16/11/2011
Do Ars Technica, publicado em 7 de novembro.
A mais recente ofensiva da guerra sem fim da indústria de conteúdo contra infrações aos direitos autorais chama-se Stop Online Piracy Act (SOPA), um projeto de lei apresentado ao Congresso americano há duas semanas. A proposta incorpora as principais medidas previstas no Ato de Proteção IP (Protect IP Act), assim como de outro projeto de lei do Senado, e torna o streaming não autorizado de conteúdos um crime passível de pena de prisão. Também inclui novas medidas que vão além da linguagem usada nesses outros dois projetos. Se for aprovado, o SOPA será a mais ampla reformulação feita na lei americana de direitos autorais em, pelo menos, uma década.
O Ars Technica discutiu a proposta com Ryan Radia, do Competitive Enterprise Institute, um polo de pensamento libertário. Radia participou ativamente dos debates sobre copyright realizados este ano no Congresso dos EUA e argumenta que a linguagem ampla do SOPA foi adotada especificamente para minar as salvaguardas previstas no DMCA.
Uma lista de desejos da indústria de conteúdo
Os apoiadores da proposta dizem que ela é necessária para combater sites criminosos hospedados fora dos Estados Unidos. Esses sites provêm acesso ilegal a conteúdo protegido por direitos autorais aos consumidores americanos, mas estão fora do alcance da lei local. Uma série de propostas de lei, a começar pela COICA (texto em inglês), no ano passado, tentaram forçar esses sites a saírem do ar atingindo os intermediários como servidores DNS, empresas de pagamento online, ferramentas de busca e redes de publicidade.
As propostas neste sentido estão ficando cada vez mais ambiciosas. Críticos mostraram, por exemplo, que era fácil de driblar lista negra de servidores DNS que aparecia nas propostas anteriores ao SOPA. Pois o SOPA não apenas força os servidores de DNS a fazer uma lista negra de sites como permite ao governo tomar medidas legais contra softwares anticensura como o MAFIAAFire, que logra os esforços governamentais para bloquear DNSs. Radia observa que pode parecer hipócrita o Congresso aprovar uma lei assim ao mesmo tempo em que a administração Obama apoia a criação de tecnologias semelhantes para resistir à censura em regimes autoritários no exterior.
A proposta também incorpora um projeto do Senado que transforma o streaming não autorizado de material protegido por copyright em crime grave. “O problema é que a proposta do Congresso torna isso crime mesmo em casos onde não há vantagem comercial”, diz Radia. Ele explica também que os valores a serem protegidos, em dólares, no SOPA, são tão pequenos que pequenos infratores — mesmo Justin Bieber — podem acabar na cadeia.
“É de propósito”
A mais ambiciosa medida proposta no SOPA, provavelmente, é a criação de um mecanismo de reportar-e-tirar-do-ar. O DMCA estabelece salvaguardas contra a responsabilização de ferir copyright para sites que aceitam retirar do ar itens individuais de conteúdo. Já o SOPA, em contraste, tem um sistema de reportar-e-tirar-do-ar que permite aos proprietários de copyright atacar sites inteiros, cortando seu acesso a pagamentos e publicidade.
A indústria de conteúdo se esforçou muito para disfarçar sua insatisfação com as salvaguardas. A advogada da Recording Industry Association of America (RIIA, associação das gravadoras dos EUA), Jennifer Pariser, disse recentemente que “os tribunais estão interpretando a lei de uma maneira totalmente contrária aos direitos dos proprietários de direitos autorais e muito favorável aos provedores de serviços na internet”.
As salvaguardas do DMCA não protegem sites que estimulam a violação de direitos autorais ou ignoram evidências de violação. Mas Pariser argumentou que os tribunais deixam os sites escapar, sem serem penalizados, muito facilmente.
Ela afirma que a RIAA não iniciou o lobby pelas mudanças no DMCA, mas Radia acredita que a indústria de conteúdo fazem pressão favorável à aprovação do SOPA justamente por esta questão. “A proposta está escrita de maneira a atingir uma gama mais ampla de sites, além dos tais sites ‘criminosos'”, disse ele ao Ars. “E eu acho que isso é proposital”.
“Muitas das empresas que desejam há tempo que o DMCA imponha aos intermediários online (provedores, sites) uma maior responsabilidade de atuar contra a infração de direitos autorais acreditam que o SOPA é o jeito eficaz de conseguir isso sem precisar correr o risco de discutir diretamente uma mudança nas salvaguardas do DMCA”, diz ele.
Radia explica que é “totalmente possível que um intermediário protegido pelo DMCA seja enquadrado, ao mesmo tempo, na categoria de sites dedicados ao crime [pelo SOPA]”. Assim, as empresas que desenvolveram websites baseados nas regras do DMCA podem se encontrar de repente em um terreno pantanoso, legalmente falando.
Assustando investidores?
Os tribunais interpretam as salvaguardas do DMCA há mais de 13 anos e agora se tem uma ideia clara de como os sites devem agir para cumpri-lo. Mas a definição do SOPA de sites “dedicados a roubar patrimônio americano” é muito menos clara e vai levar anos para que os juízes entenderem o que significa. No meio tempo, a incerteza pode desencorajar investimentos em plataformas para a internet e causar um dano real e irreparável.
De acordo com Radia, esse tipo de preocupação levou investidores a se opor firmemente ao SOPA. Como exemplo ele aponta Fred Wilson, da Union Square Ventures, que na semana passada passou parte de seu tempo em Washington para fazer lobby contra a proposta. Como já reportamos, Wilson e outros investidores vêm combatendo o SOPA e seus antecessores há meses. “Dada a importância de investimentos de capital para a criação de empregos e para a economia, acho que os congressistas vão dar ouvidos às suas preocupações”, prevê Radia.
O SOPA também incorpora uma medida para “negar capital americano a notórios infratores estrangeiros”, mas não define o termo “notórios infratores estrangeiros”. O projeto instrui o coordenador de defesa da propriedade intelectual a preparar um relatório para o Congresso — com contribuições de membros do público, incluindo proprietários de direitos de propriedade intelectual nos EUA”– sobre “os danos significativos causados por infratores notórios aos consumidores, negócios e indústrias de propriedade intelectual”. O IPEC também é solicitado a examinar se o governo deveria ter poder para fazer uma lista negra de “notórios infratores estrangeiros” que captam recursos nos EUA.
Ainda bem que esta parte do projeto, por si só, não dá ao governo o poder de criar uma lista negra de investimentos. Mas a linguagem utilizada sugere que a indústria já está preparando o terreno para sua próxima investida legislativa.
“Não queremos reabrir discussões sobre o DMCA”
A porta-voz da RIAA, Cara Dutckworth, nega que a indústria esteja tentando revisar o DMCA. “Estamos buscando soluções de mercado e trabalhando voluntariamente com terceiros para desencorajar o roubo online de conteúdo”, diz ela.
O que ela quer dizer com “soluções de mercado”? Evidentemente que se refere a medidas previstas no SOPA para dar aos proprietários de copyright o direito de tomar medidas legais para obrigar a empresas de meios de pagamento online e de publicidade a cortar os sites infratores. O SOPA classifica esses pedidos para tirar do ar como um “sistema baseado no mercado “para impedir que “recursos americanos financiem sites dedicados a roubar patrimônio americano”.
A RIAA também respalda as declarações de Pariser, que Duckworth diz serem “apenas um reflexo da geral e bem-documentada frustração que os proprietários de conteúdos sentem diante da incrível carga de ter que monitorar a rede 24 horas por dia, sete dias por semana e enviar avisos a respeito de conteúdo não autorizado que é republicado imediatamente depois de ser tirado do ar”.
Monitorar 24/7 e mandar avisos é, claro, o sistema estabelecido pelo Congresso, quando aprovou o DMCA. Fazer cumprir a lei de direitos autorais é algo caro e o DMCA atribuiu a maior parte desses custos, com justiça, ao lugar apropriado: os proprietários de direitos autorais beneficiados pela legislação. Não é surpresa que a RIAA prefira transferir parte dos custos a terceiros, como os meios de pagamento online, as redes de publicidade, os provedores de servidores DNS.
Achamos que o Congresso estabeleceu um equilíbrio correto em 1998. Radia, no entanto, é mais favorável ao pedido da RIAA. Ele é a favor de uma legislação que tenha foco mais específico em sites verdadeiramente criminosos. Ele eliminaria a lista negra de servidores DNS, que considera ineficaz e pode ser usada para abusos. Mas ele deixaria no lugar as medidas relacionadas a meios de pagamento e redes de publicidade. Também especificaria a definição de sites criminosos, para deixar claro que qualquer um que cumpra o DMCA e se enquadre em suas salvaguardas não pode ser considerado um site criminoso. E diz que iria criar uma exceção explícita para sites americanos, a fim de deixá-los fora do alcance do projeto, porque a lei de direitos autorais dos EUA é suficiente para lidar com eles.
Atualização: Depois de publicada a matéria, Cara Duckworth, porta-voz da RIAA, chamou o Ars Technica para esclarecer que as “soluções de mercado” `as quais se referiu são “acordos voluntários com terceiros, como o acordo recente com provedores para desestimular o roubo de conteúdo em suas redes”. Claro que, dados os rumores da pressão da Casa Branca sobre os provedores, temos nossas dúvidas a respeito de quão voluntários foi isso.
[Sites como o Avaaz e organizações como o Creative Commons estão fazendo campanha contra a aprovação do SOPA. Comunicado distribuído hoje pelo Creative Commons diz que “o SOPA é uma ameaça a todos os sites na internet, mais pode atingir especialmente os commons (conteúdos livres), como explica a Eletronic Frontier Foundation, em artigo sobre o software livre. O mesmo se aplica a projetos abertos e livres que vão além de software e que usam, com frequência, licenças Creative Commons. As licenças padrão e públicas reduziram o custo e os riscos de compartilhar conteúdo legalmente e colaborar em projetos, mas o SOPA pode aumentar drasticamente tanto os custos quanto os riscos de prover plataformas para compartilhamento legal de conteúdo e colaboração (desde blogs individuais até projetos massivos de comunidades, como a Wikipedia, ou repositórios de recursos educacionais abertos, ou mesmo sites como Flick e YouTube). Isso vai dificultar o acesso a enormes repositórios de cultura livre, seja porque vai tornar caro demais manter essas plataformas seja porque uma simples informação publicada em desacordo com o SOPA poderá fazer com que todo o domínio seja retirado do ar].
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