Opinião – A aposta no ODF


André Echeverria*


Imagine se, nos idos de 1500, a carta de Pero Vaz de Caminha à Coroa
portuguesa tivesse sido escrita num formato ou com caracteres que
pertencessem a uma grande companhia ultramarina. E que, para lê-la,
fosse preciso pagar por códigos que a decifrassem, vendidos por essa
multinacional quinhentista. Poderíamos saber que, no dia 21 de abril,
os navegantes comandados por Pedro Álvares Cabral, “a horas de
véspera”, viram terra? “Ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte
Pascoal, e à terra – a Terra da Vera Cruz”. Pois é, felizmente, a carta
que conta a descoberta do Brasil foi escrita em português, idioma
corrente lá naqueles tempos e ainda hoje, com caracteres e códigos
abertos.

Esse, aliás, é exatamente o conceito básico do software livre (ou Open
Source) que permite que os desenvolvedores partam do ponto que outros
já atingiram, não importa em que lugar do mundo estejam, ou a que
organizações pertençam. A metáfora da Carta de Caminha aponta a
relevãncia de um outro conceito: o Open Document Format (ODF) – um
formato neutro de arquivo, para armazenamento de documentos, criados
por meio de processador de texto, planilha, programas de apresentação,
banco de dados. Tornou-se um padrão internacional e motivou a criação,
em março, de uma aliança que inclui empresas como a Sun, a IBM, a
Corel, órgãos de governos e institutos de tecnologia de vários países.
Formada com 35 membros, a ODF Alliance, em um mês de existência, já
registrava 138 integrantes, comprometidos em desenvolver e disseminar o
padrão ODF. A presença de entidades governamentais explica-se pela
preocupação com a liberdade na escolha de ferramentas tecnológicas, ao
mesmo tempo aumentando a garantia futura de acesso a documentos
públicos.

Pode-se então sintetizar a importância do ODF em três principais
pontos. Primeiro, para a liberdade de escolha entre fornecedores de
aplicativos; segundo, para assegurar que, no futuro, se não existir
mais a empresa que criou determinado software, o usuário poderá
continuar lendo o documento, mesmo que use outra ferramenta; e,
terceiro, não precisar pagar direitos a nenhuma empresa para consultar
documentos de interesse público (por exemplo, dos arquivos do INSS ou
da Receita Federal), porque o formato padrão está apoiado em uma ampla
comunidade dedicada ao código aberto.

O Brasil também está engajado no fortalecimento do ODF. O presidente
Lula recebeu o presidente da Sun, Jonathan Schwartz, em abril, quando a
empresa formalizou seu interesse em colaborar com o governo brasileiro
para a eliminação de barreiras digitais. Resultado desse encontro,
formou-se um grupo de trabalho com representantes da Sun, do Instituto
Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) e do Serpro, que tem a
missão de apoiar a elaboração  de uma política pública para o uso
do ODF no governo federal, cuja administração direta mantém cerca de
130 mil desktops.  O padrão ODF é suportado, entre outros, pelos
aplicativos do OpenOffice (criado a partir do código do StarOffice,
aberto pela Sun), capaz de ler e salvar em versão padronizada mesmo
documentos criados em software proprietário. A Sun integra a comunidade
de desenvolvedores do OpenOffice e mantêm, com ela, uma troca
multilateral para aperfeiçoamento do código. No ano passado, financiou
o projeto Técnico Cidadão –capacitação em plataformas abertas para 500
jovens, em parceria com o ITI e o Ministério do Trabalho. A Sun
orgulha-se de apoiar a criação de uma política pública que privilegia a
autonomia tecnológica do país e a disseminação do conhecimento
compartilhado.


*Diretor de marketing da Sun Microsystems