Opinião – A mídia e o voto*


Venício A. de Lima**


Na complexidade dentro da qual se constrói a decisão do voto, com
muitos fatores em ação, quais as primeiras impressões sobre o papel da
mídia nas eleições que acabam de ser realizadas? Arrisco algumas
afirmações. A primeira é que a mídia — ao contrário do que gostam de
admitir seus principais porta-vozes — não é apenas uma mediadora ou
transmissora de informações. Ela é parte ativa e interessada no
processo e constitui-se, ela própria, em importante ator político. Nas
eleições, o papel de ator político da mídia se revela com clareza nas
decisões editoriais, nas omissões e nas ênfases da cobertura política.
Mas não só aí. Há uma ação implícita, difícil de perceber e de
descrever, que é constitutiva da posição de centralidade que a mídia
atingiu em nossas sociedades.

Nos debates com candidatos, por exemplo, a TV — que não passa de
concessionária de um serviço público — comporta-se como se constituísse
um poder (será?) acima dos outros. Os candidatos estão nesses debates
como se diante de uma banca de examinadores, e a autoridade do
julgamento é exercida pela estrutura televisiva personificada no(a)
âncora que preside o debate. A fragilidade dos candidatos diante dessa
autoridade da TV sugere ao telespectador que os(as) âncoras é que
estariam em melhores condições de gerir a coisa pública, com toda a
desenvoltura e sabedoria que a TV lhes dá.


Confirma-se também a importância relativa da mídia em relação ao tipo
de eleição – majoritária ou proporcional —, e de acordo com sua
abrangência (se nacional, regional ou local). A recondução ao Congresso
Nacional de vários deputados associados pela mídia a “escândalos” da
crise de 2005-2006 é uma prova disso. Por outro lado, reitera-se a
importância da mídia impressa paulista de referência nacional que,
aliás, caminha junto com a relevância do estado de São Paulo nas
eleições nacionais, pelo enorme peso de seu eleitorado. Não creio que
se possa ainda avaliar corretamente a influência da posição
político-eleitoral — implícita ou explícita — de jornais como “Folha de
S.Paulo”, “Estado de S.Paulo” ou de revistas como “Veja”, em especial
no voto urbano de classe média nas eleições para presidente. Com
certeza, essa influência não foi desprezível.

Confirma-se, ainda, que os institutos de pesquisa — entronizados pela
mídia na posição de conhecedores antecipados da vontade popular — nem
sempre acertam. As eleições para governador no Rio Grande do Sul e na
Bahia são, até agora, os exemplos mais eloqüentes.

Como ator político, espera-se que a mídia cobre dos candidatos a
presidente, no segundo turno, os seus planos para o setor de
comunicações. Infelizmente, esse é um setor onde, por decorrência
inclusive do comportamento da própria mídia, não se explicitam as
políticas públicas – ou a ausência delas. Nas sociedades
contemporâneas, Brasil incluído, o debate das políticas públicas de
comunicações deveria ser uma exigência da cidadania. Não só porque a
economia da cultura — onde a mídia se situa — já representava, em 2003,
cerca de 7% do PIB mundial, mas também porque não se trata de uma
atividade econômica qualquer, e sim do espaço onde são construídas as
representações das coisas, inclusive da política e dos políticos.

Os movimentos interessados em garantir a todos o direito à comunicação
devem se mobilizar para que, nas semanas que nos separam do segundo
turno da eleição presidencial, tornem-se transparentes as propostas dos
dois candidatos. Porque não se pode mais adiar a regulação das
comunicações no Brasil. Trata-se de um setor de indiscutível
centralidade no cotidiano da população, e que vive uma caótica
desregulação que certamente não atende ao interesse público.


* Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br), em 2 de outubro, e editado para reprodução neste espaço.
** Autor do livro “Mídia: crise política e poder no Brasil” (Fund.
Perseu Abramo, 2006), criou o Núcleo de Estudos de Mídia e Política da
Universidade de Brasília (UnB).