15/08/2010
Por Lia Ribeiro Dias, do Tele.Síntese
Os líderes mundiais da tecnologia móvel e os donos das redes wireless não cansam de apregoar que “o futuro da internet é móvel”. E os números fundamentam essa profecia. Mesmo no Brasil, país com baixa penetração de banda larga mesmo relação a vizinhos da América Latina, como Chile e Argentina, o número de acessos móveis, de acordo com levantamento realizado pela Teleco para a Huawei, já ultrapassou o número de acessos fixos. Ao final do primeiro trimestre de 2010, o país contava com 11,9 milhões de acessos 3G (8,7 milhões de handsets com acesso à internet e 3,2 milhões de modems) contra 11,8 milhões de acessos fixos de banda larga.
Se essa é a realidade no Brasil, nos países desenvolvidos os acessos móveis à internet são proporcionalmente muito mais representativos. Só que a banda larga móvel não foi incluída na proposta apresentada no dia 9 de junho pelas duas gigantes da internet — uma de busca de conteúdos, outra de acesso — para a formulação de políticas para garantir a neutralidade na rede. A proposta foi lançada depois que a FCC, o regulador norte-americano, interrompeu reuniões que vinha realizando com empresas e operadoras de telecomunicações e TV a cabo para definir regras que assegurem a neutralidade da rede, ou seja, que as operadoras não discriminem o tráfego oferecido por meio de suas redes de banda larga.
A proposta do Google-Verizon não só deixa de fora as redes wireless. Prega o princípio da neutralidade da rede, um dos princípios basilares do funcionamento da internet, defendendo que os provedores deixem de dar prioridade ao tráfego de conteúdos, aplicações, ou serviços pagos ou legalizados (o que muitos fazem). Mas defende também que os provedores de serviços de banda larga possam oferecer “serviços on-line diferenciados, além do acesso à internet e de vídeos”.
O que isso significa? A criação de uma internet gratuita e de outra privada e paga? A justificativa para a criação de serviços on-line diferenciados, como monitoração de saúde, serviços educacionais e de entretenimento, é que as operadoras precisam se remunerar para continuar investindo nas redes. Mas qual é a conseqüência dessa “separação” da internet em dois segmentos sobre o futuro da rede universal? O que a proposta quer dizer ao se referir aos serviços legalizados? Pretende excluir as redes P2P que trocam arquivos, sob alegação que muitos deles são protegidos por direito de autor como música e filmes?
Todas essas questões começam agora a esquentar o debate sobre a neutralidade na rede, tanto nos Estados Unidos, onde a FCC busca as condições políticas para vir a regular a internet, como na Comunidade Européia, que encerra no final de setembro uma consulta pública sobre o tema. A essência desse debate é a garantia da neutralidade da rede. E dela não podem ficar fora as redes wireless, não só porque os acessos móveis de banda larga tendem a ser dominantes, como pelo fato de que o espectro é um bem público, usado por empresas privadas sob concessão.
O debate não é novo. O tema da neutralidade da rede é recorrente, pois as operadoras defendem a priorização do tráfego para garantir a rentabilidade de seu modelo de negócios. Algumas praticam o tráfego discriminado, o que rendeu uma ação contra a Comcast nos Estados Unidos. Que não foi multada. Em abril, a Corte de Apelações de Washington decidiu que a FCC não tem autoridade para regular como os provedores de serviços de internet regulam seus sistemas.
Com a proposta, Google e Verizon reforçam a autoridade da FCC, que pretende reclassificar o serviço de internet como um serviço sob o guarda-chuva do Communications Act, o que permitira à agência regular o serviço e estender a cobertura do atual fundo de telecomunicações para levar a banda larga a zonas rurais. Mas para apoiar a FCC, cujos diretores vêm se pronunciando contra qualquer iniciativa que coloque em risco a liberdade e abertura na internet, sugerem a criação de serviços diferenciados. Que podem colocar em risco essa liberdade.
Os próximos meses serão decisivos sobre o futuro da internet. Ou os reguladores vão manter a rede livre, democrática e aberta, ou vão, com ou sem subterfúgios, criar duas categorias de usuários, os que pagam por tráfego prioritário e a massa de internautas – e são bilhões – que vão sofrer a conseqüência da discriminação. As entidades de defesa da liberdade na rede e dos direitos dos consumidores e cidadãos já começaram a se movimentar. Só a pressão dos internautas pode fazer com que os reguladores não cedam às demandas das operadoras e provedores de acesso.