Na periferia de São Paulo e no sertão nordestino, centenas de jovens transformam-se em repórteres culturais online.
Bárbara Ablas
ARede nº52, outubro 2009 – A grande imprensa nem sabe da existência de uma programação cultural na periferia das grandes cidades brasileiras – ou no sertão do Nordeste. Mas a internet sabe. Blogs e rádios pela internet surgiram recentemente para divulgar os eventos culturais dessas áreas, graças ao apoio do governo municipal em São Paulo e do governo federal no Nordeste, que estimularam projetos de articulação de comunidades, no primeiro caso, e de Pontos de Cultura, no segundo.
Em São Paulo, blogs culturais “periféricos” resultaram de uma iniciativa da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, por meio da Coordenadoria da Juventude, com apoio do Portal Catraca Livre. No Nordeste, a Rede de Correspondentes Cultura Viva já envolve cem Pontos de Cultura de cinco estados, patrocinados pelo Ministério da Cultura (MinC) e coordenados pela ONG Catavento Comunicação e Educação. A Rede de Correspondentes produz coletivamente um programa de rádio via internet, o Ondas da Cultura, que até rádios comerciais já estão levando ao ar.
Nos dois casos, a execução dos projetos foi precedida por treinamento e formação dos jovens repórteres. Em São Paulo, “o objetivo foi trabalhar o olhar comunitário e entender que a comunicação é uma ferramenta importante para melhorar a comunidade”, como explica o jornalista Alexandre Levoci Saiad, um dos coordenadores do projeto paulistano, que selecionou 20 jovens, entre cem candidatos, para participar do Curso de Jornalismo Comunitário. O curso, que se realizou em julho e agosto, ensinou texto, fotografia e recursos gráficos. Além de familiarizar os alunos com todas as etapas do funcionamento de uma redação, também incluiu palestras de profissionais de comunicação, de fanzineiros a repórteres de jornal. Paralelamente, os 20 aprendizes foram divididos em grupos, de acordo com a região onde moram, e saíram a campo para fazer reportagens.
O resultado foi a criação de seis blogs: Acorda, Leste! e Corneta Leste, sobre a Zona Leste da capital paulista; Dentro da Sul e Sul Real, sobre a Zona Sul; PireArte, sobre o bairro de Pirituba, na Zona Norte; e Ermelino, de fato, sobre o bairro de Ermelino Matarazzo, também na Zona Leste. Os blogs dão dicas de cursos, teatro, cinema e saúde, além da programação dos Centros Educacionais Unificados (CEUs) e dos telecentros locais.
“A maioria das pessoas acha que a comunidade não tem nada”, diz a estudante Juliana Martinelli, 16 anos, que colabora com o blog Corneta Leste. “Mas, durante as aulas, aprendemos a valorizar cada aspecto do local onde moramos, com seus pontos bons e ruins.” Com ela concorda Diego Paes dos Anjos, 17, um dos responsáveis por outro blog, o Sul Real: “Depois do curso, adquiri uma nova visão do que é a comunidade. Agora posso e sei como ajudar. Com o blog, posso divulgar o que acontece na minha região e privilegiar as atividades gratuitas para que a população tenha acesso”. Priscila Casimiro Ribeiro, 17 anos, do blog PireArte, descobriu o Centro Esportivo de seu bairro. “Eles têm uma programação completa e gratuita para crianças durante as férias”, celebra.
Os estudantes ainda têm outro desafio pela frente: multiplicar tudo que aprenderam. A partir da primeira quinzena de outubro, eles darão aulas nos telecentros de suas comunidades, recebendo uma bolsa de cerca R$ 300, custeada pela Fundação Itaú. A idéia é formar, em cursos de duas semanas, outros jovens de 14 a 24 anos. De acordo com Rafael Castilho, assessor da Secretaria Municipal de Participação e Parceria, a expectativa é de que, em cinco meses, mais de mil comunicadores comunitários sejam formados em 70 telecentros da periferia de São Paulo, que estão sendo definidos.
Para Taís da Silva Mota, 17, do blog Ermelino, de fato, a nova etapa vai servir para ampliar ainda mais o projeto. “Vamos repassar o que aprendemos para as pessoas do próprio bairro, e isso vai se multiplicar”, afirma. “Acho bacana, porque não nos limitamos apenas a aprender.”
Como na periferia paulistana, também no sertão nordestino, às vezes, nem os próprios moradores sabem o que está rolando em termos culturais. Agora, essa informação está disponível no programa de rádio via internet Ondas da Cultura, produzido por jovens da região: nada menos que 223 “correspondentes culturais”, distribuídos em cem Pontos de Cultura de cinco estados do Nordeste – Piauí, Maranhão, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Desde 2008, a Catavento, que administra o Pontão de Cultura Rede Boca no Trombone, de Fortaleza (CE), organiza oficinas em Pontos de Cultura para capacitar os jovens em linguagem, produção e distribuição de programas de rádio.
Uma vez capacitados, esses jovens passam a integrar a Rede de Correspondentes Cultura Viva, que produz o programa semanal Ondas da Cultura, acessível no site da Catavento e na Webrádio do MinC.
Formação e ação
O projeto da Catavento para o Pontão de Cultura de Fortaleza parte da realização das oficinas formativas. Em 2008, a ONG realizou oficinas envolvendo 55 Pontos de Cultura do Ceará, do Piauí e do Rio Grande do Norte. Em 2009, outros 46 Pontos de Cultura do Ceará, do Maranhão e da Paraíba participaram de oficinas da Catavento. Em junho de 2009, encerrou-se a primeira fase do projeto com a criação de 32 programas produzidos por participantes da primeira série de oficinas. Em setembro, começou a produção de conteúdo pelos participantes da segunda série de oficinas.
“Os jovens ficam muito empolgados ao realizar matérias e entrevistas porque produzem cultura, divulgam sua realidade e trocam experiências que podem servir de inspiração para outros municípios”, conta a jornalista Milena Ribeiro, coordenadora do Pontão de Cultura em Fortaleza, responsável pela rede de correspondentes. É verdade, confirma Erles Martins, 20 anos, integrante do Ponto de Cultura Acauã das Artes, em Itaitinga, no interior do Ceará. “As pessoas que já entrevistei ficam felizes, porque se sentem reconhecidas pelo que são e fazem”, diz Erles, comentando o impacto da valorização da cultura local nos moradores e nos produtores de cultura do sertão. “Nosso objetivo é atingir todo o semiárido”, avisa Milena.
Além da internet, o Ondas da Cultura também vai ao ar em mais de 40 rádios comunitárias e comerciais de 33 municípios do Ceará, do Piauí e do Rio Grande do Norte. A tarefa de divulgar para as rádios fica por conta dos produtores culturais em cada Ponto da Cultura, que fazem o trabalho de mobilização e sensibilização com os radialistas. O Ondas na Cultura ganhou este ano o Prêmio Mídia Livre do MinC na categoria regional, ao lado de outros 78 premiados nessa categoria, que concorreram com 400 candidatos em todo o país.
Nas ondas do semiárido
Artesanato, brincadeiras populares, contação de histórias, cultura indígena, mestres da cultura e sincretismo religioso são alguns dos temas já abordados no programa, que tem duração de 30 minutos. O programa tem quatro quadros fixos: “É o quê”, “Rádio-teatro”, “Ponto a Ponto” e “Ponto Cidadão”. Dois outros quadros – “Saberes Populares” e “Essa música conta história” – alternam-se nos blocos, de acordo com o tema do programa. Todos os quadros foram sugeridos pelos Pontos de Cultura durante as oficinas.
O “Ponto Cidadão” é uma reportagem e o “Ponto a Ponto” fala da história e do trabalho em andamento em um Ponto de Cultura. “É o quê” tem um personagem, o Paçoca, que interrompe o programa para saber o que significa uma palavra do vocabulário popular de uma região – e alguém daquela região dá o significado. Também há espaço, evidentemente, para as sonoras enviadas pelos correspondentes.
As pautas de cada programa produzido são elaboradas coletivamente, em reuniões semanais por mensagem instantânea. “Todos têm a chance de dar a sua opinião, discutimos todos os assuntos coletivamente”, garante Danielly Orlanda, 16, que participa do Ponto de Cultura Lampião de Arte e Cultura, em Cascavel, no interior do Ceará.
Danielly quer mostrar às autoridades locais que os jovens podem produzir cultura. “Não queremos apenas namorar e nos divertir”, diz ela. “Queremos nos desenvolver culturalmente.” Seu projeto com amigos é levar o conteúdo discutido no Ondas da Cultura para as praças das cidades, onde os jovens se concentram à noite. “O forró e a suingueira são muito valorizados na região, mas queremos mudar essa rotina”, anuncia Danielly. “Vamos divulgar outros tipos de manifestações culturais.”
Blogs paulistanos
http://acordaleste.blogspot.com
http://cornetaleste.blogspot.com
http://dentrodasul.blogspot.com
www.ermelinodefato.blogspot.com
http://pirearte.blogspot.com
http://sul-real.blogspot.com
Ondas da Cultura
http://webradio.utopia.com.br
www.catavento.org.br