Os sonhos de Martin Luther King têm dono

O discurso com a histórica frase "Eu tenho um sonho" está sob controle da Sony Music. "Fazer qualquer uso do discurso de Luther King, no formato que seja, é ilegal, em mais um exemplo de controle autoral, analisa o jornalista espanhol Juan Luis Sanchez.
30/01/2012 – ”Estou feliz ao unir-me a vocês hoje, no que ficará para a história como a maior manifestação pela liberdade na história de nossa nação”.
Tente buscar no Google e será difícil encontrar. Tente pedir a museus, centros de pesquisa ou escolas de pensamento americano e lhe dirão que não, não está vinculado a nenhum site, mas que em todo caso é possível comprar por dez dólares. E se você comprar o DVD e descarregar seu conteúdo na internet, para que outros possam vê-lo, sua conta de usuário pode ser suspensa.
O discurso “I have a dream” (“Eu tenho um sonho”), de Martin Luther King, um dos mais importantes da história dos direitos civis, tem direitos autorais protegidos por copyright e seguranças dispostos a guardá-lo zelosamente: em 2009, a gravadora EMI chegou a um acordo com os herdeiros de Luther King e encarregou-se de cuidar para que ninguém use esse material sem passar pelo caixa. Em novembro de 2011, parte da gravadora foi comprada por outro gigante, a Sony Music Enterteinment (SME), que assumiu o trabalho de retirar da internet os fragmentos do discurso, postados por usuários que não pensam em lucro. Quer conferir? Veja o que acontece se você apertar o play.
A rede está se movendo mais rapidamente do que a estrutura que a acompanha – e que tenta rearmar-se com iniciativas legais como o SOPA ou o PIPA. Há várias cópias do vídeo que sobrevivem no YouTube à espera que sejam suspensas.
O poder histórico do discurso de Martin Luther King em 1968, diante de centenas de milhares de pessoas nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington, vai muito além do texto. É um discurso audiovisual: uma pessoa que não sabe muito bem inglês, ou que não é especialista em história política norte-americana, provavelmente não reconheceria o discurso ao lê-lo, exceto talvez quando chega na parte do “Eu tenho um sonho”. E mesmo assim, apenas com o tom de voz de Luther King e seu acento bíblico, com as imagens de um lago lotado, muita gente reconheceria do que se trata. Porque o discurso de Martin Luther King é um ícone político e audiovisual em todo o mundo. E, claro, isso é rentável.
Quando Luther King morreu, seus descendentes começaram a administrar a herança desse e outros discursos, a que terão direito até 2038, ou seja, 70 anos depois da morte do líder afro-americano. Por exemplo: processaram a rede CBS por, em 1999, usar sem pagar as imagens daquele dia em um documentário. E enfrentaram o jornal USA Today por publicar o discurso na íntegra em 1994.
Entretanto, a família King, através da EMI-Sony, autorizou outros usos do discurso do pai das liberdades civis dos negros nos Estados Unidos: para um anúncio da Alcatel, por exemplo. Fazendo caixa, é claro.
Assim, projetar, fazer upload para a internet, remixar ou fazer qualquer uso do discurso de Luther King, no formato que seja, é ilegal, a menos se caminhe na fronteira da versão norte-americana do “direito de citação” ou se chegue a um acordo com os herdeiros. Desta forma, veem absolutamente limitado seu acesso a um elemento tão inquestionável do patrimônio histórico internacional e o uso do grande discurso das liberdades fica restrito àqueles que podem pagar. (O original, em espanhol, está publicado em: http://www.juanlusanchez.com)

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