Jovens da periferia de Salvador examinam a realidade cultural e social da cidade em produções audiovisuais Bárbara Ablas
ARede nº60, junho 2010 – O projeto Festas Populares de Salvador – tocado por jovens da comunidade que integram o Núcleo de Produção Kabum! Novos Produtores Culturais, uma parceria entre o Instituto Oi Futuro e a ONG Cipó Comunicação Interativa – vai mostrar o que a Bahia tem em linguagem multimídia. Desde 2009, eles estão registrando com equipamentos de fotografia e vídeo as diversas manifestações populares do calendário baiano, como as festas de Dois de Julho, Conceição da Praia, Cosme e Damião, Iemanjá, Itapoã, Missa dos Pretos, Santa Bárbara, Santa Luzia, São Lázaro, a saída do Ilê e os rituais e oferendas dos blocos Gandhi e Olodum.
Com lançamento previsto para outubro deste ano, o projeto está na fase de captação de material e vai gerar uma exposição, um vídeo-documentário, três almanaques fotográficos e um guia do educador. Os produtos farão parte de uma coletânea que será distribuída gratuitamente para escolas e bibliotecas públicas. A produção tem financiamento de R$ 500 mil pela Lei Rouanet.
O material está sendo produzido por cerca de 20 jovens contratados pelo Núcleo, que integra a Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia de Salvador, iniciada em 2004. Foi nessa escola que os jovens deram os primeiros passos na aprendizagem de linguagens multimídia.
A Oi Kabum! é uma iniciativa do Oi Futuro que visa a formar jovens de baixa renda nas áreas de computação gráfica, design gráfico, fotografia e vídeo. Durante um ano e meio, a escola oferece um curso diário com aulas técnicas e os seguintes conteúdos: História da Arte e da Tecnologia, Mídias Digitais, Oficina da Palavra e Ser e Conviver, este último voltado ao desenvolvimento pessoal e social, trabalhando com questões como a postura profissional. Os alunos também têm à disposição computadores, câmeras, programas de criação e tratamento de imagem de última geração, ilhas de edição, laboratórios de fotografia, estúdio e biblioteca.
A escola atende jovens com idade entre 16 e 19 anos, que cursam o Ensino Médio em escolas públicas e residem em três bairros carentes de Salvador: Nordeste Amaralina, Pelourinho e Subúrbio Ferroviário. Eles ganham uma bolsa de estudos de R$ 110 e vale-transporte. Tanto a escola quanto o Núcleo de Produção Oi Kabum! ficam no centro turístico do Pelourinho. O bairro histórico, parcialmente restaurado, está repleto de museus, teatros e projetos sociais. Lá, os jovens podem respirar cultura o tempo todo. Antes de mudar para o Pelourinho em 2009, a escola funcionava em um prédio cedido pelo governo no Nordeste Amaralina. Mas a escola acabou atrapalhando o negócio do tráfico no bairro e um aluno morreu durante uma troca de tiros entre traficantes. “A mudança já estava em planejamento, mas decidimos antecipá-la depois que professores e alunos começaram a sofrer ameaças”, diz Sandra Loureiro, coordenadora pedagógica da Oi Kabum! Salvador.
Em junho, a escola abriu inscrições para a quarta turma. A cada curso, cerca de 800 candidatos se inscrevem para disputar as 80 vagas oferecidas. Um dos critérios de seleção é a participação dos jovens em iniciativas ligadas a suas comunidades.
Memórias
Ao terminarem o curso, aqueles que mais se destacam podem usar o Núcleo de Produção e participar de projetos temáticos como o Festas Populares de Salvador. O Núcleo – integrado à escola em 2006 – investe em formação mais avançada de profissionalização, com foco no mercado de trabalho. Os jovens participam de todas as etapas dos trabalhos, visando à concepção de um produto final. Além disso, o Núcleo remunera os participantes com um salário mínimo. “Partimos do pressuposto de que o jovem nunca trabalha de graça para que ele aprenda a lidar com a relação entre trabalho e dinheiro”, afirma o coordenador Jean Cardoso. Ele explica que o Núcleo desenvolve projetos em sintonia com profissionais da área de multimeios, o que facilita o contato dos jovens com o mercado. “Alguns acabam conseguindo emprego e seguindo carreira na área”, completa.
No ano passado, o Núcleo desenvolveu o projeto temático Traços e Laços, que também virou material didático para as escolas públicas. A coletânea multimídia, composta por vídeos, livros e manual para educadores, revelou as memórias do bairro Nordeste Amaralina, contadas por antigos moradores, como pescadores e mestres de capoeira.
Dentro do Núcleo também existe uma incubadora de projetos com editais internos, que oferecem prêmios de R$ 3 mil para os jovens viabilizarem suas obras. Desde 2008 já foram implementados cinco projetos e outros nove serão lançados até julho. Além de colocar em prática as ideias, os jovens aprendem a redigir projetos, gerenciar o orçamento e prestar contas.
Algumas produções ganharam projeção nacional e internacional. É o caso do vídeo documentário Rodando a Moenda, produzido por Liliane Sena e Sara Oliveira, que ganharam o Prêmio Vito Diniz de Melhor Realizador Jovem, na 13ª edição do Festival Nacional 5 Minutos, em 2009. O vídeo fala da sobrevivência de moradores de Castro Alves, cidade do interior da Bahia cuja única fonte renda é a produção de farinha de mandioca. “Desde criança eu visitava a cidade, onde mora minha avó”, recorda Sara. “Sempre me perguntava porque não havia jovens por lá, apenas crianças, adultos e idosos.” Mais tarde, ela se deu conta de que eles buscavam oportunidades em outras cidades, para escapar da lavoura. Então, Sara decidiu contar a história dos moradores que ficaram. O vídeo também está passando no 4º Panorama Internacional de Cinema, em Salvador.
Cidade de Plástico, vídeo-documentário apresentado como projeto de finalização do curso de Sara, também fez bastante sucesso. A produção, selecionada em 2008 para participar do Festival Kinoforum de Curta-Metragens de São Paulo, mostra a vida de uma comunidade que vive debaixo de lonas, em uma ocupação de um subúrbio de Salvador. “A TV mostra esse tipo de coisa de maneira pejorativa, mas os jovens olham para essa realidade de forma mais natural”, opina Sara.
Baleiros e Xadrez são outros exemplos de produções dos alunos da escola que atingiram notoriedade: os dois curtas foram selecionados para o 4º Festival Latino-Americano e Caribenho da Finlândia, em 2008. O primeiro retrata o dia-a-dia dos vendedores informais de doces nos ônibus. E o segundo conta a história de um jovem paraplégico que usa o jogo de xadrez para resgatar a autoestima dos jovens da comunidade onde vive.
Além dos vídeos, as produções de fotografia também se destacam. Em junho, por exemplo, a escola Oi Kabum! inaugurou a Mostra Como Quê!, uma exposição fotográfica e tipográfica de 63 alunos que realizaram os cursos de formação em linguagens multimídia. Durante a abertura do evento, também foram lançados o livro Design Como Quê! e o filme Leão Marinho, o primeiro curta-metragem de ficção realizado por alunos da turma de vídeo.
Todo esse processo de aprendizagem e produção de trabalhos tem impacto direto na melhoria de vida dos jovens, que, depois de passar pela escola, ampliam seus horizontes de possibilidades, como cursar faculdade ou construir uma sólida carreira profissional. Mas a ideia do projeto vai bem mais além, enfatiza Sandra: “Nosso objetivo é que os jovens também modifiquem a realidade em que vivem, participando da construção de comunicação e informação na sociedade, e atuando como multiplicadores de conhecimento”.
http://festaspopularesdesalvador.blogspot.com
http://oikabumslavador.blogspot.com
Para além de Salvador
O projeto Oi Kabum! Escolas de Arte e Tecnologia também está presente nos estados de Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro. A proposta e o currículo dos cursos oferecidos é a mesma em todas as localidades, mas cada equipe envolvida no processo pode inserir novos conteúdos, que propiciem aos jovens mais conhecimento.
No Rio de Janeiro, por exemplo, os alunos passaram a receber aulas de inglês para enriquecer a qualificação profissional. O curso, com duração de dez meses, é ministrado por meio de uma parceria entre o Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU), o Consulado dos Estados Unidos no Rio de Janeiro, a ONG Centro de Criação de Imagem Popular e a Cambridge University Press, editora britânica que fez a doação de livros, DVD e software.