A produção de alimentos
geneticamente modificados é totalmente dependente das corporações que
detêm o código genético das sementes. Sérgio Amadeu da Silveira
Pode parecer estranho, mas a relação entre softwares fechados e
a produção de alimentos transgênicos é gigantesca. Nunca tinha pensado
nela, mas um dia recebi uma das principais revistas de informática e lá
estava, logo na primeira página, a relação. Uma senhora, advogada de
uma das maiores companhias de fertilizantes do mundo, dizia para o
repórter da revista que sua empresa se preparava para combater a
“pirataria” que estava existindo com produtos transgênicos.
Ah! Quer dizer que as empresas de alimentos transgênicos não querem que
outras empresas fabriquem alimentos falsificando sua marca, como
acontece com tênis, relógios e grifes? Não é isso. Para entender a
relação, é preciso saber o que são alimentos transgênicos. Transgênicos
são organismos modificados geneticamente em laboratórios, ou seja, não
existem naturalmente e nunca existiriam sem a intervenção humana. Não
são os famosos enxertos ou cruzamentos entre frutas diferentes.
Transgênicos são organismos que tiveram seus códigos genéticos
modificados. Por exemplo, alguns alimentos transgênicos receberam genes
que só poderiam ser encontrados em animais, nunca em vegetais.
Em geral, quem está interessado em transgênicos são empresas de
fertilizantes, pois elas conseguem embutir nas sementes de seus
alimentos, criados em laboratórios, genes que jamais poderiam ser
reunidos pela dinâmica da própria natureza. Assim, tentam fazer as
sementes resistentes a determinados produtos químicos devastadores para
as pragas, mas que matam ou contaminavam também as sementes naturais.
Qual é o problema, então? Além dos inúmeros problemas de segurança e de
saúde pública, os transgênicos podem reduzir a diversidade biológica.
Os agricultores que dependem de fertilizantes são incentivados a usar
sementes transgênicas e, assim, acabam podendo usar produtos químicos
de modo mais extensivo e até mais barato. Com isso, os alimentos
naturais acabam sendo substituídos pelas sementes produzidas pelos
laboratórios. Com o tempo, a biodiversidade é reduzida. As sementes
naturais morrem e passaremos a ter o império das sementes transgênicas.
Quem domina os códigos genéticos da semente? Uma única empresa. Desse
modo, retira-se dos agricultores o conhecimento sobre as formas
naturais de cultivo e concentra-se tal conhecimento em megacompanhias
multinacionais. Estamos prestes a viver a era do monopólio do
conhecimento sobre os modos de reprodução da vida. Lamentável e muito
grave!
Aqui está a relação. As empresas de software proprietário controlam o código-fonte dos seus softwares
e apenas permitem que os usuários tenham acesso ao seu código
executável, aquele que está na linguagem que somente as máquinas
entendem. Do mesmo modo, apenas as empresas de alimentos transgênicos
possuem os códigos genéticos de seus alimentos, permitindo que os
agricultores tenham acesso somente às sementes. Um dado decisivo é que
as sementes transgênicas não conseguem nascer das plantas transgênicas.
Estas são estéreis. Isso significa que os agricultores ficarão
eternamente na dependência do monopólio de sementes.
A relação entre as empresas que fecham o código-fonte de softwares
e que negam o acesso ao código genético de alimentos está no obscuro
controle que elas tentam exercer sobre o conhecimento. Qual a
finalidade disto? Simplesmente, lucrar com a negação de acesso ao
conhecimento. Todavia, o caso dos transgênicos é extremamente grave,
pois ele tem impactos decisivos nos ecossistemas. Primeiro, reduz a
biodiversidade. Segundo, após matar as plantas que se reproduzem
naturalmente, monopoliza a criação de sementes em seus laboratórios.
Trata-se de um processo de concentração de riqueza, com base no
controle do conhecimento.
E o mais interessante é que essas empresas lançam argumentos infantis
que, infelizmente, encantaram a cúpula do governo do presidente Lula.
Elas dizem que “os alimentos geneticamente modificados poderão acabar
com a fome no mundo”. É verdade que, no passado, seria possível usar o
argumento da escassez de alimentos. Hoje, isso é uma falácia. A fome
não existe por falta de alimentos, mas por falta de renda para comprar
alimentos. A agricultura mundial, antes de qualquer intervenção
transgênica, é capaz de abastecer toda a sua população com alimentos. É
a lógica do capital que impede a produção de mais alimentos.
O Brasil poderia aumentar sua produção alimentar, mas para que fazer
isso, se as pessoas nas regiões da fome não podem adquirir os
alimentos? Ao contrário, se a demanda por alimentos não aumenta, o
aumento da produção pode gerar a queda de preços e isto, muitas vezes,
leva os agricultores a queimarem parte de sua safra para evitar que seu
preço de venda fique abaixo dos custos de plantação.
Jeremy Rifkin, no seu livro “A Era do Acesso”, já havia dito que
vivemos um momento histórico, em que algumas empresas tentarão manter
seus enormes lucros através da negação de acesso ao conhecimento.
Exatamente isto que está ocorrendo. Por isso, é importante denunciar e
pressionar o governo, que está submetido aos lobbies das megacorporações, para evitar que ele libere mais alimentos, cuja reprodução genética é propriedade de uma empresa.
Sem dúvida, existe uma série de outros argumentos sobre os
transgênicos, mas, aqui, apresentei apenas o que está relacionado à
liberdade do conhecimento tecnológico. Para saber mais sobre os riscos
dos transgênicos do ponto de vista ambiental, você pode acessar a
cartilha do movimento Brasil Livre dos Transgênicos, no site www.aspta.org.br/publique/media/Folheto%20FSM%202005.pdf. Um site bem informativo é o da ONG Greenpeace, no endereço www.greenpeace.org.br.