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A liberdade de produção de conteúdo ganhou asas no Fórum de Mídia Livre, realizado no Rio de Janeiro 


A liberdade de produção de conteúdo ganhou asas no Fórum de Mídia Livre, realizado no Rio de Janeiro  
Rosane de Souza


Grupo Nós do Morro, além de Teatro, tem núcleo de audiovisual

É cada vez maior o número de brasileiros que não se conformam mais em ser apenas leitores de jornais ou espectadores passivos de programas de televisão. Para estes, o conselho de Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Eco-UFRJ) e anfitriã do I Fórum de Mídia Livre, realizado nos dias 14 e 15 de junho, é: façam TV, criem seus próprios espaços de produção de veículos de comunicação. Ela citou como exemplo as produções independentes das entidades cariocas Central Única de Favelas (Cufa), criada pelo rapper MV Bill; Escola Popular de Comunicação Crítica, do Observatório de Favelas; grupo Nós do Morro, da favela do Vidigal; assim como a experiência do Canal Motoboy, de São Paulo.

Os motoqueiros de São Paulo enviam vídeos do trânsito ou registros de acidentes, pela internet, todas as manhãs. Têm audiência cativa. É para essa gente que os mais de mil participantes do encontro buscam encontrar formas de produção difusão e principalmente, de distribuição de todo o conteúdo produzido. Eles se propõem também a procurar saídas para evitar a criminalização desses produtores. É o caso da polêmica proposta de acabar com a obrigatoriedade do diploma de jornalista defendida pela diretora da Eco. “É necessário repensar essa exigência. Alguns cursos são muito ruins, só emitem diplomas, enquanto os sindicatos ocupam o último lugar cartorial de poder no país”, diz ela, assinalando não querer brigar com os sindicatos dos profissionais. Sua briga é outra: por autonomia e liberdade aos produtores que não estão nas estruturas tradicionais.    

Ao final do encontro, marcado por divergências profundas, foi aprovado, entre outras propostas,  o mapeamento de todos que fazem mídia independente  no Brasil, a criação de Pontos de Mídia, semelhantes aos Pontos de Cultura já existentes, a elaboração de uma manifesto a ser encaminhado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a realização de encontros formais em todos os estados brasileiros neste segundo semestre e a participação no Fórum Mundial Global, em Belém, durante o qual deverão anunciar a criação do Fórum de Mídia Livre Latino Americano.

Munidos de celulares com câmera integrada, motoboys fotografam, filmam e publicam na internet suas experiências, transformando-se em cronistas de sua própria realidade.

Outra proposta aprovada foi a de pedir a convocação da Conferência Nacional de Comunicação ao governo federal. Esta conferência já foi aprovada no Congresso Nacional com uma verba de R$ 20 milhões e agora necessita de convocação do Executivo. Segundo Antônio Biondi, da coordenação do fórum e membro do Coletivo Intervozes, o documento será enviado aos principais representantes dos três poderes. O grupo quer discutir, ainda, estratégias para disputar verbas públicas, o que para muitos é uma questão central, ao mesmo tempo que é a base das visíveis divergências no grupo. O Conselheiro Nacional do movimento Mídia Livre e representante da revista Fórum, Renato Novai, destacou, por exemplo, que dos US$ 20 bilhões gastos pelo mercado publicitário, 35% foi para a TV Globo, em 2007.

Gustavo Gingre, também do Intevozes, relatou um caso que, para ele, ilustra bem a forma como as empresas procuram impedir o acesso aos meios de comunicação. A operadora Telemar teria cobrado R$ 16 mil à prefeitura de Duas Barras, no Rio de Janeiro, por uma banda de conexão com 4 megas, para que o município pudesse promover o acesso da população à internet.

Ao fazer um balanço do encontro, Marcos Dantas, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), lamentou não ter sido estabelecido claramente que a grande briga é pela redistribuição dos serviços públicos —  que devem ser orientados por critérios comuns e na qual a TV Digital tem assento privilegiado. “Este é o espaço de disputa de poder que deve ser ocupado, as novas tecnologia nos permitem brigar por ele. Mas, falta noção de vida real em parte dos participantes do I Fórum. Eles parecem querer desfrutar o poder, mas, ao mesmo tempo, propõem sair da disputa”, afirmou. O professor diz, brincando, que já apelidou este movimento de neoliberalismo de esquerda. Há quem enxergue em parte do movimento o que qualificam de neo-anarquismo importado. “Eu fui contra a proposta de criação de Pontos de Mídia por uma questão muito simples: é inviável o estado investir em toda a infra-estrutura. Seria mais fácil incorporá-los aos Pontos de Cultura”, afirma Dantas.
 
Independência


Os Dois Cavalheiros de Verona,
produção do grupo Nós do Morro

Para Ivana Bentes, o Estado é fundamental para desatar o nó que faz com que a mídia independente atinja pouca gente. Porém, deixa claro desejar que a mídia continue independente do Estado. “Nós queremos o acesso à internet, mas também a liberdade de difusão das rádios e das TVs comunitárias e que se acabe com a perseguição a quem as produz. É fetiche esperar tudo do Deus-Estado”, desabafa.

O I Fórum de Mídia Livre reuniu tribos de todos os tipos, desde os interessados em participar de suas oficinas até os que enxergam nele outra base de disputa de poder. Um oficina bem concorrida foi a de Confecção de livros sem frescura, sob o comando de Paulo R. Capa, e a de análise curta da mídia e de formação de estrutura de produção de veículos próprios. No local do encontro, não havia espaço não ocupado por novas formas de conteúdo, como o de um pequeno jornal tablóide de manchete intrigante: “Boas meninas vão para o céu. Insubmissas vão aonde querem”.