Ativismo pós-digital
Tarcisio Torres Silva
ARede nº 92 – julho/agosto de 2013
A um observador atento das redes de comunicação, é impossível não notar as ações ativistas na disputa por espaço e atenção entre notícias e memes vistos pelos usuários de redes sociais. Nesse espaço, que funde o privado e o público, parece haver uma nova forma de fazer política, onde se apoiam estratégias construídas a partir de um ambiente midiático híbrido, que permite aflorar novas demandas sociais.
O espaço desejado pelas causas sociais hoje é um problema que abrange o uso estratégico das mídias. Ao mesmo tempo em que se deposita todo um otimismo proveniente da dimensão participativa das mídias colaborativas e independentes, o esforço para também ganhar a atenção das mídias corporativas é evidente.
Para autores como Antonio Negri e Michael Hardt, o poder das mídias digitais reside em dar voz e organizar a “multidão”. Por meio das mídias horizontais (sem hierarquia, de todos para todos) a democracia contemporânea pode encontrar sua melhor expressão. Formas criativas de organização e demandas políticas latentes podem ganhar força. Por isso, muitos projetos têm sido construídos a partir de plataformas digitais. Dentre os mais recentes, há o Clean Clothes Campaign, cujo propósito é monitorar empresas de confecção de roupas e denunciar abusos e maus tratos aos operários.
Os integrantes dessa rede conseguem criar ações que têm como alvo as lojas das marcas acusadas. Fenômeno viral de ativismo digital, o vídeo Kony 2012 talvez seja o melhor exemplo da projeção a que se pode chegar, tendo como estratégia uma narrativa audiovisual sedutora, que aproxime uma causa significativa – mas muitas vezes distante do espectador comum – das preocupações cotidianas dos indivíduos, como sustento, família e afeto.
Porém, outros projetos entendem que terão mais eficácia se criarem estratégias que mirem também a mídia vertical (jornais, revistas, sites e redes de TV). Um dos mais significativos é o grupo Femen, cujas ações chamam a atenção por sua capacidade de virar notícia, atraindo os olhares para os vários elementos muitas vezes díspares que conseguem unir. Clichês atrativos para o noticiário, tais como a nudez feminina, a violência (ainda que muitas vezes simulada) e a quebra de protocolos, atrelados a causas globais, fazem do grupo um fenômeno ativista contemporâneo. Consegue dialogar com a grande mídia, sem deixar de lado suas estratégias digitais por meio da divulgação intensa das ações no site oficial e nas redes sociais. Por mais que recebam críticas, principalmente dos grupos feministas mais tradicionais, as mulheres do Femen têm mostrado que é possível criar estratégias multiplataforma, envolvendo performance pública e a divulgação em mídias horizontais e verticais.
Falar em ativismo digital hoje é falar de uma prática que se dá em um ambiente cada vez mais convergente e interconectado. Alguns dos projetos de maior sucesso, dos quais exemplificamos apenas alguns, mostram a otimização da relação entre mídia e ativismo, de forma a não se limitar ao digital, indo além ao criar diálogos, tensões e narrativas transmidiáticas em todos os espaços onde houver a possibilidade de manifestação pública.
Tarcisio Torres Silva é professor da PUC-Campinas.
Bacharel em Comunicação Social e Ciências Sociais, é mestre em Artes e doutor em Artes Visuais. Estagiou pelo doutorado no Goldsmiths College, Universidade de Londres.