ARede nº55 fevereiro de 2010 – Do ponto de vista tecnológico, as perspectivas são amplas. Em alguns anos, a digitalização da TV aumentará em muito a oferta de conteúdos para todo o país. No setor público, ao final do ano, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) deu um passo concreto nesse sentido. Colocou na praça um edital para a construção da rede de transmissão nacional de televisão digital, destinada aos canais não comerciais. Prevê-se que até 2014 os 273 municípios brasileiros com mais de cem mil habitantes estarão cobertos pelo sinal dessas emissoras.
A tendência é de uma expansão física ainda maior para os anos seguintes. Mas por enquanto a TV Brasil, principal elemento desse sistema, ainda sofre com a ausência forçada das suas imagens analógicas em centros populosos e importantes como, por exemplo, São Paulo e Porto Alegre. É como se a BBC não entrasse em Londres e Liverpool, o que cria para a EBC um desgaste político muito forte.
O espectro eletromagnético, por onde trafegam as ondas televisivas, pode ser comparado, no Brasil, às terras devolutas. Desde os anos 1930, grupos interessados no uso comercial do rádio, e depois da TV, as foram ocupando. Favorecidos por legislações feitas segundo seus interesses particulares, acabaram por dominar praticamente todos os espaços, perpetuando-se na área, como se fossem donos dos lotes. E não apenas ocupantes temporários, como diz a lei.
Hoje não há mais espaço disponível nos grandes centros para emissão de sinais analógicos de TV. No entanto, existem indícios fortes de irregularidades em diversas das atuais concessões. Uma revisão criteriosa, por parte do poder concedente, talvez pudesse abrir espaços para a TV Brasil. O que não parece lógico é que a televisão pública nacional, para ser vista pelo contribuinte que a mantém, tenha que negociar com os estados e até ouvir negativas, como acontece atualmente no Rio Grande do Sul.
A estas questões combina-se o problema do conteúdo. Como dar conta das inúmeras demandas simbólicas existentes em uma sociedade multifacetada como a brasileira? Esse é o desafio da TV pública, que não deve ter como referência o padrão comercial. E a resposta não pode ser obtida por meio da prática do ensaio e erro. Afinal, trata-se de dinheiro público que deve ser valorizado ao máximo.
Pesquisas qualitativas aplicadas à sociedade, combinadas com análises daquilo que de melhor se faz nas TVs públicas de todo o mundo, constituem o melhor caminho para começar a responder à pergunta feita no parágrafo anterior. Por que não estudar, por exemplo, a forma pela qual o segundo canal da Rádio e Televisão Portuguesa estabelece a sua grade de programação? A emissora portuguesa não parte de formatos de programas ou de expectativas de índices de audiência e sim das áreas eleitas como de responsabilidade de um serviço público de radiodifusão: social, cultural, infanto-juvenil e educativa. A partir daí, constroi-se a programação.
Além disso, para colocá-la em prática, são necessários profissionais conscientes e orgulhosos de estar exercendo o papel de servidor público. São dois grandes desafios que, se não forem enfrentados imediatamente, poderão tornar vazias as conquistas tecnológicas em curso.
Laurindo Lalo Leal Filho
Sociólogo e jornalista, é professor da Universidade de São Paulo e ouvidor
da Empresa Brasil de Comunicação.