O maior programa estadual de inclusão digital do país forma uma rede de mil unidades e promete crescer também em qualidade dos serviços. Áurea lopes
ARede nº55 fevereiro de 2010 – Lá tem vatapá. Lá tem caruru. Lá tem mungunzá. Mas lá também tem inclusão digital, de um jeito que nenhuma terra tem. No final do ano passado, o programa Cidadania Digital, do governo do estado da Bahia, atingiu o marco de mil Centros Digitais de Cidadania (CDCs), locais públicos para uso gratuito de computadores conectados à internet. Todos os 417 municípios dos 26 territórios baianos têm pelo menos uma dessas unidades. E a escalada continua. O governo estadual anunciou a criação de mais 180 CDCs, no primeiro trimestre deste ano, com o objetivo de ampliar o atendimento nas localidades mais populosas. E informou que aguarda o edital do programa federal de Telecentros para requerer a abertura de mil telecentros no estado.
“Os recursos para os 180 CDCs estão garantidos e já começou o processo de licitação”, informa Rúbia Carvalho, coordenadora do Cidadania Digital, que é executado pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) do Estado da Bahia. Emendas parlamentares federais serão responsáveis pela criação de novas 102 unidades; 48, de um aditivo de 2009 da parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia; e 30 de um edital de financiamento para CDCs rurais, lançado no ano passado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Criado em 2003, o Cidadania Digital contabiliza cerca de 24 milhões de acessos. Foi remodelado em 2009, quando deu um passo à frente da alfabetização digital e ganhou ênfase na inclusão social. Além dos cursos de informática, os CDCs começaram a oferecer oficinas e capacitações que possam resultar em geração de renda nas comunidades onde estão instalados. Para isso, torna-se cada vez mais importante o papel dos parceiros locais, em geral, as prefeituras e as organizações da sociedade civil. Esses parceiros recebem do programa kits que custam em torno de R$ 50 mil, compostos por mobiliário, dez computadores, um servidor, uma impressora, softwares livres (para sistema operacional e para gestão). Cabe aos parceiros ceder o local, manter a infraestrutura física, providenciar a conexão em banda larga, além de contratar os monitores e os gestores.
O Cidadania Digital tem, hoje, dois grandes desafios: garantir que uma rede desse tamanho e com tal capilaridade ofereça serviço de qualidade e seja sustentável. A questão da sobrevivência do CDC depende, em grande parte, de uma parceria estruturada. “As prefeituras têm mais recursos para custear as unidades. As maiores dificuldades estão nas parcerias com associações”, diz Rúbia. Ela conta que, em Teixeira de Freitas, ao sul da Bahia, a associação comercial parceira não deu conta de sustentar o CDC local porque não havia como pagar as despesas de manutenção. “Dependendo do caso, um link chega a custar de R$ 2 mil a R$ 3 mil por mês”, acrescenta, informando que o CDC de Teixeira de Freitas será desativado, mas não vai sair da região, pois o atendimento será transferido para Itamaraju. De acordo com a Secti, dos mil CDCs implantados, apenas 30 estão fechados porque as máquinas ficaram obsoletas ou estão quebradas e não foram repostas; outros 70, instalados em escolas públicas, ficam fechados durante o período de férias; os demais, estão em pleno funcionamento.
Um exemplo de como os parceiros se viram para manter um serviço público com qualidade é o CDC rural inaugurado em julho do ano passado, em parceria com a Fundação Cultural Ajagunã, na cidade de Lauro de Freitas. A fundação realiza trabalhos sociais nas comunidades de Areia Branca, Capiarara e Jambeiro. No espaço onde foi implantado o CDC, acontecem cursos de percussão e estética afro, além de atividades do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal. Cerca de 120 usuários frequentam o centro de informática todos os meses, de segunda a sexta, das 8h às 17h. Além do acesso livre à internet para a comunidade, foram formadas turmas especiais para idosos, para trabalhadores de uma fábrica local de alumínio, e para alunos da escola municipal de Capiarara.
O presidente da Fundação Ajagunã, Igor dos Santos Mascarenhas, de 27 anos, acumula as funções de gestor do CDC e de monitor. Tem como auxiliares duas voluntárias, uma para o período da manhã, outra para a tarde. Mascarenhas recebe remuneração de um salário mínimo, de onde tira uma parte para pagar a condução das voluntárias. “A manutenção do CDC é alta. Só a conta de luz da fundação, que antes era de R$ 200,00, agora passou para R$ 700,00. Ao todo, com o material didático usado nas oficinas, gastamos em torno de R$ 2.500,00 por mês”, diz o filho do terreiro Ajagunã.
Uma solução estratégica de sustentabilidade dos centros de inclusão digital seria integrar as ações nas diferentes esferas do poder público, na opinião de Coragio Tamandaré Dantas, responsável por três unidades do Cidadania Digital – do Centro Educacional de Itamaraju (CEI), do assentamento Bela Vista e da Associação de Pequenos produtores de Nova Alegria. “Precisamos garantir a estabilidade do programa, pensar a longo prazo. Contratos de um ano com os parceiros, por exemplo, deixam as ações vulneráveis às mudanças de governos”, alerta o gestor, que também é responsável por um Telecentro Comunitário – do Ministério das Comunicações – e atua como voluntário na gestão de nove laboratórios do Programa nacional de Tecnologia Educacional para Escolas Brasileiras (antigo Proinfo), do Ministério da Educação.
Conteúdos qualificados
Para dar o salto de conteúdo – que muitos CDCs aguardam, na expectativa de poder trabalhar com oficinas mais focadas em atividades regionais ou cursos de informática mais avançados – a Secti iniciou um estudo, sob a consultoria de profissionais da Universidade Federal da Bahia. Sônia Pinto, integrante da Coordenação de Capacitação Digital do programa, conta que está sendo preparado um diagnóstico das demandas em cada unidade. “Estamos elaborando um questionário que será aplicado até o final do primeiro semestre. Os resultados vão ser tabulados no segundo semestre”, estima Sônia. Ela adianta que, para os 30 CDCs rurais em parceria com a Finep, serão produzidos conteúdos junto às comunidades. “Também vamos fazer adaptações de conteúdos acadêmicos já disponíveis nas universidades para que possam ser compreendidos e utilizados pelo homem do campo”, explica.
No CDC Nordeste de Amaralina, a diversificação já começou por conta própria. O gestor Jones Ribeiro da Silva conta que a unidade, onde registram-se 3,5 mil acessos mensais, atua em duas frentes. Uma é a mobilização digital – são oferecidos, além da formação em informática básica, cursos de computação gráfica (Gimp, Inkscape) e aulas de webdesign. Outra linha de trabalho é a mobilização social. “Organizamos jogos de RPG, de xadrez, e ministramos aulas de violão e de inglês”, diz Jones.
Todas essas experiências, no entanto, não ficam restritas a ações locais. Ao contrário, são divulgada e compartilhadas entre os CDCs. Essa troca acontece, anualmente, no Encontro da Rede de Centros Digitais de Cidadania. O segundo encontro foi realizado em dezembro, em Salvador. Mais de 800 representantes dos centros estiveram reunidos durante dois dias, para capacitações e integração. Foram realizadas 80 oficinas Rádio Web, 50 oficinas de metareciclagem e 120 oficinas de bebidas e doces em compota.
www.cidadaniadigital.ba.gov.br
capacitação 2009
Atividades de Formação Participantes
Formação básica e inicial de monitores 640
Formação básica e inicial de Gestores 331
Curso Manutenção Preventiva
e Reparatória de Computadores 40
Formação de monitores em cultura digital 113
Oficinas sefazdigital 66
Curso Sustentabilidade para CDC 530
Oficinas Semana C&T 252
Berimbau linux
Todos os CDCs trabalham com o Berimbau Livre, desenvolvido em Linux. Assim como o instrumento musical formado por uma adaptação de materiais como arco de madeira, arame e cabaça, o Berimbau Livre também é uma adequação de recursos. Criado dentro da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), o sistema é baseado no Debian-BR-CDD, que utiliza LTSP, Gnome e uma série de programas e configurações adicionais.