Biblioteca: a informação para o desenvolvimento
Marta Voelker
ARede nº 93 – setembro/outubro de 2013
Com mais de uma década de inclusão digital, o Brasil ainda não desenvolveu práticas sistêmicas para orientar e estimular o uso da informação para melhoria da qualidade de vida da população. Quem vai assumir esse desafio?
Em vários países, as políticas de acesso às tecnologias da informação e comunicação (TICs) são acompanhadas de expectativas de geração de desenvolvimento socioeconômico: o estímulo e a orientação para o uso da informação em questões relacionadas a saúde, geração de renda, melhorias no domicílio, educação familiar, entre outros, costumam integrar os programas de acesso público à internet. Prover acesso é importante, mas não é suficiente para gerar desenvolvimento. O uso da informação para resolver problemas ou empreender não costuma ser uma atividade espontânea, principalmente entre os usuários com pouca instrução.
No Brasil, apenas metade da população usa a internet. Entre os brasileiros das classes D e E a proporção de usuários cai para 14%; destes, 69% acessam em pontos públicos (CGI). A multiplicação desses centros seria o caminho natural para expandir o acesso, mas a ausência de orientação e estímulo demanda um repensar nos serviços oferecidos nesses centros e a construção de estratégias.
Vejo as bibliotecas públicas, ainda que pouco significativas em quantidade, como o ambiente mais apropriado para desenvolver e pilotar programas que estimulem a circulação de informação relevante para redução da pobreza e melhoria da qualidade de vida. Têm equipes mais estruturadas, compostas por profissionais com mais formação e com menor rotatividade se comparadas às lan houses (pequenos empreendimentos privados, em geral, de curta duração) e aos telecentros, cujos atendentes são, em geral, jovens bolsistas remunerados temporariamente por programas de inclusão digital de curta duração. As bibliotecas públicas são organizações integradas às políticas públicas de governo e trazem em suas missões, entre outros objetivos, o acesso à informação.
Penso as bibliotecas facilitando o debate em grupos que compartilham questões e anseiam por informações. Poderiam ser mães de menores infratores, artesãos ou ainda moradores enfrentando adversidades em sua comunidade, esses grupos teriam encontros presenciais nas bibliotecas, mas estenderiam o debate, a pesquisa e a construção de soluções nos meios digitais. Usariam a internet para compartilhar situações e soluções, agregariam conteúdo adaptado pelo grupo ou por facilitadores, contatariam especialistas e discutiriam em redes sociais públicas ou privadas, gerando conteúdo e organizando as demandas.
Tais práticas necessitam de facilitadores com preparação além do conhecimento de informática. Não vejo os monitores de telecentros e atendentes de lan houses com perfil para tal desafio. Vejo, sim, nesse papel, as equipes das bibliotecas públicas. O caminho seria oferecer formação em tecnologia para esses profissionais, já inseridos na missão de facilitar o acesso e a circulação de informação. Porém, mais importante, é o país compreender o conceito de informação para o desenvolvimento e construir programas que estimulem e disseminem práticas nesse sentido.
Marta Voelker é pesquisadora da Fundação Pensamento Digital nas áreas de tecnologia para educação e tecnologia para o desenvolvimento.