Campus Party 2010 tem recorde de participação no Brasil e inaugura espaço de debates
Patrícia Cornils
ARede nº55 fevereiro de 2010 – Como diz o hino dos campuseiros 2010, ali se reunem jovens (e velhos e crianças) interessados em novas tecnologias, e, mais que isso, empenhados em descobrir e protagonizar o que vem “depois” das novas tecnologias, “anos luz adiante”. Durante uma semana, eles montam barracas, criam robôs, namoram entre cabos USB, participam de oficinas técnicas, trocam ideias e programas, se informam, cantam, compartilham informação por meio das conexões em banda larga oferecidas pela organização.
A Campus Party Brasil, que teve sua terceira edição entre 25 e 31 de janeiro, em São Paulo, com capacidade total de 10 Gb de banda larga, bateu um recorde de participação. Recebeu seis mil campuseiros – pessoas que acampam no evento durante toda a semana – e 50 mil participantes. A festa brasileira é a maior do mundo e superou a versão espanhola, onde o Campus Party foi criado, há dez anos.
O evento tem 67% de participantes entre 18 e 30 anos. Mais de 90% estão envolvidos com práticas colaborativas online e cerca de 31% são autores de blogs, afirma um levantamento realizado pelo Ibope com 600 campuseiros. As pessoas pertencem a tribos tão distintas quanto a dos desenvolvedores de games em software livre e a dos fãs do Windows. Ou a do pessoal da oficina de avatar robótico, que mostrou como comandar robôs pelo Twitter. Ou a dos aficcionados do modding, que se dedicam a modificar carcaças de computadores e criar máquinas superpersonalizadas e a bater recordes de velocidade processamento. Tem também os ativistas da cultura digital, que debatem o futuro da internet no Brasil.
Sob o patrocínio da Telefônica, a Campus Party trouxe este ano o hacker Kevin Mitnick. Famoso por invadir, na década de 1990, computadores de empresas, ele foi preso em 1995 e libertado em 2000. Hoje tem uma empresa de consultoria em segurança na web. Recebido como uma estrela pelos campuseiros, afirmou que os os hackers mudaram de filosofia nos últimos anos. “Na minha época, os hackers queriam apenas invadir sistemas para provar que conseguiam. Hoje, tudo envolve dinheiro, tudo é pela grana”.
O contraditório veio um dia depois, na palestra sobre civic hacking, ou hacking cívico, que reúne engajamento político e internet. Wagner Diniz, da W3C (organização que desenvolve padrões de conteúdos para a web), Daniela Silva e Pedro Markun (veja entrevista na página 16), da Esfera, projeto de comunicação, política e novas tecnologias, falaram sobre como a internet pode dar aos cidadãos o poder de atuar na esfera pública. Uma das maneiras de fazer isso é criar, em rede, formas de acesso e uso de dados públicos para exigir políticas, propor soluções, fiscalizar a atuação dos poderes públicos.“Em vez de reclamar ou anular o voto durante as eleições, é preciso participar”, disse Daniela. Esses são hackers com atitude política e, ao contrário do que acredita Mitnik, não esperam necessariamente por remuneração.
O direito autoral da era digital
O que torna a Campus Party brasileira importante, além do porte, é o fato de o evento ser, mais do que um elogio ao consumo de tecnologia, um local onde pessoas envolvidas com a cultura digital se encontram e se articulam. Este ano, pela primeira vez, foi promovido o Campus Fórum, um espaço de encontros e debates sobre o futuro e desenvolvimento estratégico da web. Os temas debatidos no Campus Forum foram o Plano Nacional de Banda Larga, a reforma da lei de direitos autorais, o marco civil da internet e os direitos humanos na rede.
A reforma da lei brasileira de direitos autorais ganhou destaque ainda maior na Campus Party 2010 com a presença de um especialista no assunto. Lawrence Lessig, professor de Direito em Harvard e um dos fundadores da Creative Commons, afirmou em sua palestra que as mudanças propostas pelo Ministério da Cultura (MinC) na legislação brasileira a tornarão uma das mais progressistas do mundo. “Vocês devem praticar o que pregam: mostrem, compartilhem, reconstruam, remixem”, disse ele.
Copiar, compartilhar, remixar fazem parte da cultura digital, essa cultura em que tudo está disponível na rede e em que os instrumentos para criar obras (computadores, programas, câmeras e gravadores digitais) são acessíveis. O problema é que a legislação de direitos autorais usada hoje, e que tem sua origem no século 19, criminaliza a cópia não autorizada. O anteprojeto da lei deverá ser divulgado pelo MinC em fevereiro, para consulta pública. “Conversei com o Lawrence Lessig e ele considera que a nossa lei será a mais avançada porque vai muito além, porque vamos direto para a era digital. O mais importante é o direito ao uso individual, a cópia justa. A minha esperança é de que essa legislação seja aprovada ainda no primeiro trimestre”, disse a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, em visita à Campus Party.
http://blogs.cultura.gov.br/cnc
Legislação revolucionária
Veja as mudanças previstas na lei de direito autoral.
• Descriminalização da cópia privada: permitirá a criação de backup de CDs e DVDs de qualquer obra digital sem autorização ou remuneração ao titular;
• Mudança de suporte: para uso privado, o usuário poderá portar o conteúdo original para outra mídia que não aquela que tenha adquirido originalmente. Exemplo: permitir a inserção de arquivos de um CD ou DVD originais em um MP3 player;
• Distribuição de obras fora de catálogo: será possível a reprodução, sem finalidade comercial, de obras literárias, fonogramas ou audiovisuais que não constem mais em catálogo do responsável por sua exploração econômica.
• Ampliação de beneficiados: roteiristas e compositores de trilhas sonoras de obras audiovisuais poderão receber pela autoria;
• Utilização de pequenos trechos de obras: mashups musicais (fusão de elementos de diferentes músicas) ou visuais, que não prejudiquem a exploração normal da obra original, terão respaldo legal;
• Digitalização de conteúdos de interesse público: museus, bibliotecas e centros de documentações poderão colocar na internet seu acervo para consulta.