ainda exige a presença física do usuário: só 20% do acervo de 60 mil livros já foi catalogado no sistema BibLivre, da Biblioteca Nacional. Helena espera que, a partir de 2010, o sistema já permita a consulta online ao catálogo, hoje só acessível por meio da rede interna da própria biblioteca. Antes mesmo da inauguração do prédio, em dezembro de 2008, o acervo já havia sido renovado e acrescido em R$ 100 mil, com prioridade para literatura, livros técnicos de nível básico e livros de referência, como dicionários e enciclopédias. A catalogação no BibLivre também já estava em andamento desde janeiro do ano passado, com uma equipe de quatro digitadores sob a supervisão de uma bibliotecária e dois auxiliares. Para catalogar tudo o mais rápido possível, a diretora está prestes a contratar mais seis digitadores, outro bibliotecário e mais dois auxiliares.

 

 

A contratação desses funcionários pelo período de um ano – e de um profissional para assistência técnica – é a contrapartida para um aporte de quase R$ 200 mil do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), obtido pela antiga biblioteca que, em 2005, ganhou um prêmio do banco para a promoção de modernização de bibliotecas públicas. O prêmio foi ganho por um projeto de modernização – a maior parte do qual foi superada pela iniciativa do governo do estado em reformar e reequipar o prédio. “Em 2008, nós refizemos o projeto para incluir apenas o que faltava”, explica a diretora. E o que faltava – e agora virá – era isso: um servidor mais potente, um sistema de gerenciamento ambiental e de climatização (para medir temperatura e umidade do acervo), uma mesa de luz para pequenos reparos nos livros e um sistema de segurança, incluindo a etiquetagem eletrônica dos livros. A primeira parcela do prêmio já foi paga e a segunda vem em abril de 2009.

 

Florestania”

A Biblioteca Pública não é a única diferenciada, em Rio Branco. Operando há quase dois anos – foi inaugurada em outubro de 2007 – e ainda com um terço de sua capacidade, a Biblioteca da Floresta tem uma arquitetura inspirada pela oca indígena e um acervo focado na região Amazônica, abordando desde desenvolvimento sustentável, ecologia e antropologia até fauna, flora e povos indígenas. O acesso ao acervo pode ser feito de diversas maneiras: leitura e pesquisa local, empréstimo domiciliar, palestras, debates e exposições. Os usuários também podem contar com o arquivo digital, artigos de colaboradores, exposições virtuais, audioteca e videoteca, tudo disponível no site (www.bibliotecadafloresta.ac.gov.br). O acesso online a certos arquivos, porém, ainda é limitado apenas àqueles que se cadastram pessoalmente.

 

No Acre de Chico Mendes e do Partido dos Trabalhadores, que está no poder desde 1999, criou-se o conceito da “florestania” – que é a cidadania dos quase 300 mil acreanos que moram na floresta, porque são índios ou porque vivem do extrativismo. Uma Biblioteca da Floresta era, portanto, indispensável. Além do acervo, há exposições permanentes sobre os povos indígenas do Acre e sobre o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do estado, e uma coleção especial sobre as iniciativas lideradas por Chico Mendes. Tem, também, um espaço destinado a exposições temporárias – como a que acaba de ser montada sobre tribos isoladas recém-descobertas no estado.

 

Dispõe de um auditório para palestras e seminários, promove cursos (como o de língua indígena para não índios) e realizou, no final de maio, a 1ª Bienal da Floresta do Livro e da Leitura. Entre outras preciosidades, a Biblioteca da Floresta tem uma coleção de 48 mapas do Acre, resultantes do ZEE (realizado por apenas dois estados da federação), contendo desde dados sobre o solo do estado até fraquezas e potencialidades econômicas de cada microrregião.